terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Bienal terá Nuno, Nan Goldin e McQueen

Fotografia de Nan Goldin - Trabalho da norte-americana enfoca amizades, amores, solidão e fragilidade


A natureza política da arte volta ao centro do debate na 29ª Bienal de São Paulo, em setembro. Não aquela arte panfletária, dos significados unidimensionais, mas uma arte capaz de mudar o jeito como vemos e refletimos sobre a sociedade - sendo irrelevante, portanto, se ela trata de conflitos ou não e a forma como articula seu discurso.

Nisso, a nova mostra, renascida após a crise da Bienal do Vazio, é de certa forma uma antítese à exposição de 2006, cujo tema era Como Viver Junto. Aquela bienal buscou juntar ideias e procedimentos conectados de alguma forma com a arte produzida no mundo nos anos 70 - como a performance, o discurso ativista e o debate de temas "urgentes", como meio ambiente e neocolonialismo.

O Estado teve acesso com exclusividade a uma lista dos artistas mais importantes já definidos para a jornada (a lista completa só deve ser anunciada oficialmente em fevereiro). O choque de significado da exposição do curador-chefe Moacir dos Anjos é um leque amplo. Começa com a arte ativista do chinês Ai Weiwei, de 53 anos, nascido num campo de trabalhos forçados por ser filho de um "inimigo" da revolução cultural (o poeta Ai Qing). Espraia-se pelas jornadas fotográficas nos seios das comunidades gays e transexuais, filtradas pelo olhar da americana Nan Goldin, de 57 anos.

Outros nomes: a palestina Emily Jacir, de 40 anos, nascida em Bagdá, que junta fotografia, vídeo e performance; o britânico Jeremy Deller, ganhador de um prêmio Turner; a alemã Isa Genzken, que também trabalha com diversos suportes; o belga Francis Alys, que vai do texto à animação; o português Artur Barrio; e o paraibano Antonio Dias e a carioca Alice Miceli.

Uma estrela confirmada é o inglês Steve McQueen, de 41 anos (que representou a Inglaterra na Bienal de Veneza do ano passado), que vem com seus filmes em preto e branco influenciados pela nouvelle vague e por Andy Warhol, e nos quais ele é geralmente um protagonista.

Cildo Meireles, nome fundamental da arte contemporânea, volta à mostra. Em 2006, o artista plástico Cildo Meireles tinha ameaçado deixar a Bienal de São Paulo caso o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira continuasse no conselho da fundação Bienal. Ferreira foi afastado, mas já não havia tempo para Meireles enviar uma obra. Na época, ele estava com o plano de fazer a instalação Homeless Home (já montada na Bienal da Turquia, em 2003, e cuja origem era um desenho de 1968).

Homeless Home, prevista para ser montada no centro das cidades, volta a ser o foco em São Paulo. Recentemente, Cildo, comparando seu desenho de décadas atrás aos de hoje, observou que o que antes era "sofrimento, crônica social, política e catarse" cedeu lugar à "poesia", mas ressalta que muitas das preocupações que aborda nos "não-desenhos" já apareciam nos desenhos.

Outro nome essencial das grandes exposições nacionais é Nuno Ramos, que volta às mostras de arte após ganhar o Prêmio Portugal Telecom de Literatura com a obra Ó. Ramos tenciona mostrar, no vão central do prédio da Bienal, uma versão expandida de um trabalho com urubus que apresentou no Centro Cultural Banco do Brasil do Distrito Federal. Aquele trabalho do CCBB era intitulado Bandeira Branca, e consistia em uma instalação com três urubus entre caixas acústicas de vidro e três túmulos de areia socada cobertos com pedras negras (homenagem a Goeldi).

A 29ª Bienal está marcada para ocorrer entre 21 de setembro e 12 de dezembro. Além de Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, curadores-chefes, haverá curadores convidados. Eles são a espanhola Rina Carvajal, do Miami Art Museum; o sul-africano Sarat Maharaj, que vive em Londres, onde é professor na Universidade Goldsmiths, e também nas universidade de Lund e Malmo, na Suécia; como assistentes, o angolano Fernando Alvim, que dirige A Trienal de Arte de Luanda; a japonesa Yuko Hasegawa, do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio; e a espanhola Chus Martinez, curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. O presidente da instituição, Heitor Martins, estimou o custo da mostra em cerca de R$ 30 milhões.


Confirmados

Ai Weiwei, artista chinês

Alice Miceli, artista carioca

Antonio Dias, artista paraibano

Artur Barrio, artista português

Cildo Meireles, artista carioca

Emily Jacir, artista iraquiana

Flavio de Carvalho, artista carioca da geração modernista

Francis Alys, artista belga

Isa Genzken, artista alemã

Jeremy Deller, artista britânico

Livio Tragtenberg, compositor e músico paulistano

Nan Goldin, artista norte-americana

Nuno Ramos, artista paulistano

Steve McQueen, artista britânico



por Jotabê Medeiros do Estadão

DOCUMENTA DE KASSEL 2012


por FABIO CYPRIANO da Folha de S.Paulo


Diretora da próxima edição da Documenta conta como elabora a mostra

Desde 1972, a Documenta de Kassel é considerada a mais importante mostra de arte contemporânea. Uma das razões para tanto é que seus diretores têm cerca de quatro anos para organizá-la e, como diz a norte-americana Carolyn Christov-Bakargiev, em tom metafórico, "certos experimentos científicos não podem ser alcançados antes de três ou quatro anos".

