Auditoria do CGU apontou possíveis irregularidades em contratos de 99 a 07
Documento obtido pela Folha aponta falta de licitação, preços acima do mercado e irregularidades na publicação da "Bien'Art"
Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo
Apesar de ter sido festejado como figura que pode melhorar o futuro da Bienal de São Paulo, o novo presidente da instituição, Heitor Martins, ainda precisa se debruçar sobre o passado da instituição.
Uma semana depois de eleito, no último dia 28, Martins recebeu do Ministério da Cultura um pacote com mais de 200 páginas, obtido com exclusividade pela Folha, que questiona 13 convênios realizados com a instituição, entre 1999 e 2007.
Eles representam o repasse de R$ 32 milhões do governo à Bienal. Auditoria realizada pelo CGU (Controladoria-Geral da União) apontou dezenas de possíveis irregularidades, o que levou o Ministério da Cultura a pedir esclarecimentos sobre os 13 contratos, iniciados na gestão do arquiteto Carlos Bratke.
As questões deveriam ser respondidas até ontem, sob pena de a Bienal ser caracterizada como inadimplente e, com isso, não poder ter mais acesso a recursos federais. "Nós pedimos uma prorrogação do prazo e vamos responder a todas as questões apresentadas, esse é o resultado de uma auditoria realizada em 2007", disse Martins, à Folha, anteontem.
Falta de licitação na contratação de empresas e preços praticados acima do mercado são algumas das irregularidades mais comuns apontadas pelo documento.
A publicação da revista "Bien'Art" também foi identificada como irregular na auditoria. O estatuto da Bienal proíbe que seus membros tenham vínculos comerciais com a instituição, mas o então presidente Manoel Francisco Pires da Costa tinha 70% da empresa TPT, que produzia a revista para a Bienal.
Pela irregularidade, o documento sugere que os R$ 2,7 milhões do Ministério da Cultura usados para custear a revista sejam "restituídos ao Erário". "Ainda não há decisão tomada, primeiro nós vamos explicar que houve um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público", diz Martins.
Durante a entrevista, o novo presidente buscou minimizar os possíveis efeitos da auditoria na Fundação Bienal: "Esse processo não vai se encerrar agora, ele deve levar anos, nosso maior esforço é revitalizar e reposicionar a Bienal agora".
Martins comemora ao menos que o Tribunal de Contas do Município aprovou as contas da Bienal do ano passado, o que já garante o repasse de R$ 1,6 milhão da Secretaria Municipal de Cultura. "Esperamos receber esse valor nos próximos dias e, de forma simbólica, queremos até o fim de julho encerrar as dívidas com todos os artistas e produtores da 28ª Bienal", conta o presidente.
Mas, o futuro da instituição também tem ocupado bastante o presidente, especialmente a organização da 29ª Bienal de São Paulo, que deve ocorrer no próximo ano: "Estamos prevendo que a Bienal custe R$ 30 milhões, mas vamos tentar captar R$ 40 milhões". Os R$ 30 milhões são comparáveis à 24ª Bienal, de 1998, que teve Paulo Herkenhoff como curador. "Essa Bienal é o nosso paradigma, queremos ter uma mostra com aquela qualidade."
Um documento apresentado por Martins aponta que a Bienal do Vazio, do ano passado, custou R$ 11 milhões, enquanto a 27ª edição, "Como Viver Junto", R$ 13 milhões.
Já em 2011, Martins prevê que partes da mostra circulem por outras cidades e mesmo outros países: "É importante que a Bienal tenha várias itinerâncias para potencializar seu impacto".
O curador da próxima Bienal deve ser anunciado até o próximo dia 15. "Essa é uma decisão que está em curso e será realizada junto com os diretores Miguel Chaia e Justo Werlang", conta ainda. Na semana passada, Martins reuniu-se com diretores de 20 museus paulistas, para propor uma cooperação durante a Bienal, e na próxima semana encontra-se com os galeristas da cidade.
sábado, 27 de junho de 2009
MinC investiga repasse de R$ 32 mi à Bienal
Postado por
Rodrigo Linhares
às
sábado, junho 27, 2009
Anna Bella Geiger pensa origens e rumos do Brasil em seus mapas
Silas Marti da Folha de S.Paulo
Suas 60 obras reunidas na Caixa Cultural partem de buracos na terra, da superfície lunar e do metrô nova-iorquino para lastrear um denso alcance político: o anônimo, o lúdico e o trivial a serviço de uma estética cortante, com os pés no chão e a cabeça onde quer estar.
No rastro do boicote à Bienal de 1969, que convulsionou o meio artístico, Geiger, 76, fugiu das discussões políticas que ocuparam a classe e encarou a ditadura com o registro de espirais e outros desenhos que fez na areia. "Havia uma crise no que eu acreditava", lembra. "Perdeu sentido qualquer obra que só pensasse na forma."
Encontrou na fotografia um suporte eficaz para fins de registro. "É uma coisa seca, falar de política sem ser religioso."
