segunda-feira, 15 de junho de 2009

CARTA RESPOSTA: Paraisópolis


Carta resposta dos moradores da favela Paraisópolis a matéria da Folha - "Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados"(veja postagem anterior)

Folha de S. Paulo

"Integro um movimento que congrega cerca de cem entidades e, com a comunidade, estamos contribuindo com a campanha Paraisópolis Exige Respeito.
Quando soubemos da visita do grupo de curadores da Bienal de Roterdã à comunidade de Paraisópolis ("Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados", Cotidiano, 9/ 6), decidimos mostrar o outro lado da urbanização (morte em abrigo da prefeitura, despejos de forma violenta com aparato policial, tratores destruindo casa quando a proprietária busca os filhos na creche).
Organizamo-nos com camisetas da campanha e faixas mostrando nossa indignação. Encontramos o grupo de curadores em uma viela e paramos em frente aos carros, solicitando que fôssemos escutados.
Aguardou-se pacificamente que um representante viesse dialogar com o grupo.
Vieram conversar com os manifestantes o arquiteto venezuelano e os repórteres presentes -inclusive o repórter da Folha, que entrevistou vários moradores. Os manifestantes exigiam moradia e respeito e conseguiram marcar uma reunião com a senhora Elizabeth França.
E foi com espanto que lemos a reportagem da Folha, que transformou uma manifestação pacífica de moradores em ato de vandalismo.
Não é verdade que a "favela recebeu o diretor da Bienal holandesa a pedradas". A comunidade recebeu-o com uma manifestação, e a foto do texto comprova o ato pacífico. O grupo não hostilizou os estrangeiros. O objetivo era um diálogo, que ocorreu sem problemas -e só pôde ocorrer por causa da manifestação.
Gostaríamos de saber por que o repórter não escreveu o que ouviu da comunidade? O que motivou o repórter a só apresentar um ponto de vista? A Folha deixou de ter responsabilidade com a comunidade?
Não busca se diferenciar dos jornais sensacionalistas? Por que o repórter fez questão de ressaltar o lado agressivo (que não ocorreu por parte dos manifestantes) em detrimento da verdade?"
MARISA FEFFERMANN , campanha Paraisópolis Exige Respeito (São Paulo, SP)

Resposta do jornalista Vinicius Galvão - A reportagem presenciou o momento em que as pedras foram atiradas por homens em vigília sobre a laje das casas. O texto não afirma que os moradores liderados e trazidos pela missivista atiraram pedras, embora seu grupo tenha impedido por meia hora os arquitetos estrangeiros e os coordenadores da Secretaria de Habitação de sair de um beco. A reclamante não viu as pedradas porque não estava no local quando ocorreram.

Diretores da Bienal de Roterdã vão a favela e são hostilizados


Em Paraisópolis, o grupo foi apedrejado por vigilantes do local e parado por ato contrário a projeto de reurbanização

Estrangeiros se assustam, mas acertam para amanhã reunião com a prefeitura e com os moradores para o esclarecimento do projeto

Vinícius Q. Galvão da Folha de S. Paulo

Com uma câmera na mão, o diretor da Bienal de Arquitetura de Roterdã (Holanda), George Brugmans, não tinha ideia na cabeça do que esperava por ele e pelo grupo de curadores na visita à favela de Paraisópolis, cujo projeto de reurbanização será exibido na mostra.
Numa incursão pelos becos de terra batida e esgoto a céu aberto, homens que faziam vigília nas lajes atiraram pedras, gritaram para que os estrangeiros saíssem dali e disseram que eles não podiam tirar foto. A favela, na divisa das zonas sul e oeste, já foi alvo de ações da polícia em razão do tráfico.
O grupo foi retirado às pressas por assessores da prefeitura, que falavam nervosos ao celular e pediam a presença da polícia, que não apareceu.
"Não importa. Trabalho com revolucionários na Venezuela que puxam a pistola. Já sequestraram um colega de trabalho", disse o arquiteto americano Alfredo Brillembourg, do laboratório de favelas da Universidade Columbia (Nova York).
Ladeira de barro acima, onde o comboio que levava os estrangeiros estava parado, um grupo de cerca de 50 moradores vestidos de preto fechou a saída dos carros. Eles protestavam contra o projeto de reurbanização levado pelos curadores para a bienal na Holanda -a proposta já removeu mil famílias para a construção de um CEU, de uma Fatec e de 1.900 apartamentos.
Dos 60 mil moradores de Paraisópolis, uns 12% serão removidos de onde estão, diz a prefeitura. Eles recebem ajuda de custo de R$ 300 para aluguel durante a construção dos novos prédios onde irão viver.
Os estrangeiros ficaram assustados com o bloqueio. Sem falar português, o americano Brillembourg disse que desceria para conversar com os manifestantes, mas foi impedido por colegas. "Não tem de ter medo, são gente como nós, estão querendo proteger a comunidade", dizia na van.
Àquela altura, os moradores pareciam ser mais e estar mais nervosos. Brillembourg insistiu, abriu a porta -a descontento dos outros- e desceu.
Em espanhol, disse: "Estamos entre amigos. Essa favela é maravilhosa, já vim várias vezes. Em Caracas é pior".
Os moradores puxavam o coro: "Queremos moradia!". "O que você faz aqui é uma lavagem psicológica, vá falar com a prefeitura", disse o subcurador Rainer Hehl a uma das líderes.
Alguns moradores se queixam de que, onde havia barracos, a prefeitura plantou grama. Outros dizem que os alojamentos não têm segurança -uma mulher morreu num incêndio, que a prefeitura diz ter sido iniciado pela própria vítima.
No final, uma reunião ficou acertada para amanhã com o grupo estrangeiro e a prefeitura para esclarecimentos do projeto. Algum tempo depois, ainda nos becos de Paraisópolis, Brugmans, o diretor da bienal, já tranquilo, tomava uma cerveja com os colegas e dizia: "Não entendi nada daquilo".

