terça-feira, 13 de janeiro de 2009

08 Leituras em tempo de crise

O projeto ‘Leituras’ é idealizado pelas pesquisadoras portuguesas Silvia Guera e Inês Moreira, interessadas em estudos nas áreas de arquitetura e cultura visual. Trata-se de um assunto de suma importância para o conteúdo do Blog e um tipo de iniciativa que certamente temos carência no cenário brasileiro. Abaixo o texto do evento ‘08 Leituras em Tempo de Crise’ que aconteceu na cidade do Porto nos dias 18 e 27 de dezembro de 2008. Muito interessante.

PETIT CABANON
fonte: artecapital.net

Rua Miguel Bombarda 285, Porto (Loja 24 do Centro Comercial Bombarda)
18 DEZ - 27 DEZ 2008

Um projecto de Sílvia Guerra acompanhada por Inês Moreira
Dias 18 e 27 de Dezembro 08, no Porto

Projecto documental
Produção crítica e teórica sobre a arte e o espaço contemporâneos

Inúmeras práticas artísticas contemporâneas circulam hoje entre países, não sendo sempre acompanhadas por uma produção teórica com a mesma actualidade. É também pouco usual encontrar uma partilha aberta de referências pessoais fora do meio académico.

Nos últimos anos, alguns pensadores (filósofos, economistas, historiadores de arte, sociólogos, arquitectos) têm procurado colmatar a lacuna crítica sobre a criação contemporânea após todas as “mortes da arte” proclamadas nos anos 90 (por Arthur C. Danto, Hans Belting entre outros). A pós-modernidade chegou ao seu fim com todas as pós-produções artísticas que lhe sucederam ficando a arena teórica a repensar os clássicos do século XIX como valores seguros. Hoje é evidente que as teorias sobre a contemporaneidade são tão ecléticas quanto as geografias dos seus autores (felizmente não vivemos numa ditadura global a nível de pensamento). Mas urge acrescentar às citações do século XIX um conjunto de referências do século XXI.

Num momento em que o último sistema económico que nos foi legado do século passado vê abalado os seus próprios alicerces, vimos propor uma partilha de leituras de um conjunto de autores, curiosamente num pequeno espaço localizado dentro de um símbolo da sociedade portuguesa após a sua entrada na CE – o Centro Comercial. Este é contudo um projecto iniciado em troca directa entre as suas autoras, que esperam, também, uma troca com o seu público.

Projecto documental / Leituras públicas

Uma das principais orientações da arte e do comissariado artístico dos últimos anos - talvez mais evidente após a exposição colectiva “Utopia Station” comissariada por Molly Nesbit, Hans Ulrich Obrist e Rirkrit Tiravanija na Bienal de Veneza de 2003 - caracteriza-se pela valorização da documentação e das práticas artísticas processuais afastando-se da obra de arte vista como objecto único e imaterial.

No final de um ano de actividades e de vida, em Dezembro de 2008, o Petit Cabanon acolhe ensaios críticos sobre práticas artísticas e sobre arte, criando espaço para a discussão e para sessões de leitura pública de alguns textos. A proposta consiste em fazer uma hipérbole do conceito de exposição documental; para além de uma simples exposição bibliográfica ou de um trabalho artístico em torno da palavra, propõe-se um processo colectivo de recolha de livros, de frases, de citações e apontamentos recentes: propõe-se uma partilha de bibliografia.

É bom poder neste final de ano trocar ideias abrigadas por uma arquitectura mental partilhada na pequena cabana de férias de Corbu. A era dos manifestos não é a nossa, vivemos talvez na era do post-scriptum. Uma das actividades que perdura em torno da prática artística é a do comentador da arte ou a do seu crítico, que por vezes é também comissário. Parece-nos útil pensar numa re- densificação das atribuições; para o fazer precisamos de partilhar ideias e livros. Sentimos necessidade em criar uma alternativa à Sociedade Citacionista em que vivemos, traduzida numa análise da contemporaneidade e no abrandamento da recorrência à citação de autores do inicio da Modernidade, para abranger, e possivelmente abraçar, novos autores que permitam reflectir e escrever sobre uma sociedade na véspera de sofrer profundas alterações.
Da crítica estética à provocação filosófica, de Slavoj Zizec a Boris Groys, ou da multiplicidade de práticas artísticas à conceptualização do espaço contemporâneo, de Irit Rogoff a Keller Easterling, percorremos textos e projectos que não esquecem a sociedade em mutação nem a implicação política das suas relações com a arte. Todas as escolhas são subjectivas, parciais e situadas no momento e na história de cada uma das leitoras, e posteriormente dos seus convidados. A partilha tem início entre duas pessoas com percursos diferentes entre a filosofia a história da arte e a arquitectura.

Os livros e leituras aqui partilhados continuarão a sua disseminação quando forem doados a uma biblioteca pública da cidade do Porto. A sua entrega será um testemunho de uma troca directa em que autores e leitores voltam a uma situação primordial da economia, em que a troca acontece livre, e talvez apenas comprometida com uma pura vontade de conhecimento e de encontro anónimo.