Do contato com a terra, veio um interesse antropológico. Pediu então para ser fotografada na mesma pose de índios estampados em cartões postais que encontrava nas bancas de jornal nos anos 70. A filha de judeus alemães, arco-e-flecha em punho, fica ao lado do índio nu. "Se existe um Brasil nativo, existe um Brasil alienígena."
Mais do que alienígena, uma terra erodida. "É uma comoção, não em relação ao índio, mas com o fato de todos estarmos aí com uma cidadania capenga."
Na mesma década, Geiger mastiga esse país em "Pão Nosso de Cada Dia", talvez a obra de maior carga política da mostra. É uma série de fotografias em que a artista morde num pedaço de pão um buraco na forma do mapa do Brasil. "E comendo mais, a América do Sul."
Outro mapa mostra um Brasil metálico e uma nuvem negra. "Esses mapas tentam mostrar o país num tempo de chumbo, pesado", diz Geiger. "A nuvem negra é de chuva."
Nos dias de sol, ela leva o contraste ao grau máximo para compor um mapa celeste em verde e amarelo. São nuvens que lembram massas de terra, continentes disformes de um lugar que poderia ser aqui.
A lua, em imagens enviadas à Terra depois que o primeiro homem pisou lá, entra nessa cartografia imaginária como alusão ao racha entre centro e periferia. A imagem da superfície lunar em gravura de metal virou capa de caderno escolar e --ironia ou não-- entrou subliminar na formação de crianças deste país ainda periférico.
Na mostra, como na história, as obras se dividem entre antes e depois dos anos 70 por uma navalha. Sob imagens de uma lâmina que se aproxima, Geiger escreveu a legenda: "Passagem de um modo de ser a outro".
ANNA BELLA GEIGER
Quando: abertura hoje, às 11h; ter. a dom., das 9h às 21h; até 9/8
Onde: Caixa Cultural (pça. da Sé, 111, tel. 0/xx/11/3321-4400)
Quanto: entrada franca
É o fio da navalha que está no centro dos mapas que Anna Bella Geiger desenhou. Das nuvens contrastadas que viram gravuras em metal a imagens de satélite do Amazonas, tudo ressurge sampleado em obras que tentam indicar as origens e os caminhos do Brasil.
Suas 60 obras reunidas na Caixa Cultural partem de buracos na terra, da superfície lunar e do metrô nova-iorquino para lastrear um denso alcance político: o anônimo, o lúdico e o trivial a serviço de uma estética cortante, com os pés no chão e a cabeça onde quer estar.
No rastro do boicote à Bienal de 1969, que convulsionou o meio artístico, Geiger, 76, fugiu das discussões políticas que ocuparam a classe e encarou a ditadura com o registro de espirais e outros desenhos que fez na areia. "Havia uma crise no que eu acreditava", lembra. "Perdeu sentido qualquer obra que só pensasse na forma."
Encontrou na fotografia um suporte eficaz para fins de registro. "É uma coisa seca, falar de política sem ser religioso."
Do contato com a terra, veio um interesse antropológico. Pediu então para ser fotografada na mesma pose de índios estampados em cartões postais que encontrava nas bancas de jornal nos anos 70. A filha de judeus alemães, arco-e-flecha em punho, fica ao lado do índio nu. "Se existe um Brasil nativo, existe um Brasil alienígena."
Mais do que alienígena, uma terra erodida. "É uma comoção, não em relação ao índio, mas com o fato de todos estarmos aí com uma cidadania capenga."
Na mesma década, Geiger mastiga esse país em "Pão Nosso de Cada Dia", talvez a obra de maior carga política da mostra. É uma série de fotografias em que a artista morde num pedaço de pão um buraco na forma do mapa do Brasil. "E comendo mais, a América do Sul."
Outro mapa mostra um Brasil metálico e uma nuvem negra. "Esses mapas tentam mostrar o país num tempo de chumbo, pesado", diz Geiger. "A nuvem negra é de chuva."
Nos dias de sol, ela leva o contraste ao grau máximo para compor um mapa celeste em verde e amarelo. São nuvens que lembram massas de terra, continentes disformes de um lugar que poderia ser aqui.
A lua, em imagens enviadas à Terra depois que o primeiro homem pisou lá, entra nessa cartografia imaginária como alusão ao racha entre centro e periferia. A imagem da superfície lunar em gravura de metal virou capa de caderno escolar e --ironia ou não-- entrou subliminar na formação de crianças deste país ainda periférico.
Na mostra, como na história, as obras se dividem entre antes e depois dos anos 70 por uma navalha. Sob imagens de uma lâmina que se aproxima, Geiger escreveu a legenda: "Passagem de um modo de ser a outro".
ANNA BELLA GEIGER
Quando: abertura hoje, às 11h; ter. a dom., das 9h às 21h; até 9/8
Onde: Caixa Cultural (pça. da Sé, 111, tel. 0/xx/11/3321-4400)
Quanto: entrada franca
Postado por
Rodrigo Linhares
às
sábado, junho 27, 2009
Assinar:
Postagens (Atom)