terça-feira, 17 de novembro de 2009

Crítica


Dupla cria "cosmética da pobreza" Na tentativa de levar ruas ao museu, Osgêmeos tornam a miséria um produto de consumo e caem no entretenimento

por Fabio Cypriano


A transposição do grafite para galerias e museus é um debate que ocorre desde a década de 70. A mostra "Vertigem", da dupla paulistana Osgêmeos, em cartaz na Faap até dezembro, poderia ser observada como mais um capítulo dessa história.

A dupla já incorreu na institucionalização, em São Paulo, quando, em 2006, organizou "O Peixe que Comia Estrelas Cadentes", na Fortes Vilaça.

Daquela vez, os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo transformaram seus personagens em seres tridimensionais para que o visitante fosse envolvido no universo onírico da dupla. Contudo, a "instalação", que mais parecia a atração de um parque de diversões, situava-se no campo do entretenimento e não agregou nada ao debate de como levar um trabalho transgressor feito na rua para o cubo branco de uma galeria de arte.

Agora, os Pandolfo tentam uma nova fórmula: levar a própria rua para o museu, ou melhor, seus habitantes. Um elemento fundamental no grafite é seu diálogo com o espaço urbano, marcado pela poluição visual e sonora das cidades, transformando-o e a ele agregando, em alguns casos, carga poética, como n'Osgêmeos, ou política, como em tantos outros pixadores e grafiteiros. Era óbvio em "O Peixe que Comia Estrelas Cadentes" que o diálogo com a rua fazia falta.

Em "Vertigem", essa deficiência buscou ser compensada por fotos e vídeos de moradores de rua em situações miseráveis, o que é, sem dúvida, uma tentativa de manter o lírico diálogo entre os grafites e o entorno.

O problema é que, enquanto na rua essa tensão é autêntica, dentro de um espaço museológico as imagens desses miseráveis são mera ilustração e, pior, apropriação rasa de um estado de indigência típico das metrópoles latino-americanas. Ivana Bentes denomina uma operação parecida no cinema nacional como "cosmética da fome".

Pois Osgêmeos realizam com "Vertigem" uma "cosmética da pobreza", já que tornam a miséria um produto de consumo fácil, caindo, novamente, no campo do entretenimento.

E a questão não está no uso de elementos populares. É sabido que Hélio Oiticica buscava se inspirar na favela para pensar seu trabalho, mas sua meta não era criar uma chique representação da pobreza, como se vê nas fotos em "backlight" dos Pandolfo. No debate sobre a transposição da arte de rua para o museu, "Vertigem" não tem nada a declarar.

SERIÇO

VERTIGEM - Osgêmeos
Onde: Faap (r. Alagoas, 903, tel. 0/ xx/11/3662-7198, SP)
Quando: de ter. a sex., das 10h às 20h; sáb. e dom., das 10h às 17h; até 13/12
Quanto: entrada franca
Avaliação: ruim

Tunga surpreende com exibição de série de aquarelas

Artista mostra cerca de 30 trabalhos dos últimos cinco anos, entre os quais garrafas "decoradas" com cristais, aço e urina


Obra, que usa elementos de sexo e escatologia, é reunida em livro-catálogo com aproximadamente 60 imagens e texto do autor 





Sem título , 2005 - aquarela sobre papel de algodão - 45 x 31 cm

Para um artista que habituou o público a esperar por performances cinematográficas, instalações de grande porte e objetos complexos, Tunga inaugura amanhã, na galeria Millan, em São Paulo, uma exposição supreendente.

A narrativa tumultuária dá lugar à atmosfera de serenidade sugerida por uma série de mais de 30 aquarelas, em tons claros e diluídos, em formato de 30 cm x 40 cm. 
São pequenas cenas que podem despertar, ao primeiro olhar, reminiscências da infância, livros de fábulas e ilustrações encantadas. A repetição, em várias delas, de uma palmeira poderá ser associada à obra da modernista Tarsila do Amaral -e o autor concordará.


De perto, porém, não são tão normais. A serenidade se não é enganosa, não é plena: o observador logo identificará conflito e perceberá que a suavidade dos tons envolve situações de sexo e escatologia.


São, afinal, trabalhos de Tunga, um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira e internacional, que desde a década de 70 concebe uma poética perturbadora, marcada pela ousadia, pela potência das formas e pela capacidade de nos transportar à terra dos mitos, dos sonhos e pesadelos.


"A arte é uma continuação do processo de reflexão, que vai se desbloqueando e te pondo em contato com outros universos", diz o artista, que realizou as aquarelas ao longo de cinco anos e chamou-as de "phanografias" ("phanos", do grego, significa luminoso).


