sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ARTIGO PRÉ BIENAL

Experimentando Carvalho

por Camila Molina do Estado

Neste ano, você vai ouvir falar muito dele, o rei das experiências

Em 1931, o artista Flávio de Carvalho (1899-1973) realizou a Experiência nº 2 em São Paulo: de boné, andou em sentido contrário ao cortejo de uma procissão de Corpus Christi. Esta ação quase o levou a ser agredido pelas pessoas, que o consideraram um desrespeitador dos costumes religiosos. Interessado no estudo da antropologia e da psicanálise, ele teve de ser protegido pela polícia. Hoje, certamente, esse ato "pode parecer quase uma bobagem, uma provocação que não teria mais impacto", como diz Moacir dos Anjos, coordenador geral da 29ª Bienal de São Paulo, cuja mostra, este ano, em setembro, terá justamente Flávio de Carvalho e aquela experiência contraconvencional como uma das âncoras principais para tratar do tema Arte e Política. Será o ano de Carvalho.

Juntando a participação de destaque do artista na próxima Bienal e ainda a retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) vai dedicar a esse criador entre 15 de abril e 13 de junho, 2010 já se configura mesmo como o ano do resgate de Flávio de Carvalho, oportunidade mais do que especial para se pensar a contribuição plural desse artista - pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro, vanguardista -, que atuou num contexto de passagem do moderno para o contemporâneo. Soma-se, ainda, o lançamento, em 2010, do livro Dialética da Moda, que a editora Cosac Naify prepara como coletânea de artigos que Carvalho publicou em 1956 no extinto Diário de São Paulo - naquele mesmo ano, ele realizou a Experiência nº 3, passeando pelo Viaduto do Chá com seu New Look, traje formado por saiote com pregas, blusa com mangas folgadas, meia arrastão e sandália de couro. E tem mais: a mostra La Deriva És Nuestra, que ocorrerá a partir de 4 de maio no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, na Espanha - coletiva com curadoria de Lisette Lagnado que tem Flávio de Carvalho como ponto de partida, principalmente sua relação com arquitetura e urbanidade.

Pode até ter sido uma coincidência a junção de todas essas iniciativas em torno do artista, mas é curiosa a movimentação ao redor de um único criador. "Este é um momento de quebra de certezas e a obra de Flávio de Carvalho surge naturalmente por ele ser um artista nessa linha, contemporâneo porque faz questionar o nosso próprio tempo", diz Moacir dos Anjos. "É importante criar essa repercussão, repensar a história da arte no País, que exclui certos artistas, pouco afeitos a definições, porque perturbam sua narrativa", afirma ainda o coordenador da 29ª Bienal. "A obra de Flávio de Carvalho é de difícil interpretação e ele entra na reflexão sobre o que é moderno e contemporâneo, algo que tem ligação com o timing do MAM", diz Felipe Chaimovich, curador do museu, que convidou Rui Moreira Leite para conceber a retrospectiva. "Esse rumor em torno dele é para mim surpreendente", afirma Lisette Lagnado, que está há dois anos preparando a exposição para o Reina Sofia.

Flávio de Carvalho é um artista que criou em várias frentes. Formado em Engenharia, estudou em Paris e na Inglaterra entre 1911 e 1922, voltando a São Paulo pouco tempo depois da realização da Semana de Arte Moderna de 22. Seus primeiros projetos modernos foram dedicados à arquitetura, entretanto, não foram concretizados, como o que participou, em 1927, do concurso Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Já naquela época era tido e havido como o "revolucionário romântico", definiu o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965).

"Ele, em qualquer momento, estava na onda sem estar nela propriamente", diz Rui Moreira Leite, autor do livro Flávio de Carvalho - O Artista Total (Editora Senac) e curador da retrospectiva no MAM. Entre tantas atividades, travou contato com os surrealistas europeus; fundou, em 1932, o Clube dos Artistas Modernos (CAM), com Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado; faz performances como a Experiência nº 2; pinturas de raiz expressionista (a exposição de 1948, no Masp, lhe dá a visibilidade ampla); cenário e figurinos para A Cangaceira, um dos espetáculos do Ballet do 4º Centenário de São Paulo; escreve e lança livros; realiza a Experiência nº 4, de cunho antropológico, na Amazônia, com quase 60 anos.

