terça-feira, 30 de junho de 2009

"Présumés Innocents"

fonte: E-Flux

"Presumed Innocents", the trial: 10 years later"

Bordeaux Judge Reopens Decade-Old Child-Porn Charge
Against Curators Marie-Laure Bernadac, Henry-Claude
Cousseau, and Stéphanie Moisdon

Marlene Dumas, included in the exhibition, with one of her "obscenities."Photograph: Martin Godwin. June 30, 2009

Indicted at the end of 2006 , after six years of investigations, long period during which no element was produced that could have fed the prosecution (the specialized unit for minors and the rectorship gave a favourable opinion) and after the attorney general of Bordeaux called for a not guilty decision in march 2008 the trial judge Jean-Louis Crozier has just decided to refer before the magistrate's court Marie-Laure Bernadac, Henry-Claude Cousseau, and Stéphanie Moisdon, for having, within the exhibition entitled "presumed innocent- contemporary art and childhood " organized 2000 in the CAPC contemporary museum of art in Bordeaux exposed " violent and pornographic art works "*.

With this decision—which, in an extremely unusual move, disregards the conclusions of a Parquet investigation—the entire national and international artistic and professional community, together with the cultural image of France, have come under attack and stand accused, offended.

For the first time in France, two museum directors and a curator are to be tried in a criminal court for exhibiting works of art that have already been shown throughout the world or put on view since the Bordeaux exhibition in art shows that have not elicited the least unfavorable reaction from the public. The thinking that went into preparing the incriminated exhibition, focused on a major subject of art history, was developed collectively and was shared by the relevant state oversight authorities.

This court case from an earlier century, fiercely, relentlessly prosecuted by a single judge in contempt of artistic creation and individuals' right to accede freely to all forms of art, is indicative of a dangerous obscurantist attitude. The trial will take place in Bordeaux under pressure from a local child protection association named La Mouette, in turn supported by an extremist press that has already been found guilty of libel against one of the accused.

How is it possible that what is considered viewable and acceptable everywhere else should not be so in Bordeaux? What will be put on trial in the Bordeaux magistrates' court a few months from now is the work and personal and professional conviction of three figures of the world of art and culture unanimously recognized for their commitment to that world. They have already received thousands of messages of support from all horizons.

This attempt to "criminalize" artists and other actors for their creative work, together with the cultural sites that diffuse that work, requires us to be extremely vigilant about censorship of this kind, whose perpetrators are ever ready to use noble causes such as child protection to authoritarian, liberticidal ends.

MARIE-LAURE BERNADAC, HENRY-CLAUDE COUSSEAU, STEPHANIE MOISDON

* including works by Christian Boltanski, Gary Gross, Paul McCarthy, Mike Kelley, Cindy Sherman, Nan Goldin, Robert Mapplethorpe, Elke Krystufek, Carsten Höller, Annette Messager, Ugo Rondinone…..

FLIP: Sophie Calle

Livro de Sophie Calle deixa mistério sobre o que é verdade ou invenção; leia trecho


da Folha Online

"Histórias Reais"
Autora: Sophie Calle
Editora: Agir
ISBN: 8522008787
Páginas: 88
Quanto: R$ 34,90

A mesa 12, que ocorrerá no próximo sábado (4), às 11h45, reserva um algo a mais para o público da Flip-2009 (Festa Literária Internacional de Paraty). Sob o tema "Quatro Paredes", o primeiro encontro público entre a artista plástica francesa Sophie Calle, 55, e o escritor francês Grégoire Bouillier, 49, diluirá ainda mais as fronteiras entre realidade e ficção, presentes na obra de ambos.

Bouillier, antigo companheiro da artista, rompeu o relacionamento por e-mail, terminando o texto com a frase "Cuide de você". Calle então pediu a 107 mulheres das mais diferentes profissões que lessem e interpretassem sua reação diante daquela resposta. Esse conjunto de expressões femininas foi filmado por Calle, tornou-se uma obra de sucesso ("Prenez Soin de Vous", a famosa frase, em francês), e representou a França na Bienal de Veneza, em 2007. O livro que leva o mesmo nome é um dos assuntos que será abordado pela escritora na Flip. No próximo mês, ela vem a São Paulo para inaugurar a exposição, no SESC Pompéia.

Outra surpresa que Calle traz ao país é a publicação de "Histórias Reais" (Agir, 2009), sua primeira obra a ser lançada por aqui. O livro relata as experiências autobiográficas da escritora. Das aventuras pessoais --infância, cotidiano e relacionamentos-- à experiência sensorial de seus traços, desta vez no texto e não na tela, ela revela-se por vezes uma menina que segue os conselhos do pai e vai ao médico, uma moça que compartilha suas intimidades com desconhecidos, e uma mulher que convive com os entrementes da relação com "Greg" (Grégoire Bouillier). O que seria verdade ou invenção? O mistério fica sob a responsabilidade do leitor.

Trechos extraídos do livro "Histórias Reais" :

Os seios milagrosos
Quando eu era adolescente, praticamente não tinha seios. Para imitar minhas amigas, comprei um sutiã que, evidentemente, não me servia para nada. Minha mãe, que exibia com orgulho um busto esplendoroso, e que nunca perdia uma oportunidade de fazer uma gozação, apelidara-o de porta-nada. Ainda posso ouvi-la. Durante os anos que se seguiram, lentamente, meu peito foi aumentando. Mas nada muito excitante. E de repente, em 1992 - a transformação se deu em seis meses -, ele começou a crescer. Sozinho, sem tratamento nem intervenção exterior, milagrosamente. Juro. Triunfante, mas na verdade sem muita surpresa, atribui a performance a vinte anos de frustração, de inveja, de devaneios, de suspiros.

O nariz
Eu tinha quatorze anos e meus avós queriam mandar corrigir algumas das minhas imperfeições. Iriam refazer meu nariz, disfarçar a cicatriz da minha perna esquerda com um pedaço de pele retirada das nádegas, e ainda corrigir as orelhas de abano. Eu não estava convencida, mas me tranqüilizaram: até o último instante eu poderia desistir. Uma consulta foi marcada com o doutor F., famoso cirurgião plástico. Foi ele que acabou com as minhas dúvidas. Dois dias antes da operação, ele se suicidou.

O porco
É uma história meio louca. Eu tinha trinta anos. Um homem me procurou dizendo que tínhamos projetos similares. Concordei em marcar um encontro com ele, sempre tenho medo de perder alguma coisa. Sua arte consistia em pedir a desconhecidas que dormissem com ele. Eu mesma já não havia pedido a estranhos que deitassem na minha cama para serem fotografados? Ele combinou de me levar a um churrasco em Neuilly. Durante a noite inteira, banquei a empregada. Grelhei salsichas, servi, limpei. Ocupada, o tempo passava mais depressa. Tarde da noite, ele me deixou na porta de casa, curvou-se, procurou meus lábios. Empurrei-o, dizendo: "Quem disse que quero beijá-lo?" Ele respondeu: "Não faz mal, você come como um porco!" Vários anos se passaram, mas essa frase continua me atormentando. Não lembro mais nada desse indivíduo, mas ele continua sentado à minha mesa.

O strip-tease
Eu tinha seis anos e morava na rua Rosa-Bonheur, com meus avós. Todos os dias, quando voltava para casa, ia tirando a roupa no elevador e chegava nua ao sexto andar. Em seguida, atravessava depressa o corredor e, assim que entrava no apartamento, ia me deitar. Vinte anos depois, era numa barraca de um parque de diversões, em Pigalle, que eu me despia todas as noites, usando uma peruca loura, caso meus avós, que moravam no bairro, viessem a passar por ali.

A carta de amor
Sobre a mesa, está jogada displicentemente, há anos, uma carta de amor. Eu nunca havia recebido uma carta de amor. Encomendei uma a um escritor público. Oito dias depois, recebi uma linda carta de sete páginas, escrita à mão, em versos. Havia custado cem francos, e o homem dizia: "... sem fazer um só gesto, segui você por toda parte...".

O dado
Sempre gostei que decidissem por mim. Com B. tínhamos uma regra: nos dias pares ele decidia, nos dias ímpares era eu. Quando ele foi para a América, deu-me um dado de presente para substitui-lo.

O dado (continuação)
Um dia, num vernissage, um jovem aproximou-se de mim e se apresentou. Tinha o mesmo sobrenome de B. Manifestei minha surpresa diante da semelhança até entre a ortografia, pouco comum, de seu sobrenome e do sobrenome do meu amante. Sua resposta foi galante: dois homens com o mesmo sobrenome me amavam. No dia seguinte, convidou-me para compartilhar sua cama. Confiei minha decisão ao dado. Por intermédio de seu presente, B. aprovava seu sucessor.

O mau hálito
Eu tinha trinta anos e meu pai achava que eu tinha mau hálito. Sem falar nada comigo, ele marcou uma consulta com um clínico qualquer. Fui. Assim que cheguei, pelo jeito dele, compreendi logo que se tratava de um psicanalista. Sabendo da implicância que meu pai sempre manifestara para com essa profissão, expliquei a ele a situação: "Houve um engano. Meu pai acha que tenho mau hálito, mas ele me mandou a um clínico geral". O psicanalista retrucou: "Você sempre faz o que seu pai manda?" Tornei-me sua paciente.

O divórcio
Nas minhas fantasias, eu sou o homem. Greg logo percebeu. Talvez tenha sido por isso que um dia ele me propôs que eu o fizesse urinar. Isso se tornou um ritual entre nós: eu ficava atrás dele, desabotoava-lhe as calças sem ver, tirava o pênis, fazia um esforço para colocá-lo na posição adequada e visar bem. Depois, recolocava-o lentamente no lugar e fechava a braguilha. Pouco depois da nossa separação, sugeri a Greg que tirássemos uma foto como lembrança desse ritual. Ele aceitou. Então, num estúdio do Brooklyn, diante da câmera, fiz com ele urinasse em um balde de plástico. Essa foto serviu de pretexto para que eu pusesse a mão no seu sexo, pela última vez. Naquela noite, aceitei o divórcio.