Carolyn Christov-Bakargiev, diretora artística da Documenta de 2012

Indicada para diretora artística da Documenta, em dezembro de 2008, por comitê que contou com o brasileiro Paulo Herkenhoff e que teve como finalista Lisette Lagnado, Christov-Bakargiev, 52, ainda está na fase inicial da pesquisa. "Eu queria ter ido ao Brasil, em 2009, ver o Panorama [no Museu de Arte Moderna], do Adriano Pedrosa, mas, como só me desliguei do museu Castello di Rivoli [em Turim], em dezembro, acabei não conseguindo. Mas certamente irei agora em 2010, pois estou criando uma rede, e o país está em minha rota", contou à Folha, por telefone.

"Eu nunca gostei de trabalhar sozinha, eu gosto de colaborações, de pingue-pongue com muita gente. Foi assim que fiz a Bienal de Sydney e a Trienal de Torino", afirma a curadora. Christov-Bakargiev esteve no Brasil quando organizou a Bienal de Sydney, na Austrália, em 2008, e daqui levou quatro artistas para a exposição: Anna Maria Maiolino, Marcellvs L., Hélio Oiticica e Renata Lucas --que já foi convidada para a Documenta, segundo curadores próximos à norte-americana.

Ainda sem um projeto final, já que a mostra se realiza apenas em 2012, Christov-Bakargiev pretende manter algumas das marcas das últimas Documentas, entre elas descentralizar a arte ocidental, como afirma na entrevista abaixo.

Para ser selecionada como diretora artística você precisou elaborar um projeto?
 Carolyn Christov-Bakargiev - Não foi exatamente um projeto. O comitê de seleção me contatou e, para ser aceita como candidata, precisei responder a três questões. A primeira foi para que serve a Documenta e qual é o seu papel; depois, qual é minha metodologia -o que foi muito interessante, pois, estranhamente, nunca pensei nisso, e foi um exercício de autorreflexão. E, finalmente, o que é necessário -uma questão também interessante, porque, afinal, o que se pode dizer que é necessário? Mesmo a vida pode não ser necessária e, então, mudei [a questão] para o que se pode fazer.

Então, o que se pode fazer?
 Christov-Bakargiev - Bom, isso muda com o tempo, mas, basicamente, creio que a Documenta se transformou num estado da mente na paisagem contemporânea, tanto no mundo da arte como além dele. Creio que tenha se tornado um estado mental, pois nela se pode pensar no papel da cultura no mundo. Mas isso eu escrevi há mais de um ano e, talvez, eu mesma já tenha mudado de opinião (risos). Certo é que o mundo se transformou de maneira dramática e radical desde 1955. Hoje, como se sabe, é muito diferente, a arte se tornou popular -o que não era nem mesmo nos anos 1970, quando Harald Szeemann fez a Documenta. Assim, ela sempre esteve vinculada a esse desejo de uma consciência coletiva e, por outro lado, tem sido espaço para debater sobre o alto modernismo e os tempos pós-coloniais, uma negociação durante a globalização.

Mas qual é a diferença entre a Documenta e as bienais e feiras de arte?
 Christov-Bakargiev - As bienais, que hoje chegam a 154 em todo o mundo, possuem uma certa independência territorial e independência enquanto laboratórios de experimentação para novas praticas artísticas e novos modelos de sociedade. Já as feiras de arte, assim como o mercado da arte, não são experimentais e transferem para um objeto artístico um tipo de investimento simbólico de marcas imateriais. Como vivemos numa sociedade de marcas imateriais, que é o mundo digital, de repente as obras de arte são o mais importante produto da sociedade, pois são a materialização de marcas imateriais.
Além desses dois mundos, existe a Documenta, e o que a caracteriza é que ela ocorre a cada cinco anos --e esse tempo a transforma num dinossauro muito lento. Alguém me disse que deveríamos chamá-la de "ela já está atrasada", o que eu não vou fazer, mas, se pensamos no conceito de "inatualidade suprema", como tantos filósofos exploraram na importância de não se estar em dia, isso dá à Documenta um desafio, que é ter outro tempo. Certos experimentos científicos não podem ser alcançados antes de três ou quatro anos, é preciso um longo tempo para se estudar o comportamento de um animal, por exemplo.

E como você a vê até agora?
 Christov-Bakargiev - É uma exposição no centro da Europa, e sou consciente de que isso gera um problema duplo. Por um lado, defendo que toda exposição seja muito baseada no local onde ocorre, pois acredito que a verdadeira experiência da arte tem a ver com o corpo e, portanto, deve ter uma relação com o espaço onde acontece.
A Documenta não pode se fechar nela mesma, pois o incrível movimento que fez com Catherine David (1997) e com Okwui Envezor (2002) foi ajudar a descentralização da arte ocidental e ver a impossibilidade de pensar através de formas que não sejam complexas ou rizomáticas.
Seria absurdo isolar Kassel, sem se descentralizar demais, senão seria uma nova forma de neocolonialismo, o que também seria absurdo. Assim, eu não lhe contei o que vou fazer, mas os problemas com os quais me confronto.

Mostra se fortaleceu nos anos 70

A Documenta de Kassel foi criada em 1955, por Arnold Bode, para reintroduzir a arte moderna na Alemanha, perseguida durante o nazismo e considerada "arte degenerada" -o que chegou a ser o título de uma mostra apoiada por Hitler.
Assim, desde seu início, a Documenta -que começou a ser realizada com periodicidade irregular, mas em 1972 passou a ser organizada a cada cinco anos- teve uma visão internacionalista, contra o fechamento do nazismo.
Em 1972, sob orientação do suíço Harald Szeemann, que a mostra ganhou repercussão internacional, abrigando artistas do grupo Fluxus e da performance e valorizando a função crítica da arte. Desde então, é tida como a mais importante mostra de arte contemporânea.