quinta-feira, 30 de abril de 2009

ARTIGO: Performance


DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE TEHCHING HSIEH? *


por EMANUEL CAMEIRA do site português ArteCapital.com

Mas quem foi que lhe disse que a arte devia ser vida?
Esta noite improvisa-se de Luigi Pirandello

Ainda desconhecidas para alguns, as performances de Tehching Hsieh (Taiwan, 1950) medem-se literalmente por anos. Também por isso são marcos numa linguagem artística em aberto desde a década de 60 do século , quando outro era já o registo, mais voltado para uma desmaterialização do objecto, refazendo o entendimento formalista sobretudo ao querer privilegiar na obra de arte aspectos de conceito e de processo e, como tão bem notou Lucy Lippard (1), concebendo-a em termos efémeros, interdisciplinares, na directa interacção com o público e próxima do quotidiano. Mas explicar o recente interesse curatorial e académico pelo trabalho de Hsieh implica contudo situá-lo primeiro entre uma teia de circunstâncias onde constam a crescente atenção ocidental a artistas asiáticos (muitos da diáspora europeia e norte-americana), o actual peso dos estudos performativos no quadro da teoria cultural ou mesmo a emergência de projectos expositivos baseados na reconstituição de performances históricas.

Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1978 – 1979

Corria o ano de 1974 e Hsieh desembarcava ilegalmente num pequeno porto de Filadélfia. Essa condição de outsider, de imigrante ilegal, constitui aliás algo com que lidará até à amnistia de 1988, decorria a derradeira das suas seis performances, quase todas acontecidas na vibrante cena nova-iorquina. E sob que forma? Sempre a excessiva presença do corpo preso a situações-limite, de intenso desgaste físico e mental: vemo-lo enjaulado no atelier e impedido de qualquer tipo de estímulo (2), contacto material ou humano (pedia-se inclusive o silêncio da audiência nas poucas vezes que a houve), picando o ponto hora a hora, na pele de sem-abrigo, amarrado a Linda Montano pese embora nunca lhe podendo tocar, recusando fruir de actividades de cariz artístico. Obras portanto singularíssimas, as “one year performances”, nelas se intensificaram as ligações da arte com a vida mediante o recurso a uma longa e metafórica duração anual. Diz o artista:

Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1980 – 1981

One year is the largest single unit of how we count time. It takes the earth a year to move around the sun. Three years, four years is something else. It is about being human, how we explain time, how we measure our existence. A century is another mark, which is how the last piece was created. (3)

Tehching Hsieh, “One Year Performance (Outdoor Piece)”, 1981 – 1982

De facto, “Earth” é diferente. A 31 de Dezembro de 1986 Tehching Hsieh nada revela do conteúdo da performance. A arte que produzirá apenas será descrita no fim, treze anos depois. Quem esteve na Judson Church de Manhattan e então assistiu ao anúncio, “I kept myself alive. I passed the Dec 31, 1999”, pôde testemunhar a desconstrução dessa espécie de ontologia da performance associada grosso modo à ideia de acontecimento momentâneo e não tanto à experiência vivida extensamente no tempo. A absoluta diluição da arte na vida, aqui flagrante, mostra uma radicalidade que concretiza o tal princípio de Allan Kaprow segundo o qual the line between art and life should be kept as fluid, and perhaps indistinct, as possible (4). Ora, destituída de parâmetros palpáveis, a obra está na vida de Hsieh. Transfiguração da vida porque no plano da arte ou desmistificação desta por via das contingências do dia a dia (lembre-se a ocasião em que adormece e deixa de picar o ponto ou a rixa de rua que o força a entrar num espaço coberto, a esquadra), parecem surgir enquanto possíveis rotas de sentido.

Tehching Hsieh, “One Year Performance (Art-Life)”, 1983 – 1984

Julgo ter sido Jacinto Lageira a afirmar a necessidade de na performance reconhecer a integração das componentes física, sensível da acção, e formal, do intelecto. Verdade é que sem sujeito para a viver a forma não ganharia existência. Porém, o performer pensa emergido na especificidade de um corpo já vivido, material pensante, dotado de história. Parte do fascínio de Tehching Hsieh provém daí:

His destination: Manhattan, center of the art world. Once there, though, Hsieh found himself ensnared in the benumbing life on an illegal immigrant. He eked out a living at chinese restaurants and construction jobs, feeling alien, alienated and creatively barren until it came to him: he could turn his isolation into art. Inside an unfinished loft, he could build himself a beautiful cage, shave his head, stencil his name onto a uniform and lock himself away from a year. (5)


Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1985 - 1986

Na performance, a obra encontra-se na imanência da encarnação. Há um sujeito que vejo e me interpela acerca de variados traços da vida individual e social, privacidade, trabalho, liberdade, alteridade. Hsieh estabelece pois com a arte uma nova e visceral vinculação, submetida a sua corporalidade à pura passagem do tempo, a um duradouro e repetitivo conjunto de tarefas e constrangimentos.