Sendo assim, a retrospectiva no MAM não vai se centrar no Flávio de Carvalho artista plástico, porque seria muito pouco. O mote, segundo o curador, será os vínculos que o criador estabeleceu em sua trajetória, culminando numa produção tão plural. "Vamos acompanhar a cabeça do Flávio, mas a dificuldade é que não se pode exagerar na quantidade de informação", diz Moreira Leite. "Flávio sempre passou uma ideia de ser maluco, mas era tudo muito claro para ele." A retrospectiva, com documentos, livros, ampliações fotográficas, projetos e obras originais (do museu e de outras instituições e de colecionadores particulares) ocupará a Grande Sala do MAM.

Por outro lado, ao mesmo tempo, na Sala Paulo Figueiredo do museu, se dará uma relação de Flávio de Carvalho com a contemporaneidade, por meio da mostra A Cidade do Homem Nu, com curadoria do colombiano Inti Guerrero. Nela a obra do artista estará em diálogo com imagens do cantor Ney Matogrosso e de criadores nacionais e internacionais como Claudia Andujar, Cristina Lucas, Miguel Angel Rojas e Daria Martin.

Já na 29ª Bienal de São Paulo o desafio, por enquanto, será o de apresentar a Experiência nº 2 (da qual não se há nenhum registro físico), na vertente da relação entre arte e política. "Como descrever a ação sem falar do contexto de uma São Paulo conservadora, religiosa? Pensamos em criar ambiente que revele a potência desse trabalho", diz Moacir dos Anjos. A mostra ainda está em fase de plena pesquisa, mas não interessa ao projeto da 29ª Bienal ter "uma sala especial Flávio de Carvalho", como adianta o curador. "Nosso interesse principal é atualizar a exposição de Flávio de Carvalho." Moacir dos Anjos também frisa que não se trata de um redescobrimento do artista no Brasil e que a escolha dele como um destaque de "potência para a arte contemporânea" pode render outros frutos. "Ele é relativamente pouco conhecido internacionalmente e esta é uma proposição da Bienal para fora", diz o curador.

'Waltercio e sua sintonia poética

Salas e Abismos propõe reflexão sobre as múltiplas formas com que o artista explorou a arquitetura

A relação entre a obra de arte e o espaço que a circunda, que sempre foi uma das questões motrizes do trabalho de Waltercio Caldas, recebe agora atenção especial do artista, tornando-se elemento central não apenas da alentada exposição Salas e Abismos, em cartaz até fevereiro no Museu Vale, em Vila Velha (ES), mas também fio condutor do livro homônimo, a ser lançado no próximo mês, em coedição pelo museu capixaba e pela editora Cosac Naify. Percorrendo ambientes criados pelo artista desde a década de 80 em diversos espaços do Brasil e do exterior e reunindo textos pontuais de Paulo Venâncio Filho, Paulo Sérgio Duarte e Sônia Salzstein, a obra propõe uma espécie de reflexão visual sobre as múltiplas e obsessivas formas com que Waltercio explorou a arquitetura.


Ao longo de 240 páginas, o leitor tem acesso a 28 ambientes criados pelo artista, desde Ping-Ping (obra criada em 1980) até sua mais recente instalação, O Silêncio do Mundo, uma espécie de imersão cromática de grande impacto e marcada por uma espécie de suspensão silenciosa. Há também amplo espaço dedicado a obras de difícil acesso ao público brasileiro, como aquelas feitas para Bienais de Veneza (1997 e 2007) ou para as recentes exposições que o artista realizou na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa) e Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), ambas em 2008.