O outro
Aquele homem me agradava, mas na nossa primeira noite de amor tive medo de olhar para ele. Eu achava que ainda amava Greg, e temia ser dominada pelo pensamento de que aquele não era o homem que deveria estar ali, na minha cama. Preferi fechar os olhos. A incerteza persistia na escuridão. Um dia, fiz a bobagem de dizer a ele porque eu mantinha as pálpebras fechadas na cama. Ele não deixou transparecer seus pensamentos. Alguns meses depois, finalmente livre do fantasma de Greg, abri os olhos, certa de que a partir daquele momento era aquele outro que eu queria ver. Eu não sabia que seria nossa última noite: ele ia me deixar.

"Aquilo que acontece possui uma tal antecipação que nunca podemos ir ao seu encontro e conhecer sua verdadeira aparência".

Valores cobrados por herdeiros de artistas dificultam realização de mostras

Silas Marti da Folha de S.Paulo

Obras de Alfredo Volpi e Lygia Clark vão ter destaque na mostra que o Museum of Fine Arts de Houston planeja abrir em Zurique no fim deste ano, mas nenhuma imagem delas estará no catálogo. A não ser que as famílias dos artistas aceitem receber menos pelas fotos, como vai pedir nesta semana a curadora do museu.

Mari Carmen Ramírez já não pôde publicar imagens de Volpi num catálogo que o museu de Houston publicou em 2007 e agora briga para evitar o mesmo desfecho. "Estamos falando em milhares de dólares, quando o normal é nunca pagar mais de US$ 300 por cada imagem", afirmou Ramírez, à Folha.

Herdeiros podem cobrar pelas imagens e pela exposição das obras mesmo que as peças tenham sido vendidas a museus ou a colecionadores.

Volpi também ficou de fora do catálogo de uma grande individual dedicada à sua obra em cartaz até o fim desta semana no Instituto Moreira Salles do Rio, porque não foi pago o valor pedido pelo advogado da família, que era de R$ 150 mil.

Organizadores da mostra ofereceram R$ 35 mil à família para fazer a exposição e publicar um catálogo, mas não houve acordo. Agora, a filha de Volpi e seu advogado ameaçam processar o IMS por terem feito a mostra sem autorização.

"As famílias estão cada vez mais ávidas, eu não sei aonde vai parar isso", disse o crítico Ronaldo Brito, que já teve cópias apreendidas de seu livro "Neoconcretismo", com uma obra de Lygia Clark na capa --segundo parentes da artista, a editora Cosac Naify não pagou para reproduzir imagens.

No fim do ano passado, a galerista Raquel Arnaud sofreu para organizar uma exposição de Volpi no Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo, mas acabou cedendo e pagou R$ 50 mil --valor que conseguiu baixar dos R$ 100 mil originais-- pelas imagens. "A gente brigou muito por causa disso", lembra Arnaud.

É um problema que se arrasta. A curadora independente Denise Mattar diz que passou cinco anos de sua vida indo a fóruns porque foi processada pela família de Di Cavalcanti quando fez duas mostras no Rio, nos anos 90.
"A coisa é uma bola de neve", diz Mattar. "A família acaba contratando um advogado, que também quer dinheiro. Vai virando um círculo complexo."

Zelo pela imagem

De um lado, curadores, instituições e críticos de arte reclamam que a cobrança das famílias prejudica a realização de exposições, arriscando jogar no ostracismo a obra de um artista. Do outro, parentes e advogados dizem que é preciso zelar pela imagem dos que já morreram, e que isso tem um preço.

"Tem que ter um limite para isso, porque limita o acesso à obra", diz Vanda Klabin, curadora da mostra de Volpi agora em cartaz no IMS do Rio. "É preciso deixar uma margem em que você possa trabalhar."

Ronaldo Brito fala em tornar "invisível" a história da arte brasileira. "A difusão da obra de arte brasileira vai encontrando obstáculos, e isso influi no preço das próprias obras", diz o crítico Paulo Sergio Duarte. "Até do ponto de vista da lógica do capital, a coisa é torta."

Incômodo

"Se eu estivesse advogando para um artista menor, talvez nossa política fosse diferente", diz Salvador Ceglia Neto, advogado da família de Volpi, à Folha. "Volpi é Volpi, a força da obra dele é maior do que isso."

Ele descarta que os valores cobrados possam jogar o artista no anonimato. Diz que as críticas partem de colecionadores, que querem suas obras divulgadas, e de críticos, que querem mais exposições sobre as quais escrever. Também diz que esse é o custo para barrar a circulação de obras falsas de Volpi.

"Com essa cobrança acabamos forçando a formalização das transações", diz Ceglia Neto. "Os proprietários das obras querem ficar no anonimato e essa política incomoda."

"A gente está num mercado capitalista", diz Patrícia Volpi, neta do artista. "O argumento é sempre que estão fazendo uma homenagem, mas ninguém diz estar atrelando a marca a outra marca." No caso, a primeira marca é Volpi, e a segunda, o IMS, ligado ao Unibanco.

"Não houve exposição que deixou de ser feita por causa disso", diz Álvaro Clark, filho de Lygia. "Eu não vejo dificuldade. É que antigamente as coisas eram mais liberais."

Ele diz que sua Associação Cultural Mundo de Lygia Clark cobra em média 165 por imagem de obra. Mas é preciso que o trabalho em questão tenha um certificado de autenticidade emitido por eles. "Não cobramos pela certificação. Só pedimos que a pessoa contrate um fotógrafo para fazer a imagem da obra e um museólogo para fornecer um condition report [laudo de condições]", diz.

Clark diz que hoje há cerca de 580 obras certificadas e que gasta recursos dos direitos autorais para barrar falsificações. "É um processo claro e limpo. Quero limpar o mercado."

Família de Hélio Oiticica não cobra por imagens


Silas Marti da Folha de S.Paulo

Na contramão de famílias que cobram para liberar imagens de obras, os Oiticica têm uma política mais liberal. Cobram pelo empréstimo das obras de Hélio Oiticica, morto em 1980, mas liberam sem encargos imagens e documentos de seus trabalhos.

"Não vou cobrar dinheiro para exibir imagens do Hélio, mesmo porque você enterra o artista quando faz isso", diz César Oiticica, irmão de Hélio. Ele e Cláudio, outro irmão do artista, fundaram em 1981 o Projeto Hélio Oiticica, que cuida de seu espólio.

"Esse projeto se financia emprestando obras do Hélio", diz César Oiticica. De caráter mais conceitual, quase todas as obras do artista, cerca de 95%, não foram vendidas e ficaram nas mãos de seus parentes.

Feeling para cobrar

Oiticica diz, no entanto, que é preciso saber cobrar o valor adequado para o empréstimo das obras. "A gente sabe que existe um valor de mercado", diz. "A exposição é ótima para o museu, para o curador, mas é um valor que precisa ter o feeling para cobrar. Se você cobrar muito caro, ninguém compra."

Oiticica critica quem cobra pela divulgação de imagens. "Não é uma boa política, porque a gente sabe que isso é muito ruim para a obra do artista", diz. "A maior sacanagem que você pode fazer com um artista é dar um jeito de não expor a obra dele."

domingo, 28 de junho de 2009

ENTREVISTA


Saiu na ISTOÉ:

A bienal depois do caos


O novo presidente da maior mostra de arte da América Latina começa a tapar o rombo de R$ 2,8 milhões e promete para 2010 um evento com um olhar brasileiro

Por Paula Alzugaray

Martins: "Olhar para a arte contemporânea a partir de uma ótica brasileira é uma inversão da ideia original"

Eleito por unanimidade o novo presidente-executivo da Fundação Bienal de São Paulo, o consultor financeiro e colecionador de arte Heitor Martins, 41 anos, assume uma Bienal paralisada por uma crise financeira e administrativa que se arrasta há anos. Em junho, a fundação deixou de arcar com seu compromisso de promover o financiamento, a organização e a curadoria da representação brasileira na Bienal de Veneza. O impasse e o vazio institucional só foram suplantados com a intervenção do Ministério da Cultura, que fez um aporte de US$ 170 mil para o envio das obras brasileiras. A julgar pelo projeto de Martins, as relações da fundação com as esferas governamentais vão permanecer estreitas. Ele quer que o governo participe da gestão, ocupando quatro diretorias: "A Bienal sempre teve em seu estatuto vagas para o Ministério da Cultura, Itamaraty, Estado e município." Marido da produtora Fernanda Feitosa, criadora da feira SP Arte, e sócio da empresa internacional de consultoria McKinsey & Company, Martins tem pela frente o desafio de pagar as dívidas da fundação e de montar a 29ª Bienal em outubro de 2010.

ISTOÉ - Como se dedicará ao cargo?
Heitor Martins - Mais que a dedicação individual, será o espírito de equipe que permitirá que a Bienal avance. Não é tarefa de uma pessoa só. Temos a equipe da própria Bienal, de 31 colaboradores, uma diretoria com sete diretores voluntários, mas ativos, e um novo grupo de conselheiros.

ISTOÉ - O formato de gestão compartilhada entre diretores é novidade?
Martins - Cada presidente formatou a sua diretoria e a sua equipe. Eu trouxe um modelo de colegiado, de trabalho em equipe mais colaborativo e mais horizontal. Um pouco menos hierárquico, buscando aproximar o corpo técnico da diretoria e do conselho e fazer com que essas entidades trabalhem de uma forma mais coordenada, aproximando a Bienal da sociedade.

ISTOÉ - Na 27ª Bienal, "Como viver junto", Lisette Lagnado propôs um formato semelhante ao compartilhar a curadoria com cinco cocuradores. Temos agora um "Como viver junto" no âmbito administrativo?
Martins - Esse é um modelo mais moderno, mais empresarial. Essas relações hierárquicas mais distantes, esses modelos de "one man show" já não funcionam muito bem.

ISTOÉ - Qual o rombo da Bienal?
Martins - Temos de levar em conta que a Bienal é uma fundação e não gera receita própria. Ela depende de recursos que vêm da sociedade. Ao se fazer uma Bienal, tem-se de montar um orçamento e captar recursos para custeá-la. E o que aconteceu na 28ª Bienal? A captação ficou aquém do necessário. Isso gerou déficit, que hoje está na casa dos R$ 2,8 milhões.
Para estabilizar a situação financeira, a Bienal precisa de um aporte da ordem de R$ 4 milhões. Mas temos confiança de que a sociedade vá abraçar o projeto"

ISTOÉ - Como se compõe a dívida?
Martins - É uma dívida bancária, cujo pagamento requer recursos de bancos. E incluiu algumas dívidas com fornecedores, que têm de concordar em postergar o seu recebimento. Além disso, existe um conjunto de gastos e despesas correntes que são necessários no dia a dia. Para estabilizar a situação financeira, a Bienal precisa de um aporte da ordem de R$ 4 milhões. É necessário fazer o saneamento das dívidas e resgatar o equilíbrio de caixa para uma instituição desse porte.

