Exposição reúne três artistas contemporâneos que dialogam com arquitetura românica do São Bento
Antonio Gonçalves Filho do Estadão
Projeto e intervenção contemplado com a verba de um programa do Iphan e patrocinado pela Petrobrás, a exposição Arte e Espiritualidade tem uma proposta ousada: a de dialogar com a arquitetura do mosteiro, um prédio construído no estilo românico das grandes abadias europeias e sufocado pela eclética arquitetura dos vizinhos no centro de São Paulo. Há na mostra desde pinturas de grandes dimensões, que representam temas como o das 14 estações da via-crúcis, executadas por Giannotti e Uchôa, até uma instalação de troncos de eucaliptos que representam o firmamento, passando por genuflexórios fixados de ponta-cabeça no teto dos parlatórios, que dão a eles um aspecto de cenário de um filme de William Friedkin - essas duas últimas obras assinadas por Spaniol. Há ainda lugar para fotografias líricas que evocam a espiritualidade por meio de sombras projetadas em piscinas e em rochas, ambas reveladoras das semelhanças da linguagem artística de Giannotti e Uchôa.
O monge, que mantém seu ateliê ao lado do mosteiro, observa que as suas não são obras de arte religiosa stricto sensu. Ele não se dedica a nenhum tipo de arte sacra, mas existe, segundo o artista, uma religiosidade que perpassa o trabalho. Uchôa, que pintou os passos da Paixão desafiado por Giannotti, realizou a série de 14 telas pensando nas estações como uma "experiência de passagem", em que as figuras surgem e desaparecem no quadro, provocando o olhar do espectador. Autor de pinturas claras, que usavam o branco com a liberdade de um Cy Twombly, nessa série proliferam os vermelhos, trazendo uma carga de violência ausente em seus trabalhos anteriores.
Uchôa vê na arte contemporânea - mesmo nas instalações escatológicas de Damien Hirst e nas mutilações de Marina Abramovic - uma certa espiritualidade resultante da experiência do sofrimento, da dor. Para Giannotti, a arte contemporânea não aboliu a espiritualidade, apenas mostrou que "a beleza não está mais no deleite da contemplação, mas no juízo de alguém que busca um mundo melhor". E lembra inúmeros exemplos de artistas que fizeram do credo de Kandinski - de que toda grande arte é espiritual - obras monumentais, como as capelas assinadas por Matisse, Rothko, Volpi e pelo arquiteto suíço Peter Zumthor, prêmio Pritzker de 2009.
Sobre o papel da espiritualidade na arte contemporânea, José Spaniol, evocando o exemplo do alemão Joseph Beuys, mostra como é possível tratar figuras da simbologia cristã fora da tradição sem ser ofensivo. Sua instalação Ascensão é simples: são armários suspensos por estacas de eucalipto. A verticalidade é intencional. Basta apenas olhar para o alto. É para lá que aponta sua arte.