Assim como na exposição - que a partir de junho poderá ser vista em versão ampliada também no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro -, onde cada uma das salas retratadas parece desdobrar-se na outra, o livro propõe um encadeamento, um diálogo entre imagens com grande sintonia formal e poética. Como explica o artista, são trabalhos realizados em diferentes épocas de sua vida, que apresentam soluções distintas para questões diferentes e que, no entanto, possuem uma surpreendente unidade. São como "versões contínuas e incessantes da mesma sala", sintetiza por sua vez o curador Paulo Venâncio Filho.

Aspectos como a contraposição entre linhas e planos, uma recorrente exploração do contraste entre transparência e densidade cromática ou o adensamento do espaço vazio por meio de sutis, porém potentes, elementos simbólicos e rítmicos se destacam, traçando uma linha de união entre as obras. Não à toa Sonia Salzstein fala em "inteligência formal camaleônica" ao se referir aos desdobramentos na obra de Waltercio. Trata-se de uma teia de significações que se expande em diferentes sentidos, temporais e espaciais.

Não importa se a escala é diminuta, como em pequenas associações de objetos, como em Cabe ao Abismo Construir Seus Personagens, ou se a ação assume grandes dimensões (é o caso por exemplo de Quarto Amarelo, uma intervenção-homenagem à arquitetura de Álvaro Siza no Centro Galego de Arte Contemporânea). O que está em jogo é sempre a relação entre o ambiente e a obra. Ou, mais especificamente, entre a cena construída e o espectador. "O que me interessa não é simplesmente montar uma exposição, mas buscar relações, tentar entender a maneira como o corpo humano se move, como o olhar se comporta", explica Waltercio, lembrando que esse tipo de questão já o movia desde as primeiras maquetes que construiu, ainda em meados da década de 60.

Ele conta que sempre o intrigou a paralisia das obras de arte. Ao contrário de outras formas de expressão artística, que se movem diante do espectador, as artes visuais dependem da mobilidade do espectador para adquirir sentido. "São as pessoas que andam e não a obra", acrescenta, atribuindo a isso um certo receio pessoal em aceitar a pintura como uma questão produtiva. Não que elementos pictóricos como a cor e a linha estejam ausentes de seu trabalho. Eles tem aí uma presença fundamental, mas questionadora. Surgem não para referendar a ilusão da representação no espaço bidimensional, mas sim para ampliar os ângulos de percepção, contribuindo com o jogo de escalas, materiais e ambientes.

Maria Hirszman do ESTADÃO

SERVIÇO
Salas e Abismos, Waltercio Caldas
Museu Vale
Pátio da Antiga Estação Pedro Nolasco Pedro Nolasco s/n - Argolas
Vila Velha / Espirito Santo
CEP 29114-920
Telefone: 55 (27) 3333-2484
24 de outubro a 21 de fevereiro terça a domingo, das 10 às 18h e sexta, das 12 às 20h

EXPOSIÇÃO EM SP: Gary Hill


Circumstances/Circunstâncias',
mostra de sensação visual

O americano Gary Hill foi um dos precursores da videoarte, nos anos 70 e traz cinco instalações ao MIS


Na obra ‘Viewers’, 15 homens encaram (em silêncio) o visitante.]

Gary Hill se considera um ‘artista da linguagem’. Apesar de nunca ter abandonado a escultura (primeira técnica a que se dedicou), foi como um dos precursores da videoarte que ele ganhou fama nos anos 70.
Agora, o artista multimídia tem cinco obras em Circunstances/Circunstâncias, no Museu da Imagem e do Som (MIS). "As ideias me vêm como um flash; eu simplesmente sinto e faço", diz ele. E talvez seja essa a melhor forma de aproveitar a exposição - sentindo todas as obras.

SERVIÇO

Onde: MIS. Av. Europa, 158, Jd. Europa, 2117-4777.
Quando: 12h/19h (dom. e fer., 11h/18h; fecha 2ª).
Abre 4ª (20).
Até 21/3.
Quanto: R$ 4 (dom., grátis).