A origem das "phanografias" é relatada num livro-catálogo que reúne a série completa de imagens -cerca de 60. Um texto de Tunga nos fala, em tom fabuloso, de uma garrafa de cristal, posta sobre sua mesa de trabalho, que ele se pôs a decorar de modo bizarro, utilizando coisas como correntinhas e fragmentos de ímã, até torná-la uma espécie de talismã.


Certo dia, premido pela vontade de urinar, decidiu fazê-lo na garrafa. Tomado por uma força autoral estranha, que parecia não ser sua, supreendeu-se com o fato de o objeto ter adquirido ares de acabado, "se configurando como uma lamparina" a refletir "luz agradável de tom amarelado".


Ao expor a tais reflexos o papel úmido de uma aquarela sobre a qual trabalhava, o artista teria verificado que uma forma fora impressa. Sua garrafa transformara-se num "phanoscópio de projeção".


Há algo de borgiano nessa história, que trapaceia com realidade e ficção, mas isso também faz parte da poética de Tunga. Fato é que ao lado das aquarelas, ele também expõe três garrafas, como as que descreve no texto -"decoradas" com âmbar, cristal de rocha, aço, urina e outros materiais.


Elas estarão acondicionadas em caixas cujas portas laterais podem ser retiradas ou substituídas por espelhos.

SERVIÇO

QUASE AURORA - TUNGA
Quando: abertura amanhã, às 20h; de seg. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 11h às 17h; até 19/12
Onde: galeria Millan (r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 3031-6007); livre

Marcos Augusto Gonçalves da Folha de S. Paulo

Opinião sobre o Grafitte: tem nosso apoio


Movimento ainda se confunde com vandalismo


Folha de S. Paulo

Enquanto a produção de artistas que se alternam entre rua, galerias e museus conquistou o circuito cultural, um outro movimento urbano, virulento e transgressor, segue seu percurso à margem e é habitué das páginas policiais.

Acusada de vandalismo -rubrica que um dia assombrou o próprio grafite-, a pichação, também chamada de "pixo", é um fenômeno típico de São Paulo que busca reconhecimento como manifestação artística por meio de ações orquestradas e controversas.

Depois de rabiscar o Centro Universitário Belas Artes, a galeria Choque Cultural e as paredes da Bienal de São Paulo, o mesmo grupo de pichadores promete uma espécie de represália aos grafites "domesticados". "Tem gente ganhando cachê pra fazer trabalho em espaço público. Pode fazer, mas vai estar sujeito a ser "atropelado'", avisa Djan Ivson, 25, pichador que participou das ações.

"Atropelar", na gíria das ruas, quer dizer, simplesmente, pichar por cima. "A rua é de quem chegar. Não tem essa. Já questionamos o meio acadêmico e o circuito das artes. Essa onda do grafite legalizado é uma revolta antiga dos pichadores", diz. "Pra onde foi a transgressão?"

Ivson espalha pela cidade a sua marca, Cripta, e teve seus "pixos" expostos na Fundação Cartier, em Paris, na mostra "Nascido nas Ruas", em julho. "Em Paris, foi a primeira vez que fui tratado como artista."

Incompreendida? Maldita? O "pixo" desperta mais fúria que complacência. Para Miguel Chaia, crítico e cientista social, a pichação é, acima de tudo, uma expressão significativa. "É uma forma bonita que cria um enigma com as letras e recompõe a necessidade de interpretação", define. (FM)

CCSP: Mostra reúne artistas emergentes


Fotografia e pintura são as linhas mestras de exposição que está em cartaz no Centro Cultural São Paulo até março 

Nomes com trajetória já consolidada, como Daniel Senise e Rochelle Costi, apresentam trabalhos feitos especialmente para o prédio 


"Estrada 5', tela da jovem artista Ana Prata que integra mostra no CCSP; sua obra também visita bucólicos cenários domésticos




O descontrole e o cruzamento de linguagens dão o tom da 3ª Mostra do Programa de Exposições 2009 do Centro Cultural São Paulo. O tradicional projeto voltado à exibição de novos artistas tem o melhor recorte do ano na seleção de oito nomes, em cartaz até 14/3.



A qualidade das mostras individuais dos emergentes também ganha o forte apoio de três artistas de carreira mais extensa -Daniel Senise, Rochelle Costi e Ricardo Basbaum-, que foram convidados para apresentar obras feitas especialmente para o prédio.