Artigo: LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Folha de S. Paulo

Bienal de São Paulo e de Veneza


Por que a Bienal de SP vem perdendo relevância artística enquanto a de Veneza continua a alcançar sucesso?


DIANTE DE crise que dura anos, há cerca de duas semanas o Conselho Curador da Bienal de São Paulo escolheu um jovem e dinâmico consultor e colecionador para a presidência da instituição. Logo em seguida, na Itália, a Bienal de Veneza deste ano foi inaugurada com festas que celebram seu êxito.
Por que essa diferença de destinos? Por que a Bienal de São Paulo, que não deixei de visitar desde quando foi inaugurada, em 1951, até 2006, ano a ano vem perdendo relevância artística e apoio social, enquanto a Bienal de Veneza continua a alcançar sucesso e respeito? Por falta de dinheiro, dirá alguém. Por falta de suficiente apoio do Estado, completará outro. E talvez ambos tenham alguma razão. Sugiro, entretanto, outra explicação que não pretende ser exclusiva, porque ela também ajuda a explicar a falta de recursos, mas que, se for levada em conta pela Bienal de São Paulo, poderá levá-la de volta a seus belos tempos. Há uma diferença fundamental entre as duas bienais. Enquanto a de Veneza está dividida em três setores, a de São Paulo está limitada a um. Enquanto Veneza mantém um amplo setor para as representações nacionais no Giardino e no Arsenale, um setor pequeno mas relevante para artistas consagrados no Giardino, e um setor amplo no Arsenale, em que o curador desenvolve um tema e abre espaço para novos artistas, a Bienal de São Paulo decidiu, há alguns anos, de forma arrogante e equivocada, limitar-se ao tema escolhido pelo curador e aos novos artistas. Refletiu, dessa forma, um fato real e até auspicioso: a importância crescente de curadores criativos para os grandes museus e também para as bienais. Mas o fez de forma radical e, por isso mesmo, equivocada.
Um espaço para artistas consagrados é importante porque é educativo e porque dá mais legitimidade à mostra junto aos demais artistas consagrados, independentemente de estarem ou não presentes. Por outro lado, as representações nacionais são importantes porque, por meio delas, é possível lograr a participação de grandes artistas sem custo para a Bienal, já que fica por conta do governo do país representado. Assim, se decidirmos dividir o espaço da Bienal de forma que 45% fiquem para as representações nacionais, 10% para o curador exibir artistas consagrados e 45% para o tema da Bienal daquele ano, teremos uma mostra mais atrativa para o público e mais barata.
Mas, em compensação, essa limitação do poder do curador não implicará uma queda da qualidade artística ou da significação cultural da Bienal? De forma alguma. Primeiro porque ele terá poder sobre os três segmentos da mostra. Mesmo no caso das representações nacionais, poderá e deverá haver negociação. Segundo porque sobrarão mais recursos para o grande segmento temático -para que o curador possa convidar os melhores artistas que estão despontando.
A Bienal de São Paulo sempre teve um papel importante na difusão da arte de vanguarda brasileira e mundial e na consagração de novos artistas. Por meio dela, a cidade de São Paulo e o Brasil se integram na contemporaneidade, participam das experimentações de vanguarda cultural e da crítica fundamental que transparece na arte conceitual.
Mais do que antes, vemos hoje os artistas se apropriarem das tecnologias mais avançadas para inovar e criar. Não podemos deixar uma instituição como essa morrer por incompetência administrativa e arrogância intelectual. O conselho da Bienal e seu novo presidente têm diante de si um belo desafio.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: www.bresserpereira.org.br
bresserpereira@gmail.com