ISTOÉ - Em tempos de crise financeira mundial, como o seu know-how de consultor financeiro vai ajudar na captação de R$ 30 milhões para montar a próxima Bienal?
Martins - Não há dúvida de que o cenário hoje é muito mais complicado. Mas temos confiança de que a sociedade vá abraçar o projeto. Aportamos habilidade e conhecimentos específicos que no conjunto formam uma equipe muito forte. Tenho muita experiência em estratégia e em formação de equipes.

Temos pessoas que vêm de bancos, alguns empresários empreendedores, advogados. Nomes como os de Miguel Chaia, que está muito bem inserido na comunidade artística e intelectual, e de Julio Verlang, que foi diversas vezes presidente da Bienal do Mercosul.

ISTOÉ - O resgate da imagem da Bienal passa por uma reforma da estrutura administrativa. Qual é seu projeto?
Martins - O primeiro ponto que a gente tem de ressaltar é a importância da fundação. No mundo todo há cinco grandes instituições que marcaram a história da arte contemporânea do pós-guerra. A Bienal de São Paulo é uma delas, junto com Veneza, Kassel, o Museu Georges Pompidou e o MoMA. Ela é anterior à criação do Centro Pompidou e da Documenta de Kassel. É realmente um pilar, reconhecida por qualquer instituição do mundo.

ISTOÉ - Seu protagonismo não se diluiu nos últimos dez anos graças à proliferação de bienais e à crise administrativa da própria instituição?
Martins - Nós temos de assumir essa bandeira: reinserir a Bienal de São Paulo como um dos pilares do cenário da arte contemporânea internacional. Podem existir dezenas de bienais, mas o lugar da Bienal de São Paulo é preservado. O mundo inteiro olha o que está se passando aqui, com grande expectativa. Essa é a primeira coisa que deve ser entendida: o espaço existe, é importante e deve ser preservado. As pessoas perdem a dimensão dessa importância porque se atêm a questões de curto prazo, conjunturais.

ISTOÉ - Mas a crise, mesmo que conjuntural, não põe o prestígio em risco?
Martins - Existem duas crises que se sobrepõem. Há uma que parte de um questionamento sobre o papel das bienais, que se dá em escala global: qual a função de uma bienal em um mercado de arte globalizado, em um mundo onde as feiras passam a cumprir o papel de atualização do que está acontecendo na produção contemporânea? Junto a isso, existe a questão: qual o sentido da Bienal de São Paulo? Em 1951 era muito claro: ela era um mecanismo de conexão da arte brasileira com a arte internacional, em que você trazia o que estava acontecendo no mundo e colocava aqui no pavilhão. Além da crise de identidade das bienais, sobrepõe-se agora uma crise financeira, que é circunstancial.

ISTOÉ - Como lidar com ela?
Martins - Não estamos falando de nenhum obstáculo intransponível. O problema de recursos se resolve se houver projetos que sejam de interesse da sociedade. Você depende dos recursos para realizar a Bienal e para sustentar a fundação. E a sociedade vai estar disposta a apoiar na medida em que esteja em sintonia com os projetos. É muito difícil levantar recursos se não há projetos.

Queremos que a 29ª Bienal esteja muito mais próxima do público. Queremos criar uma Bienal que motive as pessoas a ter um contato direto com a arte contemporânea. As pessoas têm de ser instigadas e provocadas.

ISTOÉ - Em geral, todas as diretorias expressam o mesmo desejo. Como promover essa sintonia? Martins - O primeiro horizonte é o reaparelhamento financeiro e administrativo da fundação. Precisamos equalizar a questão financeira e rever o modelo administrativo nos próximos três ou quatro meses. Nosso segundo objetivo é a realização da 29ª Bienal em outubro de 2010. A definição de nosso projeto é que essa vai ser uma Bienal muito mais próxima do público, que trará a produção artística para o centro do debate. Desejamos que a Bienal não seja formada por eventos pontuais. Ela não pode nascer e morrer a cada ciclo de dois anos, precisa ter uma ação continuada. Esse é o terceiro ponto da agenda: evitar esse efeito fênix de mudar tudo a cada dois anos e criar as bases para uma atuação muito mais contínua.

ISTOÉ - Como garantir isso?
Martins - Por mecanismos de funding que transcendam uma gestão. Algumas soluções que estamos explorando com muita intensidade são a criação de um programa educativo continuado e o desenvolvimento de mostras subsequentes, que seriam desdobramentos da Bienal de São Paulo. A representação brasileira no pavilhão de Veneza em 2011, por exemplo, vai ser definida dentro do próprio processo curatorial da 29ª Bienal. Também imaginamos uma série de recortes que possam seguir uma itinerância para museus em outras cidades brasileiras e, quem sabe, para fora do País. Isso seria muito importante para divulgar e reforçar o papel da fundação e da arte brasileira no Exterior e para levar a arte contemporânea às populações que estão fora de São Paulo.
"No mundo há cinco grandes instituições que marcaram a história da arte contemporânea do pós-guerra. A Bienal de São Paulo é uma delas"

ISTOÉ - Discute-se também, mundo afora, a pertinência das megaexposições. Há dezenas de novas bienais que não funcionam como panoramas, mas apenas como mostras temáticas.
Martins - São modelos simplificados. Nós não temos de optar por eles. Temos de ocupar o espaço que a Bienal de São Paulo merece e tem no contexto global. Não devemos subestimar a importância do que você chama de megaexposição. Ela é muito importante porque cumpre exatamente esse papel de traçar um panorama do que é a produção contemporânea naquele momento. Esse é o papel de Veneza, de Kassel e de São Paulo.

ISTOÉ - Já temos um sistema de museus e galerias que promove a circulação maior de obras internacionais. O papel de vitrine não estaria obsoleto?
Martins - Sim, a internet e o mercado editorial promoveram um acesso mundial muito maior ao que está se passando em todo o mundo. Além disso, nossos artistas trabalham fora do Brasil, temos um intercâmbio muito grande. Não existe hoje uma fronteira muito clara entre o que é arte brasileira e arte internacional. Ernesto Neto, por exemplo, é visto como um artista contemporâneo, antes de ser visto como artista brasileiro. Essas fronteiras nacionais foram rompidas e atualmente se discute qual o papel da Bienal nesse novo contexto. Nossa proposta é olhar para a arte contemporânea a partir de uma ótica brasileira, o que é uma inversão da ideia original.

sábado, 27 de junho de 2009

MinC investiga repasse de R$ 32 mi à Bienal


Auditoria do CGU apontou possíveis irregularidades em contratos de 99 a 07

Documento obtido pela Folha aponta falta de licitação, preços acima do mercado e irregularidades na publicação da "Bien'Art"


Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo

Apesar de ter sido festejado como figura que pode melhorar o futuro da Bienal de São Paulo, o novo presidente da instituição, Heitor Martins, ainda precisa se debruçar sobre o passado da instituição.
Uma semana depois de eleito, no último dia 28, Martins recebeu do Ministério da Cultura um pacote com mais de 200 páginas, obtido com exclusividade pela Folha, que questiona 13 convênios realizados com a instituição, entre 1999 e 2007.
Eles representam o repasse de R$ 32 milhões do governo à Bienal. Auditoria realizada pelo CGU (Controladoria-Geral da União) apontou dezenas de possíveis irregularidades, o que levou o Ministério da Cultura a pedir esclarecimentos sobre os 13 contratos, iniciados na gestão do arquiteto Carlos Bratke.
As questões deveriam ser respondidas até ontem, sob pena de a Bienal ser caracterizada como inadimplente e, com isso, não poder ter mais acesso a recursos federais. "Nós pedimos uma prorrogação do prazo e vamos responder a todas as questões apresentadas, esse é o resultado de uma auditoria realizada em 2007", disse Martins, à Folha, anteontem.
Falta de licitação na contratação de empresas e preços praticados acima do mercado são algumas das irregularidades mais comuns apontadas pelo documento.
A publicação da revista "Bien'Art" também foi identificada como irregular na auditoria. O estatuto da Bienal proíbe que seus membros tenham vínculos comerciais com a instituição, mas o então presidente Manoel Francisco Pires da Costa tinha 70% da empresa TPT, que produzia a revista para a Bienal.
Pela irregularidade, o documento sugere que os R$ 2,7 milhões do Ministério da Cultura usados para custear a revista sejam "restituídos ao Erário". "Ainda não há decisão tomada, primeiro nós vamos explicar que houve um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público", diz Martins.
Durante a entrevista, o novo presidente buscou minimizar os possíveis efeitos da auditoria na Fundação Bienal: "Esse processo não vai se encerrar agora, ele deve levar anos, nosso maior esforço é revitalizar e reposicionar a Bienal agora".
Martins comemora ao menos que o Tribunal de Contas do Município aprovou as contas da Bienal do ano passado, o que já garante o repasse de R$ 1,6 milhão da Secretaria Municipal de Cultura. "Esperamos receber esse valor nos próximos dias e, de forma simbólica, queremos até o fim de julho encerrar as dívidas com todos os artistas e produtores da 28ª Bienal", conta o presidente.
Mas, o futuro da instituição também tem ocupado bastante o presidente, especialmente a organização da 29ª Bienal de São Paulo, que deve ocorrer no próximo ano: "Estamos prevendo que a Bienal custe R$ 30 milhões, mas vamos tentar captar R$ 40 milhões". Os R$ 30 milhões são comparáveis à 24ª Bienal, de 1998, que teve Paulo Herkenhoff como curador. "Essa Bienal é o nosso paradigma, queremos ter uma mostra com aquela qualidade."
Um documento apresentado por Martins aponta que a Bienal do Vazio, do ano passado, custou R$ 11 milhões, enquanto a 27ª edição, "Como Viver Junto", R$ 13 milhões.
Já em 2011, Martins prevê que partes da mostra circulem por outras cidades e mesmo outros países: "É importante que a Bienal tenha várias itinerâncias para potencializar seu impacto".
O curador da próxima Bienal deve ser anunciado até o próximo dia 15. "Essa é uma decisão que está em curso e será realizada junto com os diretores Miguel Chaia e Justo Werlang", conta ainda. Na semana passada, Martins reuniu-se com diretores de 20 museus paulistas, para propor uma cooperação durante a Bienal, e na próxima semana encontra-se com os galeristas da cidade.