Tehching Hsieh parou de criar a partir de 31 de Dezembro de 1999. Alexandra Munroe, curadora sénior de arte asiática no museu Solomon R. Guggenheim arrisca a seguinte interpretação:

maybe he was a man choosing art as a tool to demonstrate a certain philosophical set of conditions, and it served his purpose, so he doesn’t need it anymore. I think he’s bigger than art on some level. I think – I’ll be really extreme here – that he killed art so he could transcend it. (6)

Tehching Hsieh, “Earth”, 1986 – 1999

Até dia 18 de Maio uma réplica da jaula construída no âmbito da primeira “one year performance” pode ser vista no MoMA. Um mês antes termina no Solomon R. Guggenheim a exposição “The third mind: american artists contemplate Ásia, 1860-1989”, que documenta a segunda das performances.

Emanuel Cameira

NOTAS

* Título adaptado de De que falamos quando falamos de performance, revista Marte, nº 3, edição da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2008.
(1) Lippard, Lucy R. (1997), Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972, California, University of California Press.
(2) Exceptuando a alimentação que diariamente lhe era levada por um amigo.
(3) Retirado da entrevista a Hsieh disponível em www.thebrooklynrail.org/arts/sept03/tehchinghsieh.html
(4) In Harrison, Charles e Wood, Paul (eds.) (2003), Art in Theory 1900-2000 – an anthology of changing ideas, Oxford, Blackwell Publishing, p. 720.
(5) Sontag, Deborah (2009), “The art of pushing the boundaries of life”, in International Herald Tribune, 27 de Fevereiro, disponível em www.iht.com/articles/2009/02/27/arts/artist.php


Volpi no Rio


Exposição no Instituto Moreira Salles reúne telas raras de Alfredo Volpi

O Rio já viu muitas exposições de Alfredo Volpi, mas a curadora Vanda Klabin conseguiu, numa pesquisa em coleções particulares, encontrar obras raramente ou nunca antes expostas. Na mostra "Volpi: dimensões da cor", aberta ao público no Instituto Moreira Salles (IMS), Vanda olha para o Volpi do fim dos anos 1950 e do início dos 60, momento em que o pintor abandona as paisagens e marinhas e começa a delinear os elementos que marcariam toda a sua produção artística posterior.


- É um período muito significativo e fecundo na obra do Volpi, em que ele introduz elementos puramente abstratos, com os quais sedimenta seu afastamento do naturalismo - afirma Vanda.
Em seu caminho para a geometria, Volpi, sem nunca se filiar a movimentos artísticos, recebeu influência de concretos e neoconcretos. Uma série de obras na exposição representa essa aproximação, causando um estranhamento em relação ao que mais se conhece de Volpi. Numa montagem sem divisórias, em que todas as obras são vistas em conjunto, o visitante pode atentar para as relações entre essas telas e outras mais diretamente identificadas com Volpi, como a geometria das suas famosas bandeiras, que começaram a aparecer em meados da década de 1950 - e que nada mais são, como mostra Vanda, elementos geométricos, cada qual um "quadrado do qual se retira um triângulo".
Têmpera revela o movimento dos pincéis


Exposição de Alfredo Volpi, no Instituto Moreira Salles - Mônica Imbuzeiro Apesar da ligação com a arte construtiva, em grande parte feita através dos amigos Willys de Castro e Theon Spanudis (signatário do Manifesto Neoconcreto, em 1959), Volpi manteve a "antimoderna" técnica da têmpera, que substituíra sua pintura a óleo em 1944. Nascido na Itália, Volpi nunca se naturalizou brasileiro, apesar de ter vindo aos 2 anos, com os pais imigrantes, para São Paulo, e só ter voltado uma vez à Europa, em 1950. Depois dessa viagem, inspirado pela tradição da pintura italiana, Volpi não abandonou mais a têmpera. Deixando a tinta rarefeita, a técnica revela ao espectador o movimento do artista.
Depois do flerte com o concretismo, Volpi se afastou completamente do movimento e começou a explorar os signos que se repetem em sua obra posterior. Bandeiras, fachadas e elementos náuticos se alternam como elementos geométricos que se repetem, em diferentes combinações. Na mostra, Vanda põe lado a lado obras com composições semelhantes, em que o artista varia apenas as cores.

INFORMAÇÕES

Local: Instituto Moreira Salles (INFORMAÇÕES)
Preço(s): Grátis.
Data(s): Até 5 de julho de 2009.
Horário(s): Terça a sexta, 13h às 20h; sábado, domingo e feriados, 11h às 20h.