ARTIGO MUITO BOM: por LUCIANO TRIGO



O bigode de Sarah Maple

Ainda que existam artistas contemporâneos relevantes, no cenário pós-histórico em que vivemos, quem dita todas as regras é o mercado




NO COMEÇO dos anos 50, Matisse recebeu de seu filho Pierre, marchand radicado em Nova York, catálogos que reproduziam obras de Pollock e outros artistas do expressionismo abstrato. Ele mostrou os catálogos a Picasso, seu velho amigo e rival, que rejeitou de forma categórica aquela nova maneira de pintar, "francamente desagradável".


Matisse ponderou que um artista não pode compreender -e, portanto, não deve julgar- as inovações de seus sucessores. Picasso discordou: "Sou contra esse tipo de coisa".


A conversa é narrada por Françoise Gilot em suas memórias. Procuro lembrar-me dela quando escrevo sobre a produção artística contemporânea. Picasso, gênio que revolucionou ao menos três vezes a história da arte, destruindo uma convenção após a outra, não foi capaz de aceitar um movimento moderno que, de certo modo, era um desdobramento das inovações que ele próprio desencadeara. 
A história está cheia desses exemplos de artistas que causaram escândalo por estarem à frente de seu tempo. Mas, por necessária que seja, essa constatação, sintetizada no argumento de Matisse, não deve virar um dogma limitador da reflexão crítica -do contrário, toda e qualquer bobagem que se apresente como arte estará protegida de antemão de contestação.


Não estamos longe disso, aliás.


Por exemplo, a jovem Sarah Maple vem sendo apontada como a nova revelação da arte contemporânea. Dá para conhecer um pouco de sua já premiada produção no site www.sarahmaple.com - onde ela é apontada como herdeira de Tracey Emin (que, por sua vez, se consagrou internacionalmente ao expor como obra de arte a própria cama desarrumada, com lençóis sujos, camisinhas etc). 
Daqui a um ano ou dois aparecerá a herdeira de Sarah, que será premiada pela Tate Gallery, ganhará destaque na mídia e também inscreverá seu nome na história da arte.


Uma das obras de Sarah Maple é uma fotografia em que ela aparece com um penteado fashion, um batom berrante e creme de barba no rosto simulando um bigode. O autorretrato é intitulado "A tribute to Frida". Para não deixar dúvidas sobre a piada, a artista usa no peito um button de Frida Kahlo. Só faltou uma legenda explicando que a mexicana tinha bigode.


Quanta profundidade! Sem falar na luz, nas cores, na composição... Trata-se, sem dúvida, de verdadeira Picassa.


Em outra série de fotografias, disponível no site e intitulada "Cocks", Sarah fotografa a si mesma com diferentes "paus" (um galho, um telefone, um guarda-chuva, um exemplar do livro "Código da Vinci" ("Da Vinci Cock!") -uma ideia que exige uma idade mental de aproximadamente cinco anos. Se é esse o nível do debate sobre as questões de gênero na arte hoje, estamos mal das pernas.


Também se afirma que Sarah contribuiu para o debate sobre a opressão sexual e religiosa ousando usar burca e seios de plástico. Será mesmo? Ou se trata apenas de mais uma reedição do surrado recurso de provocar polêmica barata?

Em 1919, quando Marcel Duchamp também recorreu a um bigode (na Mona Lisa) para chamar a atenção, isso até fazia sentido. Mas que relevância tem essa "transgressão" 90 anos depois?


Uma fração significativa da arte contemporânea está cada vez mais parecida com a indústria da música: muita atitude, rebeldia de butique, rostinho bonito e zero talento.


Haverá quem diga: sempre houve artistas medíocres, é melhor ignorar esse tipo de obra. Discordo. Sarah Maple não é uma pobre coitada, uma inocente que mereça desdém ou compaixão. Ela encarna a "mainstream" da arte contemporânea: é essa a produção que as instâncias mais poderosas do sistema da arte reconhecem, promovem, premiam e vendem (nos dois sentidos) como o que de melhor se faz hoje. É esse o padrão que se estabelece, diante da complacência geral e da falência da crítica.