Anna Bella Geiger pensa origens e rumos do Brasil em seus mapas

Silas Marti da Folha de S.Paulo

É o fio da navalha que está no centro dos mapas que Anna Bella Geiger desenhou. Das nuvens contrastadas que viram gravuras em metal a imagens de satélite do Amazonas, tudo ressurge sampleado em obras que tentam indicar as origens e os caminhos do Brasil.

Anna Bella Geiger imita índio em registro da década de 1970

Suas 60 obras reunidas na Caixa Cultural partem de buracos na terra, da superfície lunar e do metrô nova-iorquino para lastrear um denso alcance político: o anônimo, o lúdico e o trivial a serviço de uma estética cortante, com os pés no chão e a cabeça onde quer estar.

No rastro do boicote à Bienal de 1969, que convulsionou o meio artístico, Geiger, 76, fugiu das discussões políticas que ocuparam a classe e encarou a ditadura com o registro de espirais e outros desenhos que fez na areia. "Havia uma crise no que eu acreditava", lembra. "Perdeu sentido qualquer obra que só pensasse na forma."

Encontrou na fotografia um suporte eficaz para fins de registro. "É uma coisa seca, falar de política sem ser religioso."

Do contato com a terra, veio um interesse antropológico. Pediu então para ser fotografada na mesma pose de índios estampados em cartões postais que encontrava nas bancas de jornal nos anos 70. A filha de judeus alemães, arco-e-flecha em punho, fica ao lado do índio nu. "Se existe um Brasil nativo, existe um Brasil alienígena."

Mais do que alienígena, uma terra erodida. "É uma comoção, não em relação ao índio, mas com o fato de todos estarmos aí com uma cidadania capenga."

Na mesma década, Geiger mastiga esse país em "Pão Nosso de Cada Dia", talvez a obra de maior carga política da mostra. É uma série de fotografias em que a artista morde num pedaço de pão um buraco na forma do mapa do Brasil. "E comendo mais, a América do Sul."

Outro mapa mostra um Brasil metálico e uma nuvem negra. "Esses mapas tentam mostrar o país num tempo de chumbo, pesado", diz Geiger. "A nuvem negra é de chuva."

Nos dias de sol, ela leva o contraste ao grau máximo para compor um mapa celeste em verde e amarelo. São nuvens que lembram massas de terra, continentes disformes de um lugar que poderia ser aqui.

A lua, em imagens enviadas à Terra depois que o primeiro homem pisou lá, entra nessa cartografia imaginária como alusão ao racha entre centro e periferia. A imagem da superfície lunar em gravura de metal virou capa de caderno escolar e --ironia ou não-- entrou subliminar na formação de crianças deste país ainda periférico.

Na mostra, como na história, as obras se dividem entre antes e depois dos anos 70 por uma navalha. Sob imagens de uma lâmina que se aproxima, Geiger escreveu a legenda: "Passagem de um modo de ser a outro".

ANNA BELLA GEIGER
Quando: abertura hoje, às 11h; ter. a dom., das 9h às 21h; até 9/8
Onde: Caixa Cultural (pça. da Sé, 111, tel. 0/xx/11/3321-4400)
Quanto: entrada franca

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Entrevista: Jorge Macchi


Convivências

No mês de março, o argentino Jorge Macchi aceitou o desafio de trabalhar com a técnica que não utilizava desde seus dias de estudante de artes: veio à Porto Alegre para participar do Programa Artista Convidado do Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo. Com o auxílio do coordenador do espaço, Eduardo Haesbaert, Macchi trabalhou durante uma semana para desenvolver a obra Monstruo, criada a partir de uma página de jornal.

Depois de encher o auditório da Fundação de interessados em saber mais sobre sua trajetória, em conversa aberta ao público, Macchi falou à equipe do site sobre seu processo criativo e os desdobramentos de sua participação na 6ª Bienal do Mercosul.

Em novembro de 2006, você deu uma entrevista para o site da Fundação Iberê Camargo, antecedendo sua exposição monográfica na 6ª Bienal do Mercosul. Desde lá, o que mudou no seu trabalho?
A exposição que fiz aqui em Porto Alegre e as mostras posteriores a ela – no Blanton Museum e na Galícia – foram a primeira oportunidade que tive de ver juntos, em um mesmo lugar, 20 anos de trabalho. Esta é, realmente, uma experiência muito forte. Ver todas as obras juntas me fez pensar em muitos aspectos do trabalho, me fez sentir que deveria deixar de fazer algumas coisas e deu início a um processo de muita reflexão sobre o que estava fazendo. Eu vinha trabalhando em um ritmo muito forte e, a partir deste momento, comecei a trabalhar de maneira mais lenta, tratando de não me apressar a tomar decisões.

E que caminhos surgiram a partir deste período de reflexão?
É difícil dizer agora, passou-se muito pouco tempo, é tudo ainda muito recente. Mas, digamos, a conseqüência desta mostra foi que decidi não fazer coisas “porque sim”, ou seja, resolvi que iria fazer só o que realmente tivesse sentido para mim. Depois de uma exposição tão forte como esta, me pareceu bom parar para refletir. Agora, as conseqüências ainda não sei. Quem sabe deixo de fazer isto. Não, não, brincadeira.

Na conversa com o público, no auditório da Fundação, você afirmou que desenhar é como fazer uma ginástica cotidiana, que mantém a imaginação em movimento. No entanto, você também tem trabalhado muito com instalações, sobretudo nos últimos anos. Qual é a relação entre desenhar e depois “materializar” as imagens?
O desenho é a primeira atividade que faço quando chego em casa. Pego uma folha e começo a desenhar. Para mim, isto é como “baixar” as imagens a um objeto concreto, o papel – e esta é, e sempre foi, minha primeira aproximação. No entanto, este desenho pode ser simplesmente um desenho e permanecer neste formato, ou pode dar origem a outras coisas. Mas estas outras coisas, como instalações ou vídeos, talvez não tenham em seu formato uma referência direta à imagem desenhada – podem só seguir um “clima” similar. Por isso, digo que não é o desenho que evolui até se tornar uma instalação, mas que há algo no mecanismo de criar esta imagem, ou no mecanismo de imaginar, que tem a ver com a posterior evolução até outras linguagens.

Suas instalações são, normalmente, grandiosas ou têm um certo grau de complexidade, enquanto seus desenhos, de pequena escala, e seus trabalhos com jornais, por exemplo, lidam com a simplicidade e a delicadeza. Qual é a sua medida? Como você decide por fazer um ou outro?
Há uma diferença muito grande entre os trabalhos em que eu intervenho pessoalmente – que são os obsessivos e minuciosos, de cortar papéis – e os trabalhos nos quais eu não intervenho, como, por exemplo, uma instalação de vídeos, em que há um editor para quem digo “quero isto, isto e isto” e ele o faz. Esta diferença creio que tem a ver com a minha relação com o objeto. Se estou trabalhando por horas e horas em um objeto, crio uma maior relação com ele. Por isso, talvez, os trabalhos nos quais não há tanta intervenção minha podem parecer mais frios. Ou seja, há uma diferença grande de produção, mas não sei se há outras diferenças.

O que acontece é que há obras ou imagens que pedem este trabalho manual; há outras que não o pedem. Em geral, não tenho planos de trabalho. Então, quando aparece uma imagem na qual sinto que tenho que trabalhar muito intensamente, com as minhas mãos, faço isto. E se aparece outra imagem em que dependo de outra pessoa, vou atrás e faço também. Ou seja, não tenho um plano. Não é que determinado tipo de trabalho corresponde a uma determinada época, nem nada assim. São duas atividades que convivem – como convivem também com os desenhos. Eles são manuais e feitos por mim, mas são imediatos, o que gera outra atitude: fazer um desenho a uma velocidade muito rápida é bem diferente de recortar papéis durante horas e horas, como também é distinto de encarregar um trabalho a alguém. Só que, ao mesmo tempo, estas são três coisas que convivem em mim, e eu trato de não deixar de lado nenhuma delas.

Você trabalha muito com mapas, e também já viajou a muitos lugares fazendo residências, levando exposições. Que cartografia você faria de sua própria trajetória?
Houve uma época em que eu estava obcecado por viajar. Vivia em Buenos Aires, mas tinha a certeza de que meu lugar não estava lá. Não sabia onde estava, mas sabia que era em outra parte. Então, comecei a fazer o possível para viajar: consegui bolsas, fiz uma residência em Paris, viajei com exposições e depois vieram as residências na Holanda, na Inglaterra e na Alemanha. Quando terminou este período, que foi muito intenso, decidi voltar a Buenos Aires e tomar a cidade como uma base para, a partir de lá, sair – mas sempre com a intenção de voltar. Isto porque, se penso na cidade, penso que é o lugar onde estão meus afetos, minha família, meus amigos. E o que me dei conta, naquele momento, foi que escolher um lugar para viver é como escolher um marido ou esposa: não aparece maravilhosamente do nada, para ficar junto durante anos, com tudo fantástico. É preciso fazer algo para que o casal sobreviva. E assim me dei conta de que devia fazer algo para que Buenos Aires fosse um lugar agradável para eu viver. Quando compreendi isso, passei a me sentir muito bem lá. Claro que a cidade é, como disse antes, uma base para que eu possa viajar para todos os lados – e agora talvez viaje até mais do que antes –, mas tenho a certeza de que tenho um lugar para voltar. Isto é muito tranqüilizador. Então, a minha cartografia seria algo assim: no centro está Buenos Aires, e até mais ou menos o ano de 1998, eu estava indo para todos os lados, tratando de buscar algo. Agora, de Buenos Aires saem caminhos de ida-e-volta.

Como foi trabalhar no Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo depois ter ficado muitos anos sem contato com a técnica?
Na realidade, eu nunca fiz gravuras. Aprendi a técnica na escola, mas isto não quer dizer que já a tenha usado para alguma coisa. No entanto, a gravura até poderia conviver com os trabalhos que faço, o que acontece é que não conheço bem a técnica, e por isso não me ocorrem coisas que poderiam ser feitas com ela. Então, tomo esta residência aqui na Fundação mais do que como um convite para produzir uma obra: vim para aprender.