A fotografia é a base da pintura de Ana Prata, 28, mas não a limita. "Minhas telas têm uma perspectiva errada, os encaixes não são perfeitos. A pintura absorve algo do aleatório, do acaso", conta ela, que, em grandes quadros, retrata desde um acidente numa estrada até ambientes domésticos onde nada parece acontecer.

A jovem artista mineira tem expostas tais telas ao lado de peça do carioca Daniel Senise, 54, prestigiado pintor brasileiro da geração 80.



Mas Senise apresenta um projeto tridimensional. A escultura "Eva", de Victor Brecheret, vai ser completamente escondida por dezenas de tijolos feitos de papel reciclado.


O papel originário é todo composto de folders e convites de exposições, descartados e agora com outro fim.


"É como se a ideia de arte se transformasse em matéria. Essa conversão tem a ver com a minha pintura", avalia o artista.


O hibridismo de meios também está presente nas 25 caixas que Rochelle Costi, 48, espalhou pelo centro cultural, mescla de instalação e fotografia, que retratam a "iconografia" das áreas técnicas do centro cultural, como a gráfica e a serralheria. "É como se um mundo subterrâneo de imagens emergisse", diz ela.


E a fotografia é a linguagem escolhida por Sofia Borges, 25, que retrata um "ambiente evasivo" pontuado por uma luz estourada e que revela um espaço algo próximo de ateliê. E, numa das paredes, há uma tela. É de autoria de Rafael Carneiro, 24, e está presente na mostra.

SERVIÇO

3ª MOSTRA DO PROGRAMA DE EXPOSIÇÕES 2009
Quando: de ter. a sex., das 10h às 20h, e sáb. e dom., das 10h às 18h; até 14/3 Onde: CCSP (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3397-4002)
Quanto: entrada franca

Mario Gioia da Folha de S. Paulo 



Fogo apressa digitalização do acervo de Leonilson

Fogo apressa digitalização do acervo de Leonilson
Incêndio de obras de Oiticica, em outubro, ressaltou importância de cópia virtual


Além de iniciativa on-line, trabalhos serão exibidos em sala especial na Pinacoteca;

Krajcberg e Volpi também terão trabalhos na internet 



Fabio Cypriano

O incêndio de parte do legado de Hélio Oiticica, no mês passado, foi o estopim para a digitalização do acervo de outros artistas brasileiros. Nos primeiros momentos da catástrofe, em outubro, quando a família de Oiticica estimava a perda em 90%, o único alívio era saber que praticamente todos os documentos estavam ao menos preservados virtualmente.


"Isso abriu nossos olhos e nos fez dar atenção para algo que nós mesmos já havíamos feito e deveria, então, ser ampliado", afirma Eduardo Saron, superintendente do instituto Itaú Cultural (IC), responsável pelo acervo virtual.
Assim, num primeiro momento, ficou decidido que três artistas deveriam passar por processo semelhante àquele por que passaram os arquivos de Oiticica: Leonilson (1957-1993), Frans Krajcberg, 88, e Alfredo Volpi (1896-1988).


"Começamos a digitalizar as obras de Leonilson há muito anos, totalizando umas 1.500, e depois paramos. Agora, acertamos com a família o término da digitalização das demais 2.000 obras, 40 cadernos e agendas do artista", conta Saron. Segundo ele, o material deve estar disponível até junho do próximo ano no site do IC (www.itaucultural.org.br), inclusive os cadernos, que poderão ser manuseados virtualmente.


Por conta do incêndio do acervo de Oiticica, aliás, a obra de Leonilson ganhou um porto seguro também fisicamente. Segundo Ana Lenice Dias Fonseca da Silva, irmã do artista, já está definido o comodato [empréstimo] à Pinacoteca. "Fomos informados na última semana de que o comodato foi aprovado pelo conselho da instituição, agora entramos numa fase de acertos finais."


O comodato, confirmado por Marcelo Secaf, presidente da Associação Amigos da Pinacoteca, conforme proposto pelo Projeto Leonilson, será feito inicialmente por um período de dez anos, com uma doação agora e outra em cinco anos.


Na primeira vez, serão doados os 108 desenhos de Leonilson feitos para a coluna de Barbara Gancia, na Folha, entre 1991 e 1993, e outros dois bordados, como são chamados os trabalhos da fase final do artista. "Achamos que seria muito importante essa série de desenhos não ser desmembrada", conta Dias Fonseca.
Uma das contrapartidas da Pinacoteca será, além de abrir uma sala com obras do artista, organizar o "catologue raisonné" (com todas as obras) de Leonilson. "Com a digitalização do Itaú, isso será muito mais simples", afirma Secaf.