Isso não passa em branco: tem impacto até no mais bem-intencionado estudante de arte, que se matricula numa escola de artes visuais e se depara com um mundo em que técnica, talento, disciplina e estudo não têm mais importância. Que conhecimento da história da arte é necessário para tirar uma fotografia segurando um celular como se fosse um pau?


Ainda que existam artistas contemporâneos relevantes, como existem, no cenário pós-histórico em que vivemos, quem dita todas as regras é o mercado, sem que exista nenhuma reflexão crítica independente e informada como contrapoder. 
Diferentemente dos artistas e movimentos modernos, que contestavam as instituições e o mercado, hoje se adere incondicionalmente a ambos. E, como há técnicas para fazer as pessoas comprarem (em sentido real e figurado) qualquer coisa, muitas vezes a mediocridade triunfa, por mais que se tente dourá-la com discursos vazios e citações pedantes.

LUCIANO TRIGO, jornalista e escritor, é autor, entre outras obras, de "A Grande Feira - Uma Reação ao Vale-Tudo na Arte Contemporânea".

EXPOSIÇÃO EM SP: Andy Warhol


Depois de passar por Buenos Aires, chega em março à Estação Pinacoteca, em São Paulo, uma megaexposição com 170 obras de Andy Warhol. Será a maior mostra do artista no Brasil. Entre os trabalhos, estão os retratos de Marilyn Monroe e Jackie Kennedy e as latas de sopa Campbell's.

NOTÍCIAS: 29ª Bienal

EMPRÉSTIMO

Os curadores da 29ª Bienal de São Paulo viajaram para Nova York, no fim do ano passado, para tentar conseguir com o MoMA retratos do grupo guerrilheiro Baader-Meinhof, que fazem parte do seu acervo. Mas a direção do museu vetou o empréstimo. Segundo a assessoria da Bienal, o MoMA tem um cronograma de empréstimos para os próximos três anos, no qual o pedido brasileiro não estava previsto.

Em tempo: a Bienal confirma a participação da artista alemã Isa Genzken e do belga Francis Alys na mostra e diz que 40 dos 40 artistas convidados aceitaram expor no evento.

MAIS UMA BIENAL NO BRASIL

Bahia retoma Bienal de arte em 2011

Iniciativa substitui o Salão da Bahia, organizado há 16 anos, e visa inserir o Estado em circuito internacional 




Após 43 anos, a Bahia retoma a realização de uma bienal de arte contemporânea, que deve ser realizada no início de 2011, em vários espaços de Salvador. O anúncio seria feito ontem, na abertura da exposição "Coleção MAM-BA: 50 anos de Arte Brasileira", no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), pelo governador Jaques Wagner.


Em 1966 e 1968, também por iniciativa do governo do Estado, Salvador foi sede de duas bienais. A primeira edição premiou Hélio Oiticica, Lygia Clark, Rubem Valentim e Rubens Gerchman. A segunda, fechada no dia seguinte da abertura, por imposição da ditadura militar, não teve continuidade. Criada por um decreto estadual, a nova Bienal substitui o Salão da Bahia, organizado há 16 anos no MAM-BA.


"Além de ser um resgate histórico, a organização dessa Bienal visa inserir a Bahia em um circuito internacional", diz Daniel Rangel, da diretoria de museus da Secretaria de Estado da Cultura da Bahia, que, com Solange Farkas, é um dos idealizadores da mostra. A Bienal Internacional de Arte da Bahia deve ocorrer em diversos locais da cidade, como o MAM, o Palacete das Artes (onde funciona o Museu Rodin), o Museu de Arte da Bahia, o Centro Cultural Solar Ferrão, no Pelourinho, e o Museu de Arte da Bahia, todos vinculados ao governo do Estado, e ainda em novos locais no cais no porto.


"Era preciso pensar um novo modelo depois de 16 anos de Salão e essa Bienal terá um foco, que é dialogar com as bienais periféricas e apresentar a produção africana e latino-americano", conta Farkas. Até março, segundo Farkas e Dantas, será constituído um conselho que irá escolher o curador da primeira edição.