E como surgiu a proposta de trabalhar com o jornal também nesta gravura?
A imagem da gravura é, de certa forma, uma evolução do que se viu na exposição de dois anos atrás. Ela é o resultado de uma subtração: a página de um jornal da qual foi tirado o elemento textual. O que fica é uma estrutura abstrata, mas não pura, porque aparecem elementos visuais que fazem com que se possa relacionar a imagem com o material original, o jornal. Isto é algo que sempre me interessou: a estrutura geométrica e simples, mas que tem, por trás da simplicidade, uma carga deixada pelo material – ainda que, no momento de fazer um trabalho como este, o material propriamente dito se perca. Aliás, este é um problema conceitual que tenho com a gravura, porque nela se passa do uso de um material à representação deste material. Mas, de qualquer forma, acredito que o que conta mais é o diálogo entre a estrutura abstrata e de onde se entende que o material saiu.

Santa Maria recebe artista em programa de residência da 7ª Bienal do Mercosul


O Projeto Pedagógico da 7ª Bienal do Mercosul dá início às atividades desta edição com o programa de residências “Artistas em Disponibilidade”, que vai levar 12 projetos de 14 artistas a diversas regiões do Rio Grande do Sul para trabalharem seus métodos de arte-educação com as comunidades locais.
A partir desta quinta-feira, 25 de junho até o dia 29, segunda-feira, a artista argentina Claudia Del Río vai estar em Santa Maria para visitar escolas, universidades, conhecer professores e outros grupos que possam contribuir para a aplicação de seu projeto na cidade. Após este período de pesquisa e aproximação com a comunidade, a artista vai retornar à cidade no início de setembro para o período de residência, que terá duração de, aproximadamente, 25 dias.
A artista vem propor à comunidade de Santa Maria seu projeto Club Del Dibujo (Clube do Desenho), com o intuito de despertar o interesse e iniciar pessoas na prática do desenho e do clubismo. O projeto configura-se como um espaço dedicado ao estudo, cuidado e promoção do desenho, que reúne artistas profissionais e amadores, além do público em geral. http://clubdeldibujo.wordpress.com/club-del-dibujo/

Claudia Del Río
Claudia del Río nasceu em Rosário, na Argentina. Estudou teatro, pintura e licenciou-se em Artes Visuais na Escuela de Bellas Artes de la U.N.R., onde é professora desde 1982. Nos anos 80 trabalhou em circuitos chamados alternativos, em mail-art, performances e edições. Entre 1994 e 1995 foi selecionada para o programa Clinica de Obra, organizado pela Fundação Proa, Buenos Aires. Em 2000, foi convidada pelo Proyecto Trama (Rede de Iniciativas Artísticas) para coordenar uma experiência com bolsistas em Rosário. Desde 2001 participa como artista convidada do programa de Encontros Regionais de Produção e Análise para Artistas Visuais, organizado pela Fundación Antorchas. É co-fundadora do Club Del Dibujo. Em junho de 2004 participou como artista residente em Artekelu (San Sebastián, Espanha). Vive e trabalha na cidade de Rosário.

Sobre o Club Del Dibujo
O Club Del Dibujo foi criado em 2002 por artistas comprometidos em difundir a prática do desenho para funcionar como uma plataforma de comunicação entre desenhistas e apoiar investigações históricas e sociológicas que tenham o desenho como centro. Está configurado em formato de clube porque os clubes são formas genuínas de associação, cooperação e amizade. O Club Del Dibujo propõe a ideia do desenho como ferramenta de pensamento, prazer, comunicação, memória e auto-conhecimento. O projeto compreende eventos, coleção e treinamento. Entre os eventos, o Club Del Dibujo promove encontros entre artistas e amadores para desenharem juntos, em intercâmbio aberto. Além disso, o clube promove exposições analógicas e digitais do acervo da coleção. Um dos momentos-chave é o intercâmbio de desenhos entre os desenhistas. A coleção do Club Del Dibujo está formada por cerca de 800 peças de 300 autores, todas doadas ou intercambiadas. Os programas de treinamento são dirigidos a comunidades específicas, concebidos segundo as características da população a quem estão dirigidos. Os treinamentos podem ser realizados em clubes sociais e desportivos, escolas, empresas museus, casas de família e outras instituições.

Porto Alegre recebe artista em programa de residência da 7ª Bienal do Mercosul


fonte: Bienal do Mercosul

O Projeto Pedagógico da 7ª Bienal do Mercosul dá início às atividades desta edição com o programa de residências “Artistas em Disponibilidade”, que vai levar 12 projetos de 14 artistas a diversas regiões do Rio Grande do Sul para trabalharem suas metodologias com as comunidades locais.

A partir desta quinta-feira, 25 de junho até o dia 30, terça-feira, a artista argentina Diana Aisenberg vai estar em Porto Alegre para visitar escolas, conhecer professores e outros grupos que possam contribuir para a aplicação de seu projeto na cidade. Após este período de pesquisa e aproximação com a comunidade, a artista vai retornar à cidade no final do mês de setembro para o período de residência, que terá duração de, aproximadamente, 25 dias.

A artista quer aplicar em escolas de Porto Alegre uma versão de seu projeto Histórias da Arte, dicionário de certezas e intuições. Para tanto, está propondo criar um dicionário para crianças, com imagens, palavras, textos, desenhos e pinturas. O dicionário de definições coletivas será produzido em colaboração com os alunos, através de oficinas em sala de aula e o envio por email de definições para palavras propostas por Diana. As respostas são editadas, dando voz e visibilidade a um grupo social dinâmico e aberto de participantes-autores. Para a artista, o projeto é “um convite massivo à escrita, como uma união entre a realidade e a inteligência. O Dicionário se torna sensor e receptor do que ‘está no ar’ – verdades, intuições e superstições, daquilo que entendemos como história da arte, numa linha que vai do pessoal ao público”, explica Diana.

“Historias del Arte. Diccionario de Certezas e Intuiciones” é um projeto de construção coletiva premiado pelo Proyecto Trama (Rede de Iniciativas Artísticas), de Buenos Aires, para a pesquisa da prática artística e sua projeção social. Foi editado em formato de livro pela editora Adriana Hidalgo. A versão em vídeo, intitulada, mi amigo José, recebeu o primeiro premio no VII Festival Internacional de Cine por los Derechos Humanos, na Categoria Curta-metragem documentário, em Buenos Aires. O vídeo também foi exibido no Simpósio Internacional URBANNERUNGSKUKTUREN, Berlin/Buenos Aires e no 21º Festival Internacional de Cine de Mar del Plata. Para mais informações sobre o projeto, acesse http://historiasdelartedicc.blogspot.com/

Diana Aisenberg
Vive e trabalha em Buenos Aires/Argentina. Sua obra nasce no desenho e na pintura e se expande para os projetos pedagógicos e seu dicionário de arte. Dedica-se à formação de artistas desde 1982. Ganhou destaque na Associação de Críticos Argentinos por sua atuação docente no ano de 2000 e recebeu o prêmio “J.A Martínez” em 2003 pela mesma associação. Foi coordenadora de artes visuais, cursos e eventos especiais do Centro Cultural Ricardo Rojas da UBA – Universidade de Buenos Aires. Coordenou a rede nacional de cursos de artes plásticas e clínicas de artistas para análise de obra (leituras de portfólio) na Argentina. Foi professora de Morfologia da Facultad de Diseño Gráfico da UBA e Fundación Antorchas, entre outros. Foi curadora do espaço jovem ArteBA em 2006. Desde 2006, organiza a Residência de Artistas RIAA. Entre as mostras individuais mais importantes estão: Escuela/Salta, MAC Salta, 2009; Escuela, CCR, sala cronopios, 2008; Arquitectura del Cielo, Galeria Daniel Abate, 2006; Maestro, Fundacion Arteviva, Project room, feira arteBA. 2005; CCBorges, proyecto sala2, Combo, 2003; arteBA, project room, buen gusto. 2002; Sobremesa, Espacio VOX, Bahía Blanca, 2001; Capricho Solar, Teatro Auditórium, Mar del Plata, 2000; Jardín, La Casona de los Olivera,1999; Centro Villa Victoria Ocampo, Mar del Plata, 1998; La Pequeña Galería, Asunción, Paraguay, 1994; C.C.R. Rojas, Universidad de Buenos Aires, 1992. Entre as mostras coletivas que participou, destacam-se: Alianza Francesa, Buenos Aires, Vé, Vete Y Vuelve, 2008; Centro Cultural España Cordoba, 150 mts Poéticos, 2007 e Boquitas Pintadas, Shangrilla, 2007. www.daisenberg.spaces.live.com

Programa de Residências – Artistas em Disponibilidade
O Projeto Pedagógico da 7ª Bienal do Mercosul convidou 14 artistas que vão aplicar suas próprias metodologias educativas em comunidades de diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul. O objetivo final é inserir esses projetos artísticos dentro do sistema educativo e incentivar a interdisciplinaridade como lugar de encontro entre práticas artísticas e não-artísticas, entre a arte e o real.

De agosto a outubro, serão realizadas três residências em Porto Alegre e na Grande Porto Alegre. As outras residências serão realizadas no mesmo período, nas seguintes cidades do Rio Grande do Sul: São Leopoldo, Montenegro, Pelotas, Caxias do Sul, Santa Maria, Santana do Livramento, Santa Vitoria do Palmar e cidades do litoral norte como Maquiné, Osório e Torres.

Participam das residências quatro artistas brasileiros (João Mode - Projeto REDE; Júlio Lira - Percursos Urbanos e mediação de saberes; Ricardo Basbaum – NPB, Novas Bases para a Personalidade; Maria Helena Bernardes e Andre Severo - Arte da conversação); quatro artistas da Argentina (Diana Aisenberg - História(s) da arte - Dicionário de Certezas e Intuições / Historia(s) del art Diccionario de Certezas e Intuiciones;, Claudia del Río – Clube do desenho/Club del dibujo; Diego Melero – Aulas de Ginástica e Filosofia política/Clases de Gimnasia e Filosofía política; Rosario Bléfari – A realidade em partituras, laboratório de escritura e canções/La realidad en partituras, laboratorio de escritura y canciones), um artista da Colômbia (Nicolás Paris - Laboratório de desenho/Laboratorio de dibujo), um curador do Chile (Gonzalo Pedraza – Coleção Vicinal/Colección Vecinal); um coletivo de artistas do Uruguai (Francisco Tomsich y Martín Verges – Transposição de um estudo para um retrato comum / Traspuesto de un Estudio para un Retrato Común) e um artista francês (Nicolás Floc`h - A grande troca, projeto para desejos coletivos).