Krajcberg e Volpi


Já no caso de Franz Krajcberg, não serão disponibilizadas no site apenas suas obras mais tradicionais. De acordo com o instituto, serão digitalizados também mais de cem filmes -sendo que alguns deles o próprio Krajcberg não via há mais de 40 anos. "Estamos negociando com ele como isso vai para a internet", diz Saron.


Finalmente, o modernista Volpi deve ganhar o "catologue raisonné": "Fomos procurados pelo [marchand] Paulo Kuczynski e estamos organizando o catálogo, que deve ficar pronto em 2011", afirma o superintendente do instituto.

Anunciada equipe de curadores da 29.ª Bienal de SP

Equipe de cinco curadores estrangeiros vão ajudar na concepção da mostra cujo tema é 'Arte e Política'

Camila Molina, de O Estado de S. Paulo

Como estratégia para driblar o curto prazo que se tem para a realização da 29.ª Bienal de São Paulo - menos de um ano, já que está marcada para ocorrer em 2010, entre 21 de setembro e 12 de dezembro, a diretoria da instituição anunciou na tarde desta segunda, 16, a equipe de cinco curadores estrangeiros que ajudarão no processo de concepção da mostra e na escolha de artistas participantes.

Além de Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, curadores-chefes da exposição, anunciados anteriormente, ainda vão compor o time: como convidados, a espanhola Rina Carvajal, do Miami Art Museum; o sul-africano Sarat Maharaj, que vive em Londres, onde é professor na Universidade Goldsmiths, e também na Universidade de Lund e na Academia de Artes de Malmo, ambas na Suécia; como assistentes, o angolano Fernando Alvim, que dirige A Trienal de Arte de Luanda; a japonesa Yuko Hasegawa, do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio; e a espanhola Chus Martinez, curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.

No anúncio, feito na Fundação Bienal de São Paulo, o presidente da instituição, Heitor Martins, afirmou que na semana passada o Ministério da Cultura aprovou os orçamentos tanto do pré-projeto (de R$1,6 milhão) quanto do projeto da 29.ª Bienal (de R$ 29,3 milhões) para captação de recursos por meio da Lei Rouanet.

Martins ainda disse que do montante total a instituição já tem R$ 13,25 milhões (R$ 12,5 milhões por patrocínio do Banco Itaú e outras empresas e ainda R$ 750 mil livres). "Fechamos um ciclo que iniciamos em abril (quando ele foi convidado a se candidatar a presidente da entidade), em que afirmamos categoricamente que íamos tentar fazer a Bienal em 2010", disse o empresário Heitor Martins, sócio-diretor da empresa internacional de consultoria McKinsey.

A mostra terá como tema principal a relação entre Arte e Política - 26 artistas já estão confirmados, sendo que apenas dois deles foram divulgados, Cildo Meireles e Arthur Barrio, nomes de uma geração com trajetória iniciada nos anos 1960. "Eles vão apresentar obras inéditas na exposição", afirmou Moacir dos Anjos, completando que "vários artistas" vão produzir trabalhos novos para a Bienal. "Convidamos os curadores como interlocutores que nos ajudassem na realização de uma Bienal internacional. Eles são outras vozes em lugares distintos, outras percepções para trabalharmos a plataforma Arte e Política", afirmou Moacir dos Anjos.

Ainda como parte da "rede", fazem parte da equipe da 29.ª Bienal a artista Stella Barbieri (responsável pelo projeto educativo); a arquiteta Marta Bogéa (expografia); André Stolarski (design e produção gráfica); Jacopo Crivelli Visconti (trabalhou para a entidade na gestão passada de Manoel Pires da Costa e agora retorna com a função de fazer a relação institucional da Bienal com instituições estrangeiras); e de Helmut Batista, diretor do projeto Capacete (vai ser o curador do programa de residências da exposição).

Na coletiva de imprensa foi perguntado o que de contemporânea terá a 29.ª Bienal, que tem em sua equipe tanto curadores quanto outros profissionais que já participaram de edições da exposição - Rina Carvajal, por exemplo, esteve na curadoria da 24.ª Bienal; ou mesmo o anúncio de artistas como Meireles e Barrio, nomes constantes das grandes mostras e do circuito.

"Vai ser uma Bienal com uma leitura contundente e com olhar crítico para refletir sobre o mundo de hoje", afirmou Rina - Moacir disse que muitos artistas da lista de participantes serão jovens criadores. "Este é um projeto de refundação da Fundação Bienal de São Paulo e o papel da arte brasileira é outro, já que o Brasil está entrando no mapa de maneira diferente. Os países emergentes já emergiram", disse o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, membro da diretoria da Bienal de São Paulo como representante do Ministério da Cultura.