"Nossa ideia é fortalecer o circuito de arte da Bahia, do qual fazem parte cinco salões e Bienal do Recôncavo. O que buscamos é aprimorar o que existe aqui", afirma Farkas.

Exposição faz balanço de salão de arte na Bahia

Com 82 obras, mostra revê história de tradicional evento com a produção brasileira



MAM cria política para melhorar compra de obras de artistas como Pierre Verger e Mario Cravo Neto, mal representados no museu 


Há 16 anos, dezembro era o mês de abertura do Salão da Bahia, um dos eventos de maior visibilidade da nova produção nacional, no Museu de Arte Moderna da Bahia.


Com o fim do salão, por meio do decreto que criou a Bienal da Bahia, publicado no "Diário Oficial" do Estado na última sexta, a "Coleção MAM-BA, 50 Anos de Arte Brasileira" representa um balanço do projeto.


"O salão foi praticamente a única forma de aquisição e isso representa um problema sério para o museu, pois como é possível que artistas como Miguel Rio Branco, Mario Cravo Neto e Pierre Verger estejam tão mal representados aqui?", questiona Solange Farkas, diretora do MAM-BA e organizadora da mostra. Agora, Farkas dará início a uma nova política de aquisição, por meio de um Núcleo de Arte Contemporânea.


A mostra se divide em quatro módulos: "Contemporâneos", "Fotografia", "Modernistas" e "Rubem Valentim", este ocupando sozinho a capela do local, numa espécie de instalação.

"Modernistas", composto por apenas cinco obras, representa as primeiras aquisições do museu, quando de sua criação, em 1949, com telas que hoje são ícones da produção nacional, como "O Boi", de Tarsila do Amaral, ou "Vendedor de Passarinhos", de Portinari.


Modernistas, fotógrafos e contemporâneos, aliás, dividem o mesmo espaço, o famoso casarão reformado por Lina Bo Bardi. Lá estão alguns dos nomes com maior projeção da produção nacional, como Marepe, Regina Silveira, Leda Catunda, Cravo Neto e Verger.


Elegante, a exposição foi muito elogiada pelos conselheiros do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), empossados na última sexta em Salvador. "Essa mostra coloca o museu em um novo patamar, no mesmo nível de instituições internacionais", comentou o curador Fabio Magalhães.

SERVIÇO

Quando: de ter. a dom., das 13h às 19h, sáb., das 13h às 21h; até 28/3
Onde: MAM-BA (av. Contorno, s/nº, Salvador, tel. 0/xx/71/3117-6133)
Quanto: entrada franca

Fábio Cypriano da Folha de S.Paulo

CRÍTICA: Livro "As Vidas dos Artistas", de Calvin Tomkins

por Fábio Cypriano da Folha de S.Paulo


Com a voz dos artistas, livro retrata a arte contemporânea

Poucos são os livros que conseguem abordar a produção atual sem cair em estereótipos ou mesmo forçar a barra ao encaixar certos artistas como meros oportunistas que se aproveitam da recente explosão do mercado de arte contemporânea.

Livros falam sobre a vida de grandes nomes da arte contemporânea

"As Vidas dos Artistas", de Calvin Tomkins, faz parte do seleto grupo que traz uma abrangente visão dos procedimentos de produção contemporânea ao dar a voz, em primeiro plano, aos próprios artistas. Nos últimos dez anos, Tomkins, autor da ótima biografia de Marcel Duchamp, "Duchamp" (Cosac Naify, 2005), publicou perfis de protagonistas da arte contemporânea, como Jeff Koons, Damien Hirst e Matthew Barney para a revista "The New Yorker".

O livro, uma reunião de dez desses perfis, revela-se um típico exercício de jornalismo literário, com textos extensos, que mostram intimidade entre o autor e os artistas: Tomkins vai ao cinema com Cindy Sherman, visita a casa de veraneio de Jasper Johns em St. Martin, no Caribe, anda de táxi com Hirst, caminha pela cratera de James Turrel, no norte do Arizona (EUA).