João Loureiro instala baleia na Pinacoteca

Silas Marti da Folha de S. Paulo

Depois dos animais de espuma que fez para a Vermelho, artista cria bicho em escala real para expor no octógono

Baleia coberta de jeans azul mede 18 metros; individual de Loureiro com rato, raposa, rinoceronte e elefante de espuma continua em cartaz

"Blue Jeans", baleia de isopor revestida de jans azul do artista João Loureiro, na Pinacoteca

A baleia de João Loureiro veste jeans azul. Em escala real, é uma tonelada de isopor no formato do bicho, com 18 metros de ponta a ponta, revestida com 220 metros do tecido mais popular da moda. Está encalhada agora no octógono da Pinacoteca do Estado, com o rabo espichando para outra sala. "É mais o jeans do que a baleia, mas a baleia não é um veículo neutro", diz Loureiro, 36. "Há uma proximidade com a espetacularização da arte contemporânea, uma monumentalidade introjetada na obra."
Ele conta que teve a ideia para o trabalho quando viu uma bobina gigante de jeans numa fábrica de tecido e se impressionou com aquilo fora de escala. Daí escolheu a baleia como forma para mostrar a potência do jeans na cultura popular. De quebra, serviu para aproximar a arte contemporânea a algo massificado, de consumo fácil. Também parece fácil a proposta da obra, quase uma receita de bolo instantâneo para esse tipo de arte fast food que Loureiro tenta questionar.
Na individual que montou na galeria Vermelho, em cartaz até semana que vem, ele expõe cinco bichos de espuma cinza: raposa, burro, rato, rinoceronte e elefante, numa espécie de esboço para a baleia atual. Tanto ali quanto na Pinacoteca, Loureiro quer "problematizar o contexto". "É muito mais a relação tortuosa que eu acabei estabelecendo com a instituição", diz. "A baleia ocupa duas salas, explode a simetria que existia nesse espaço, espirra para outro lado."

Espécime embalsamado

Mas a força dessa baleia, e do elefante, rinoceronte e companhia, existe só em segunda leitura. Não está nesse desafio ao espaço, e sim no ponto em que se sustenta e se legitima a partir dele. Num contexto de museu, a baleia encalhada, quase como espécime embalsamado de um museu de história natural, ganha ares de peça rara, que merece certa reverência e a iluminação dramática da galeria. "Pensei em como fazer uma forma viva aparecer com essa secura", diz Loureiro.
Noutra tentativa de questionar o espaço expositivo, Loureiro já fotografou pessoas fantasiadas de fantasmas no setor administrativo do Centro Cultural São Paulo e acabou tendo a obra retirada por causa de reclamações de funcionários. Sua fauna atual mostra certa evolução em relação àquela primeira tentativa de contestação, mas fica a impressão que o tamanho dos bichos esconde um tanto a falta do que dizer. Talvez mais do que uma baleia de blue jeans, Loureiro pode ter criado aqui um elefante branco.

JOÃO LOUREIRO

Quando: ter. a dom., das 10h às 18h
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 3324-1000)
Quanto: R$ 4; grátis hoje

Arte sem limites

Camila Molina do Estadão

A artista Lenora de Barros anda agora com nova "mania": pelos lugares em que passa, pega seu celular, ou um gravador, e começa a captar qualquer tipo de som. Em visita há pouco à atual Bienal de Veneza, quando tirou seu celular da bolsa para gravar os ruídos da exposição de Bruce Nauman, a monitora da sala quis lhe chamar a atenção, pensando que Lenora tiraria uma foto, sem permissão, da obra do americano. Mas a brasileira explicou que queria apenas captar o som do local e a segurança ficou, na verdade, sem jeito - deu um nó em sua cabeça: era proibido ou não fazer aquilo? Resolveu deixar.

Lenora ri e acha curiosa essa passagem que faz parte de sua missão de "desvendar o verbivocu", como ela diz, brincando com a expressão dos concretistas, "verbivocuvisual" - poesia (concreta) e visualidade sempre foram temas chaves da criação da artista, filha de Geraldo de Barros - ou, falando de uma maneira mais simples, de sua pesquisa sobre sonoridades. É que desde o ano passado Lenora virou "radialista": está desenvolvendo o projeto da Radiovisual, uma das atrações da 7ª Bienal do Mercosul, a ser inaugurada para o público em outubro em Porto Alegre (ler ao lado). "Depois da fotografia e do vídeo confesso que ainda não sei traduzir como é a sensação de ter a memória de um lugar pelo som e não pela imagem", diz Lenora.

Como criar uma programação de rádio para um evento de arte? A ideia, na verdade, partiu do escultor Artur Lescher, um dos curadores da Bienal do Mercosul. "O espaço sonoro magnético atravessa a cidade. Fiquei com essa imagem na cabeça como uma possível metáfora para a seção que vai tratar dos espaços públicos", afirma Lescher. "Rádio é mídia econômica, inclusiva, com capacidade grande de absorver conteúdos, mais do que uma exposição com paredes", diz o escultor.

No ano passado, ele convidou Lenora para fazer a curadoria da Radiovisual e executá-la. O projeto está em seus últimos acertos. Seu conceito envolve a transmissão de um programa "informativo e experimental", diário e com uma hora de duração, provavelmente, no dial "físico" da rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul quanto na esfera virtual, pela internet, para ser compartilhada para além das fronteiras. A Radiovisual tem até slogan: "A rádio que excita a frequência." A mídia estimula a imaginação.

Não é de hoje que artistas trabalham no campo da sonoridade, muitos até mesmo fazendo obras para o rádio. No Brasil, recentemente, pode-se citar o Oidaradio, com curadoria de Nick Graham-Smith e Kiki Mazzucchelli e apresentado no ano passado no Paço das Artes, ou mesmo Dora Longo Bahia, que tinha como parte de sua obra para a 28ª Bienal de São Paulo, em 2008, a realização do programa Rádio Macaco, infelizmente não concretizado. Entre os estrangeiros, Lenora faz menção ao americano Gregory Whitehead, que desde a década de 1980 cria para rádio. Mas o artista fundamental para o conceito da Radiovisual da Bienal do Mercosul é o compositor experimental americano John Cage e sua famosa peça 4?33 , de 1952: a composição é feita de nenhuma nota, mas da proposta de que o músico fique parado durante esse período. "Ele é o nosso mentor conceitual", diz Lenora.

A Radiovisual, que também conta com a participação do jornalista Fabrizio Rosa, vai ter uma seção em homenagem a Cage, Ao Redor de 4?33, com peças sonoras criadas por artistas, poetas, escritores, músicos e até cientistas convidados. Essas obras também serão "exibidas" por meio de headphones numa arquibancada nos armazéns do Cais do Porto, às margens do Rio Guaiba.

A ideia é a de que a rádio tenha uma sede com lounge e veicule obras sonoras históricas de Cildo Meireles e Antonio Dias, por exemplo. Depois, para ficar o registro dessa ação, a Radiovisual também vai figurar no catálogo da Bienal do Mercosul. Como? Gravada em CD.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Débito Quitado

Exposição de Hélio Oiticica será reaberta depois de pagamento de R$ 267 mil pela Prefeitura

por Suzana Velasco do O Globo

Dois meses depois de ser interrompida pelos curadores, a exposição "Hélio Oiticica: Penetráveis" será reaberta para o público na próxima terça-feira, dia 23, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. A mostra havia sido suspensa no dia 15 de abril, porque a Secretaria municipal de Cultura estava devendo ao Projeto Hélio Oiticica R$ 267 mil referentes aos custos da exposição, que já foram pagos. Prevista para terminar este mês, a mostra deve ficar aberta até o fim de agosto, para compensar o tempo de interrupção.
Leia mais: Herdeiros de Hélio Oiticica querem tirar nome do artista do centro de arte por causa de briga com prefeitura

Na época da suspensão da exposição, o projeto ainda retirou as obras do artista da reserva técnica do local e ameaçou pedir na Justiça a retirada do nome de Hélio Oiticica do centro de arte. Mas Cesar Oiticica Filho, um dos curadores da exposição e do Projeto Hélio Oiticica, disse que não há uma decisão de se desvincular do espaço:

- A gente não está discutindo isso no momento. Nossa intenção não é deixar o centro, mas, se não houver como trabalhar lá dentro, não sei se faz sentido ficar só emprestando o nome. Estamos conversando novamente com a secretaria, espero que as coisas melhorem.

Segundo o curador, os trabalhos que ainda eram guardadas no Centro Hélio Oiticica não voltarão ao espaço porque ele não reúne as condições necessárias para o armazenamento de obras de arte. Elas são guardadas na reserva técnica criada pelo projeto.

- O centro não tem desumidificação, tem um banheiro dentro da reserva técnica, o que vai contra todos os padrões museológicos. Sabemos que a prefeitura não tem condições nem verbas neste momento, mas não é um problema para a gente cuidar do acervo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Fotógrafa Sofia Borges fabrica o real em imagens


Silas Marti e Mario Gioia da Folha de S. Paulo


Uma paisagem noturna, onde parecem espreitar Laura Palmer, Leland e Bob, em algum ponto longínquo de "Twin Peaks". Mas a fotografia, na verdade, foi feita em Ibiúna, interior de São Paulo, pela jovem artista Sofia Borges, 25, e está no centro de sua primeira individual numa galeria, a Virgilio.

O cinema é forte influência na obra da artista, em especial a atmosfera estranha dos filmes de David Lynch, estilo que vem arrancando elogios à sua obra de uma série de críticos e curadores, além de garantir sua participação em coletivas importantes no circuito.

Depois de expor no "Rumos Artes Visuais" deste ano, tradicional seleção de jovens artistas, e de mostras em museus no ano passado, Sofia se prepara agora para mostrar suas obras em Recife, São Paulo e Rio. "Lynch é o cineasta que mais tenho visto, de forma alucinada", diz Sofia. "A exposição foi contaminada pela obra dele."