ALELUIA

Funarte vai financiar Brasil em Veneza

por Fabio Cypriano da Folha de S.Paulo

O Ministério da Cultura por meio do Fundo Nacional da Arte (Funarte) deve viabilizar a representação brasileira na Bienal de Veneza, prevista para ser inaugurada no dia 7 de junho, que podia não ocorrer por falta de patrocínio.
Afundada em dívidas, a Fundação Bienal de São Paulo que, desde 1993, indica os representantes brasileiros em Veneza, não tem como pagar os custos da representação na mais tradicional das bienais. A seleção foi feita por Ivo Mesquita, curador da última edição da Bienal de São Paulo, e traz o fotógrafo paraense Luiz Braga e o pintor alagoano Delson Uchôa.
Luiz Braga/Divulgação
Fotografia do paraense Luiz Braga, que estará na Bienal de Veneza deste ano

"Fomos procurados pelos galeristas dos artistas e por Mesquita para ajudar a realizar a representação em Veneza e estamos conseguindo os recursos. Seria uma vergonha não abrir o pavilhão brasileiro", disse à Folha Ricardo Resende, 47, diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte, no Rio.
Uma carta assinada pelo curador, pelos artistas e seus galeristas (Eduardo Leme, no caso de Braga, e Luciana Brito, para Uchôa) foi enviada ao ministro da Cultura, Juca Ferreira, pedindo o apoio do órgão para viabilizar a representação nacional, orçada em R$ 350 mil.
Contudo, para conseguir chegar a tal objetivo, o Ministério da Cultura precisa que a Fundação Bienal renuncie à função. "Como o Ministério das Relações Exteriores estabelece, por um convênio, que a Fundação Bienal é a entidade que organiza e produz a representação, é preciso que ela abra mão dessa tarefa", conta Resende.
"Não tenho certeza se de fato é preciso abrir mão de alguma coisa, mas certamente vamos fazer tudo possível para fazer com que a Funarte se torne a comissária da representação nacional", declarou à Folha o presidente da Fundação Bienal, o empresário Manoel Francisco Pires da Costa, 70, que está deixando o cargo e não atuou na negociação.
O convênio firmado entre o Ministério das Relações Exteriores e a Fundação Bienal vence no próximo mês de junho e Resende irá propor que, a partir de então, o Ministério da Cultura passe a assumir essa responsabilidade. "Eu acho ótimo que a Funarte assuma a representação em Veneza; se isso tivesse ocorrido desde o primeiro dia que assumi a Bienal, tudo teria sido muito mais fácil", disse Pires da Costa.


Bienal de São Paulo sem Presidente



Após desistência de Matarazzo, Bienal continua em busca de presidente

por Fabio Cypriano da Folha de S.Paulo

Um vácuo de poder assombra a Fundação Bienal. Por pouco a representação brasileira não vai a Veneza, o que deve acontecer graças a galeristas e ao Ministério da Cultura.
Em parte, tudo isso está ocorrendo pelo fato de não se descobrir pessoas dispostas a assumir o cargo de presidente da instituição. O último ato desse roteiro foi a desistência do secretário municipal Andrea Matarazzo (Coordenação das Subprefeituras).

Bruno Miranda/Folha Imagem
Secretário Andrea Matarazzo desistiu da Fundação Bienal

Já o atual presidente, Manoel Francisco Pires da Costa, diz que está limitado em suas funções: "Eu não consegui dinheiro, pois a Bienal de Veneza não era minha obrigação, mas do próximo presidente." Mas foi o próprio Pires da Costa que indicou o curador do pavilhão, Ivo Mesquita. "Fiz isso pedindo anuência ao embaixador Rubens Barbosa, meu amigo, que no final do ano passado era o candidato a ser meu sucessor", diz o presidente.
Esse vazio de poder incomoda ao presidente do Conselho da Fundação, Miguel Pereira, que convocou uma reunião para o próximo dia 5.
"Esse presidente [Pires da Costa] é não desejado, é preciso que o conselho assuma responsabilidades, pois eu não posso decidir sozinho", diz Pereira.
Por enquanto, o nome que mais circula entre os conselheiros é o do empresário e colecionador Heitor Martins, casado com Fernanda Feitosa, diretora da feira SP Arte.
A empresa de auditoria que analisa as contas do mandato de Pires da Costa - assim que elas forem aprovadas ele deixa de ser presidente - também está em fase final de seu trabalho e, segundo a Folha apurou, o déficit da instituição é de R$ 2,9 milhões, abaixo dos R$ 4 mi divulgados por Matarazzo.
Pires da Costa relativiza esses valores: "O déficil real da Fundação Bienal está em cerca de R$ 600 mil, o restante são regras contábeis que devem ser descontadas, como por exemplo cerca de R$ 900 mil de imobilizados, que não são dívidas."
O presidente ainda afirma que a há pelo menos R$ 200 mil a receber da participação de países estrangeiros na última edição da Bienal.
"O que temos é um grave problema de fluxo de caixa, mas isso é algo constante aqui", diz ele.