Em cada situação, o autor revela detalhes que ilustram o procedimento criativo de cada um, acrescentando ainda depoimentos de outros artistas, galeristas, críticos e amigos. Os demais escolhidos são Julian Schnabel, Richard Serra, Maurizio Cattelan e John Currin.

Obra sem título de Cindy Sherman, produzida com bonecas mutiladas em 1994, após um divórcio

Estrelas contemporâneas

O próprio autor afirma, na introdução do livro, que a seleção não apresenta "nenhum denominador comum, entre eles", mas, na verdade, todos são estrelas de primeira grandeza no cenário atual, afinal Sherman é uma das principais renovadoras da fotografia, Serra, da escultura e Johns, da pintura. No entanto, tal divisão por suporte, como se sabe em arte contemporânea, é inútil, e aí está um dos méritos de Calvin Tomkins, que, em vez de investigar o meio usado pelo artista, interessa-se pela sua própria forma de vida.

Contudo isso não é realizado em um desenrolar de fofocas, como o universo das celebridades tanto preza, mas de forma discreta e contextualizada, onde o autor aborda desde a formação de cada artista até suas relações com museus e galerias.

Momentos-chave


Há muitas passagens intrigantes. Uma das melhores é quando Kim Levin, crítica do "Village Voice", arrasou, em um texto, as pinturas de mulheres um tanto deformadas de Currin, por considerá-las machistas, quando de sua primeira individual na galeria Andrea Rosen, em 1992. Dez anos depois, em 2003, ela assume e diz "Eu estava errada", o que atesta como o escrever da história pode ser alterado quando o artista segue sua carreira.

Claro, há histórias mais extravagantes, como os surtos hedonistas de Hirst, que costumava baixar a calça e mostrar a genitália nas festas, mas tais situações são apenas detalhes de uma inteligente e intrigante narrativa da produção atual, principalmente daquela produzida nos Estados Unidos, para onde os textos foram criados. Quem ler "As Vidas dos Artistas", se usar as lentes corretas, vai compreender muito melhor o que é a arte contemporânea.

AS VIDAS DOS ARTISTAS
Autor: Calvin Tomkins
Editora: Bei
Quanto: R$ 57 (280 págs.)
Avaliação: ótimo

EXPOSIÇÃO

MAM celebra dez anos do Núcleo Contemporâneo e aumenta acervo


O MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) inicia suas atividades de 2010 com uma comemoração. A casa estreia a mostra "Dez Anos do Núcleo Contemporâneo", que celebra uma década da iniciativa que ajudou a formar um grupo de apreciadores da arte contemporânea e aproveita ainda para aumentar o acervo com obras conquistadas por meio do programa.

Com o dinheiro angariado pelo Núcleo --o espectador paga anuidade individual de R$ 714 para participar de atividades exclusivas e ganhar passe livre nas exposições, entre outros benefícios--, o MAM comprou a obra "Quadris de Homem = Carne/Mulher = Carne" (1995), de Laura Lima, e conquistou o título de primeiro museu brasileiro a ter uma performance em sua coleção artistica. Na mostra comemorativa, ela será apresentada no próximo dia 26, quando será lançado o catálogo da exposição.

Essa instalação humana divide espaço com outras 29 obras selecionadas de um montante de 169 trabalhos que pertencem ao Núcleo. Entre elas estão "O Telhado" (1998), de Marepe, "Nota sobre uma Cena Acesa ou os Dez Mil Lápis" (2000), de José Damasceno, e "Templo" (2000), de Franklin Cassaro.

"Entre o Figurativo e o Abstrato" (1983), de Leda Catunda, e "The Descent from the Cross (after Caravaggio)" (2000), de Vik Muniz, firmam o foco do programa no experimentalismo artístico contemporâneo.

A curadoria da exposição comemorativa é de Felipe Chaimovich, curador do MAM-SP.

SERVIÇO

DEZ ANOS DO NÚCLEO CONTEMPORÂNEO

Quando: ter. a dom., das 10h às 17h30; até 4/4
Onde: MAM (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 5085-1300)
Quanto: R$ 5,50