Foto feita em Ibiúna (SP) por Sofia Borges; artista aponta influência do cineasta David Lynch em seu trabalho

Mais do que a atmosfera soturno-absurda de Lynch, são tramas que se esfacelam no tempo. Sofia retrata a mesma paisagem em momentos distintos, chegando a juntar 20 vistas do mesmo espaço num único fotograma. O resultado é um frame saturado de não acontecimentos: em vez do instante decisivo, o hiato perdido entre a causa e a consequência.

"Eu fragmento a fotografia, pego vários tempos de exposição, de várias temperaturas de cor e vou montando uma realidade", resume Sofia, numa operação que aproxima sua obra fotográfica à pintura. Ela cita o barroco Nicolas Poussin (1594-1665) como uma de suas principais influências, deixando explícita a manipulação de elementos de luz e composição nas suas fotos digitais.

É isso que "seduz e intriga o olhar", nas palavras de João Bandeira, 47, curador do Centro Universitário Maria Antonia, onde Sofia expôs no ano passado. "Lembra um pouco a pintura flamenga, holandesa, mas é estranho porque ela mexe na luminosidade e isso concentra ali pontos diferentes."

O crítico Paulo Sergio Duarte, 62, vê nas fotos de Sofia um "lado pictórico que não tem nada a ver com pincel e tintas", ou seja, uma pintura que já não depende de seu suporte clássico, migrou para outras linguagens.

Da pintura à foto digital

Sofia é da geração que vem desafiando a pintura a partir dela mesma. Da mesma forma que Poussin, Vermeer e Cézanne pinçavam na realidade pontos díspares e fixavam todos no mesmo plano, a foto digital se presta à fabricação do real.

"Queria imagens escorregadias, afrouxadas, destituir a minha foto de uma relação imediata e colada com o real", resume. "Há uma falta de precisão nessas imagens, estão à beira do precipício. São quase espetaculares demais, fantasiosas demais, absurdas demais." Quase, mas não chegam a tanto. Sofia tem os pés no chão.

Confessa que fica na antessala do absurdo para causar um estranhamento limítrofe, ponto morto entre a abstração total e o retrato banal do cotidiano. "São pequenos romances, narrativas", diz o crítico Tadeu Chiarelli, 52. "O trabalho dela me pega com muita força."

Na primeira série de fotos que fez, Sofia aparece numa cozinha, sentada na cama, descascando maçãs. O prosaico se distorcia num limbo cronológico e luminoso. Mas o fato de serem autorretratos acabava dando peso à personagem e ofuscando a ideia de anonimato.

Em sua nova série, Sofia registra paisagens estranhas, com figuras enigmáticas e que pouco se revelam. "Associavam muito os autorretratos à questão da mulher, questões políticas, o intimismo, mas não era isso, só passava por isso", diz. "Mas vi que não precisava mais passar por mim, fui pensando que o sujeito pode se relacionar de outra forma com o espaço, que ambos se contaminam."

SOFIA BORGES
Quando: de seg. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 17h; até 15/7
Onde: galeria Virgilio (r. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426, tel. 3062-9446)
Quanto: entrada franca

Semana de Artes Digitais de BH recebe inscrições para workshop

Folha de S. Paulo

As inscrições para workshops da Semana Internacional de Artes Digitais e Alternativas - Siana 2009 estão abertas até o dia 27 de junho.

O evento acontece de 1º a 3 de julho, em Belo Horizonte, e as atividades reunirão designers, artistas, programadores visuais, ilustradores, engenheiros e professores, da França e do Brasil.

Com trabalhos práticos, as oficinas vão tratar de temas como a utilização do código informático na criação artística, as novas tecnologias como meio de expressão, conceitos que fundamentam as arquiteturas interativas, a rede internet como um espaço artístico de experimentação e criação, e novas interfaces.
Imagem da exposição Tempo, que é de divulgação da Siana 2009

As atividades serão realizadas na Sala Multiespaço Oi Futuro e no Conservatório da Universidade Federal de Minas Gerais. E para participar, os interessados devem preencher ficha de inscrição disponível no site. O candidato deverá enviar também currículo e breve carta de intenção. Haverá uma seleção e o resultado será informado no dia 30 de junho. As inscrições são gratuitas.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

CARTA RESPOSTA: Paraisópolis


Carta resposta dos moradores da favela Paraisópolis a matéria da Folha - "Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados"(veja postagem anterior)

Folha de S. Paulo

"Integro um movimento que congrega cerca de cem entidades e, com a comunidade, estamos contribuindo com a campanha Paraisópolis Exige Respeito.
Quando soubemos da visita do grupo de curadores da Bienal de Roterdã à comunidade de Paraisópolis ("Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados", Cotidiano, 9/ 6), decidimos mostrar o outro lado da urbanização (morte em abrigo da prefeitura, despejos de forma violenta com aparato policial, tratores destruindo casa quando a proprietária busca os filhos na creche).
Organizamo-nos com camisetas da campanha e faixas mostrando nossa indignação. Encontramos o grupo de curadores em uma viela e paramos em frente aos carros, solicitando que fôssemos escutados.
Aguardou-se pacificamente que um representante viesse dialogar com o grupo.
Vieram conversar com os manifestantes o arquiteto venezuelano e os repórteres presentes -inclusive o repórter da Folha, que entrevistou vários moradores. Os manifestantes exigiam moradia e respeito e conseguiram marcar uma reunião com a senhora Elizabeth França.
E foi com espanto que lemos a reportagem da Folha, que transformou uma manifestação pacífica de moradores em ato de vandalismo.
Não é verdade que a "favela recebeu o diretor da Bienal holandesa a pedradas". A comunidade recebeu-o com uma manifestação, e a foto do texto comprova o ato pacífico. O grupo não hostilizou os estrangeiros. O objetivo era um diálogo, que ocorreu sem problemas -e só pôde ocorrer por causa da manifestação.
Gostaríamos de saber por que o repórter não escreveu o que ouviu da comunidade? O que motivou o repórter a só apresentar um ponto de vista? A Folha deixou de ter responsabilidade com a comunidade?
Não busca se diferenciar dos jornais sensacionalistas? Por que o repórter fez questão de ressaltar o lado agressivo (que não ocorreu por parte dos manifestantes) em detrimento da verdade?"
MARISA FEFFERMANN , campanha Paraisópolis Exige Respeito (São Paulo, SP)

Resposta do jornalista Vinicius Galvão - A reportagem presenciou o momento em que as pedras foram atiradas por homens em vigília sobre a laje das casas. O texto não afirma que os moradores liderados e trazidos pela missivista atiraram pedras, embora seu grupo tenha impedido por meia hora os arquitetos estrangeiros e os coordenadores da Secretaria de Habitação de sair de um beco. A reclamante não viu as pedradas porque não estava no local quando ocorreram.

Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados


Em Paraisópolis, o grupo foi apedrejado por vigilantes do local e parado por ato contrário a projeto de reurbanização

Estrangeiros se assustam, mas acertam para amanhã reunião com a prefeitura e com os moradores para o esclarecimento do projeto

Vinícius Q. Galvão da Folha de S. Paulo

Com uma câmera na mão, o diretor da Bienal de Arquitetura de Roterdã (Holanda), George Brugmans, não tinha ideia na cabeça do que esperava por ele e pelo grupo de curadores na visita à favela de Paraisópolis, cujo projeto de reurbanização será exibido na mostra.
Numa incursão pelos becos de terra batida e esgoto a céu aberto, homens que faziam vigília nas lajes atiraram pedras, gritaram para que os estrangeiros saíssem dali e disseram que eles não podiam tirar foto. A favela, na divisa das zonas sul e oeste, já foi alvo de ações da polícia em razão do tráfico.
O grupo foi retirado às pressas por assessores da prefeitura, que falavam nervosos ao celular e pediam a presença da polícia, que não apareceu.
"Não importa. Trabalho com revolucionários na Venezuela que puxam a pistola. Já sequestraram um colega de trabalho", disse o arquiteto americano Alfredo Brillembourg, do laboratório de favelas da Universidade Columbia (Nova York).
Ladeira de barro acima, onde o comboio que levava os estrangeiros estava parado, um grupo de cerca de 50 moradores vestidos de preto fechou a saída dos carros. Eles protestavam contra o projeto de reurbanização levado pelos curadores para a bienal na Holanda -a proposta já removeu mil famílias para a construção de um CEU, de uma Fatec e de 1.900 apartamentos.
Dos 60 mil moradores de Paraisópolis, uns 12% serão removidos de onde estão, diz a prefeitura. Eles recebem ajuda de custo de R$ 300 para aluguel durante a construção dos novos prédios onde irão viver.
Os estrangeiros ficaram assustados com o bloqueio. Sem falar português, o americano Brillembourg disse que desceria para conversar com os manifestantes, mas foi impedido por colegas. "Não tem de ter medo, são gente como nós, estão querendo proteger a comunidade", dizia na van.
Àquela altura, os moradores pareciam ser mais e estar mais nervosos. Brillembourg insistiu, abriu a porta -a descontento dos outros- e desceu.
Em espanhol, disse: "Estamos entre amigos. Essa favela é maravilhosa, já vim várias vezes. Em Caracas é pior".
Os moradores puxavam o coro: "Queremos moradia!". "O que você faz aqui é uma lavagem psicológica, vá falar com a prefeitura", disse o subcurador Rainer Hehl a uma das líderes.
Alguns moradores se queixam de que, onde havia barracos, a prefeitura plantou grama. Outros dizem que os alojamentos não têm segurança -uma mulher morreu num incêndio, que a prefeitura diz ter sido iniciado pela própria vítima.
No final, uma reunião ficou acertada para amanhã com o grupo estrangeiro e a prefeitura para esclarecimentos do projeto. Algum tempo depois, ainda nos becos de Paraisópolis, Brugmans, o diretor da bienal, já tranquilo, tomava uma cerveja com os colegas e dizia: "Não entendi nada daquilo".

Artigo: LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Folha de S. Paulo

Bienal de São Paulo e de Veneza


Por que a Bienal de SP vem perdendo relevância artística enquanto a de Veneza continua a alcançar sucesso?