Como o futuro que nos espera, gostaríamos que estas leituras se tornassem itinerantes, ocupando espaço e hospedagem em lugares diversos. Em cada espaço serão introduzidas novas propostas de leituras sobre o contemporâneo, dilatando um corpo de referências que se espera diversificado, múltiplo e singular como a arquitectura mental de cada um dos seus participantes.

LEITURAS

Art Power, Boris Groys
La subjectivité à venir, Slavoj Zizec
Qu'es-ce que le contemporain? , Giorgio Agamben
Le Spectateur Emancipé, Jacques Rancière
Networked Cultures, Parallel Architectures and the Politics of Space, P. Moertenboeck e H. Mooshammer (eds.)

Did Someone Say Participate? An Atlas of Spatial Practice, Markus Miessen e Shumon Basar (eds.)
Altering Practices, Feminist Politics and Poetics of Space, Doina Petrescu (ed.)
Enduring Innocence, Global Architecture and Its Political Masquerades, Keller Easterling

LINK
www.petitcabanon.blogspot.com

BIOGRAFIA: Miriam Kilali

A artista vive e trabalha em Berlin

Projeto de arte revitaliza abrigo para moradores de rua


fonte: dw-world.de


Casa Schöneweide: albergue para moradores de rua em Berlim Em 2006, Miriam Kilali realizou em Moscou o projeto Riqueza para os Pobres, baseado na idéia de revitalização de um albergue para pedintes e desabrigados que vivem nas ruas da capital russa.

A artista, que trabalhou numa instituição de apoio à população de rua enquanto estudava na capital alemã, chegou através de seu dia-a-dia à idéia de desenvolver o projeto: "Achei que era um cinismo muito grande ver pessoas vivendo na rua e não fazer nada. Foi quando pensei em utilizar a arte para realizar alguma coisa", conta ela.

A implementação bem-sucedida do projeto em Moscou convenceu os responsáveis por um programa de atendimento a desabrigados de Berlim. Eles deram a Kilali a incumbência de revitalizar um abrigo no bairro de Schöneweide, na parte leste da cidade. O tratamento do local durou dois anos, financiado basicamente por doações.

Como num hotel

Hall de entrada: ambiente agradável para moradores e hóspedes esporádicos A Casa Schöneweide fica num cruzamento movimentado, em frente a uma estação de trem. De fora, só a intensidade da cor amarela da fachada destaca o prédio antigo dos outros da redondeza. Quem entra ali, acredita estar chegando a um hotel: lustres imponentes, piso italiano, altas colunas dividindo os ambientes.

Logo depois da porta, há duas poltronas de couro, onde já se pode observar a presença dos freqüentadores do local, que diferem muito de hóspedes costumeiros de um hotel. Trata-se de desabrigados, pedintes e moradores de rua, muitos deles dependentes de drogas e álcool.

A idéia de colocar ali lustres de cristal e sofás vermelhos, por exemplo, poderia ter sido tirada de uma revista de decoração. Interessantes são também os quadros com molduras douradas nas paredes, com obras de arte de apenas uma cor: superfícies amarelas, vermelhas ou verdes. Essas obras são parte do conceito de renovação visual do local desenvolvido por Miriam Kilali.

"Certo exagero"

Nem todos os moradores do albergue compreendem a idéia que está por trás do projeto. A maioria reage de forma positiva às mudanças, embora alguns reclamem de um "certo exagero".

A decoração (lustres, colunas e cores) foi "imposta" pela artista. Já o mobiliário dos quartos, basicamente em branco, foi uma escolha dos moradores. A mesma liberdade eles tiveram em relação às fotos que estão dependuradas nas paredes – em sua maioria reproduções fotográficas de paisagens, feitas pela própria artista nos EUA.

Relação pessoal com o ambiente

Salão de jantar: lustre e mobiliário nobres Wolfgang Binder, que vive na Casa Schöneweide desde 2001, é um dos moradores satisfeitos com o ambiente mais amável e claro de seu quarto, onde estão dependuradas fotos de caminhões na paisagem norte-americana. Binder nunca esteve nos EUA e provavelmente nunca poderá viajar até lá, embora tenha uma irmã vivendo no país.

Para Miriam Kilali, o importante é fazer com que os moradores criem algum tipo de relação pessoal com o lugar onde vivem, passando a ver o albergue como a própria casa, mesmo que provisória.

Bálsamo para a alma

Às críticas de que os lustres imponentes seriam um exagero num abrigo para moradores de rua, a artista responde com o argumento de que um ambiente belo é sempre "um bálsamo para a alma", ou seja, de suma importância para as pessoas que vivem à margem da sociedade.

"Quero que as pessoas, quando entrem aqui, não tenham a sensação de que o lugar é um albergue para alcóolatras e ex-desabrigados, mas que admirem o ambiente. Para também darem aos moradores a sensação de que eles merecem todo o respeito e dignidade", conclui a artista.