DIANTE DE crise que dura anos, há cerca de duas semanas o Conselho Curador da Bienal de São Paulo escolheu um jovem e dinâmico consultor e colecionador para a presidência da instituição. Logo em seguida, na Itália, a Bienal de Veneza deste ano foi inaugurada com festas que celebram seu êxito.
Por que essa diferença de destinos? Por que a Bienal de São Paulo, que não deixei de visitar desde quando foi inaugurada, em 1951, até 2006, ano a ano vem perdendo relevância artística e apoio social, enquanto a Bienal de Veneza continua a alcançar sucesso e respeito? Por falta de dinheiro, dirá alguém. Por falta de suficiente apoio do Estado, completará outro. E talvez ambos tenham alguma razão. Sugiro, entretanto, outra explicação que não pretende ser exclusiva, porque ela também ajuda a explicar a falta de recursos, mas que, se for levada em conta pela Bienal de São Paulo, poderá levá-la de volta a seus belos tempos. Há uma diferença fundamental entre as duas bienais. Enquanto a de Veneza está dividida em três setores, a de São Paulo está limitada a um. Enquanto Veneza mantém um amplo setor para as representações nacionais no Giardino e no Arsenale, um setor pequeno mas relevante para artistas consagrados no Giardino, e um setor amplo no Arsenale, em que o curador desenvolve um tema e abre espaço para novos artistas, a Bienal de São Paulo decidiu, há alguns anos, de forma arrogante e equivocada, limitar-se ao tema escolhido pelo curador e aos novos artistas. Refletiu, dessa forma, um fato real e até auspicioso: a importância crescente de curadores criativos para os grandes museus e também para as bienais. Mas o fez de forma radical e, por isso mesmo, equivocada.
Um espaço para artistas consagrados é importante porque é educativo e porque dá mais legitimidade à mostra junto aos demais artistas consagrados, independentemente de estarem ou não presentes. Por outro lado, as representações nacionais são importantes porque, por meio delas, é possível lograr a participação de grandes artistas sem custo para a Bienal, já que fica por conta do governo do país representado. Assim, se decidirmos dividir o espaço da Bienal de forma que 45% fiquem para as representações nacionais, 10% para o curador exibir artistas consagrados e 45% para o tema da Bienal daquele ano, teremos uma mostra mais atrativa para o público e mais barata.
Mas, em compensação, essa limitação do poder do curador não implicará uma queda da qualidade artística ou da significação cultural da Bienal? De forma alguma. Primeiro porque ele terá poder sobre os três segmentos da mostra. Mesmo no caso das representações nacionais, poderá e deverá haver negociação. Segundo porque sobrarão mais recursos para o grande segmento temático -para que o curador possa convidar os melhores artistas que estão despontando.
A Bienal de São Paulo sempre teve um papel importante na difusão da arte de vanguarda brasileira e mundial e na consagração de novos artistas. Por meio dela, a cidade de São Paulo e o Brasil se integram na contemporaneidade, participam das experimentações de vanguarda cultural e da crítica fundamental que transparece na arte conceitual.
Mais do que antes, vemos hoje os artistas se apropriarem das tecnologias mais avançadas para inovar e criar. Não podemos deixar uma instituição como essa morrer por incompetência administrativa e arrogância intelectual. O conselho da Bienal e seu novo presidente têm diante de si um belo desafio.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: www.bresserpereira.org.br
bresserpereira@gmail.com

sexta-feira, 12 de junho de 2009

ARTIGO: VENEZA


Seleção de artistas evoca potência e fragilidade

Mostra principal tem conjunto de obras coeso, mas falha ao evitar controvérsias

Fábio Cypriano

"T téia 1", de Lygia Pape, a obra que abre a mostra "Fazer Mundos", de Daniel Birnbaum, na 53ª Bienal de Veneza, resume bem tudo o que se vai ver daí em diante: uma seleção elegante, construída de forma frágil e ao mesmo tempo potente.
A elegância da obra de Pape, com fios dourados que constroem pilares quadrados, está também no vídeo da italiana Grazia Toderi, "Orbite Rosse" (órbitas vermelhas), uma imagem ovalada com milhares de estrelas, que parece um mapa de uma galáxia, mas que, vista de perto, são bombardeios de guerra, um dos trabalhos mais fortes da mostra.
O argentino Tomas Saraceno, em operação semelhante, constrói uma das mais surpreendentes instalações da Bienal, com fios que se transformam em globos, e dificultam o caminhar dos visitantes.
"Fazer Mundos" -a mostra tem 47 línguas no título, para tratar a arte como forma de tradução- se vale também da fragilidade, como os fios de Pape, o que faz com que a ideia de desenho seja recorrente, como nas obras de Marjetica Potrc, Öyvind Fahlström ou Richard Wentworth, entre outros.
A fragilidade/potência está também nas formas de expor, como nas fotos de vários formatos, algumas coladas na parede com fita adesiva, na sala de Wolfgang Tillmans, na invisibilidade da obra de Renata Lucas, ao asfaltar partes do chão da exposição, por onde muitos caminharam sem perceber.
Mas a qualidade na seleção dos 77 artistas de Birnbaum, com o assistente Jochen Volz, também se revela problemática: a delicadeza das obras evita controvérsias, como se o fazer mundos na arte ocorresse num sentido paralelo ao seu contexto. "Fazer Mundos" diagnostica bem a fragilidade que o mundo enfrenta, mas fica aí.

Brasil exótico

Já as representações nacionais seguem com disparidades gritantes. Por um lado, pavilhões como o dos Estados Unidos, que merecidamente ganhou o Leão de Ouro com Bruce Nauman, gastam milhões de dólares numa demonstração de poder -dessa vez, os EUA além de seu próprio espaço ocuparam outros dois na cidade.
Por outro lado, alguns pavilhões se rendem a estereótipos, como aconteceu desta vez com o Brasil, visto de forma exótica, por meio da produção de Delson Uchôa e Luiz Braga, seleção a cargo de Ivo Mesquita.
Esse "Brasil profundo", por conta da temática regionalista e um tanto folclórica, que parece propaganda governamental, tornou-se ainda mais arcaico perto de escolhas radicais, como Teresa Margolles, no México, que abordou a violência de execuções ligadas ao narcotráfico; Elmgreen & Dragset, artistas que curaram o pavilhão nórdico e dinamarquês, recebendo menção honrosa do júri, com uma abordagem sarcástica sobre colecionismo; ou Shaun Gladwell, na Austrália, levando a cultura pop a um rigor formal impressionante.
Mesmo assim, a diversidade continua exercendo uma forma de oxigenação em Veneza. E, felizmente, Renata Lucas, Sara Ramo, Cildo Meireles e Lygia Pape, apresentam um Brasil muito mais complexo que o do pavilhão nacional.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Guia inclui brasileiros entre 507 artistas mais jovens que Cristo



EFE

Eles têm talento e motivação, ganharam fama como inovadores, integram a "próxima geração" mundial de artistas com menos de 33 anos e estão reunidos no livro "Younger than Jesus - The Artists Directory" ("Mais jovens que Cristo - Catálogo de Artistas", em tradução livre).

Esta obra, que tem o formato de um guia telefônico e acaba de ser lançada pela editora Phaidon, reúne nomes de 507 artistas nascidos depois de 1976.

Em comum, todos os selecionados romperam com "convenções do passado" e têm interesse em "novas propostas". E é exatamente esta a premissa de "Younger than Jesus", explicou à Agência Efe o editor-chefe de arte contemporânea da Phaidon, Craig Garrett.

Numa entrevista concedida em seu escritório, em Londres, Garrett disse que a obra é como um "guia do futuro da arte", e "sem dúvida representa uma ruptura com o passado" e "uma nova forma de apresentação dos artistas contemporâneos".

"Younger than Jesus", segundo o editor, é um censo e também um "catálogo, que ajuda o leitor a localizar arte e artistas novos" com menos de 33 anos. É "quase um poço sem fundo" e, ao mesmo tempo, "é só o ponto de partida para o leitor e os artistas".

Cada um dos 507 artistas ou coletivos incluídos na obra receberam "o mesmo espaço" - uma página -, independente de sua origem e do sucesso que obtiveram. Neste sentido, destacou o editor, o livro dá prioridade "ao trabalho artístico", sem se preocupar em "estabelecer um novo cânone" na arte contemporânea.

No trabalho destes jovens "há temas e enfoques comuns", mas também "existe uma incrível diversidade", que, "surpreendentemente, não é sempre resultado do lugar geográfico" em que os artistas viveram ou fizeram experimentações, afirmou Garrett.

Os felizardos incluídos na obra são de aproximadamente 45 países, mas "muitos deles vivem em várias nações ou se locomovem entre uma e outra com muita frequência".

Além disso, "Younger than Jesus" inova no design. Seu formato "é integralmente parte" do projeto e, segundo Garrett, transmite com exatidão a filosofia de ser uma guia da nova geração artística, com cores e papel que lembram os das listas telefônicas.

Este efeito foi proposital, já que "a letra com a qual foi originalmente desenhada a (lista telefônica da companhia americana) AT&T em 1970" é a mesma usada em "Youngers than Jesus".

No livro, os artistas são apresentados com "milhares de imagens" de suas obras e pouco texto, daí o guia ser "funcional, leve e fácil de carregar, com espaço para anotações e índice em ordem alfabética".

Outro atrativo da obra é que sua organização foi feita com base no funcionamento das redes sociais da internet, a partir da "ideia de que a inteligência coletiva pode conseguir coisas que uma visão unitária" não conseguiria.

O projeto do livro foi concebido pelos curadores Massimiliano Gioni, Laura Hoptman e Lauren Cornell, do New Museum (de Nova York), que, depois, passaram a "supervisionar" a busca pelos "youngers".

Deste trabalho, participaram cerca de "20 correspondentes de nações de todo o mundo", que, por sua vez, contaram com a "colaboração de 150 ajudantes informais".

Site Amazon : http://www.amazon.com/Younger-than-Jesus-Artist-Directory/dp/0714849812

The Younger than Jesus Artist Directory (Paperback)
by Gioni Massimiliano (Author), Laura Hoptman (Author), Lauren Cornell (Author)

* Price: $49.95
* Paperback: 480 pages
* Publisher: Phaidon Press (May 16, 2009)
* Language: English
* ISBN-10: 0714849812
* ISBN-13: 978-0714849812
* Product Dimensions: 11.4 x 9.9 x 1.5 inches