Experimentando Carvalho
por Camila Molina do EstadoNeste ano, você vai ouvir falar muito dele, o rei das experiências
Juntando a participação de destaque do artista na próxima Bienal e ainda a retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) vai dedicar a esse criador entre 15 de abril e 13 de junho, 2010 já se configura mesmo como o ano do resgate de Flávio de Carvalho, oportunidade mais do que especial para se pensar a contribuição plural desse artista - pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro, vanguardista -, que atuou num contexto de passagem do moderno para o contemporâneo. Soma-se, ainda, o lançamento, em 2010, do livro Dialética da Moda, que a editora Cosac Naify prepara como coletânea de artigos que Carvalho publicou em 1956 no extinto Diário de São Paulo - naquele mesmo ano, ele realizou a Experiência nº 3, passeando pelo Viaduto do Chá com seu New Look, traje formado por saiote com pregas, blusa com mangas folgadas, meia arrastão e sandália de couro. E tem mais: a mostra La Deriva És Nuestra, que ocorrerá a partir de 4 de maio no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, na Espanha - coletiva com curadoria de Lisette Lagnado que tem Flávio de Carvalho como ponto de partida, principalmente sua relação com arquitetura e urbanidade.
Pode até ter sido uma coincidência a junção de todas essas iniciativas em torno do artista, mas é curiosa a movimentação ao redor de um único criador. "Este é um momento de quebra de certezas e a obra de Flávio de Carvalho surge naturalmente por ele ser um artista nessa linha, contemporâneo porque faz questionar o nosso próprio tempo", diz Moacir dos Anjos. "É importante criar essa repercussão, repensar a história da arte no País, que exclui certos artistas, pouco afeitos a definições, porque perturbam sua narrativa", afirma ainda o coordenador da 29ª Bienal. "A obra de Flávio de Carvalho é de difícil interpretação e ele entra na reflexão sobre o que é moderno e contemporâneo, algo que tem ligação com o timing do MAM", diz Felipe Chaimovich, curador do museu, que convidou Rui Moreira Leite para conceber a retrospectiva. "Esse rumor em torno dele é para mim surpreendente", afirma Lisette Lagnado, que está há dois anos preparando a exposição para o Reina Sofia.
Flávio de Carvalho é um artista que criou em várias frentes. Formado em Engenharia, estudou em Paris e na Inglaterra entre 1911 e 1922, voltando a São Paulo pouco tempo depois da realização da Semana de Arte Moderna de 22. Seus primeiros projetos modernos foram dedicados à arquitetura, entretanto, não foram concretizados, como o que participou, em 1927, do concurso Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Já naquela época era tido e havido como o "revolucionário romântico", definiu o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965).
"Ele, em qualquer momento, estava na onda sem estar nela propriamente", diz Rui Moreira Leite, autor do livro Flávio de Carvalho - O Artista Total (Editora Senac) e curador da retrospectiva no MAM. Entre tantas atividades, travou contato com os surrealistas europeus; fundou, em 1932, o Clube dos Artistas Modernos (CAM), com Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado; faz performances como a Experiência nº 2; pinturas de raiz expressionista (a exposição de 1948, no Masp, lhe dá a visibilidade ampla); cenário e figurinos para A Cangaceira, um dos espetáculos do Ballet do 4º Centenário de São Paulo; escreve e lança livros; realiza a Experiência nº 4, de cunho antropológico, na Amazônia, com quase 60 anos.
Sendo assim, a retrospectiva no MAM não vai se centrar no Flávio de Carvalho artista plástico, porque seria muito pouco. O mote, segundo o curador, será os vínculos que o criador estabeleceu em sua trajetória, culminando numa produção tão plural. "Vamos acompanhar a cabeça do Flávio, mas a dificuldade é que não se pode exagerar na quantidade de informação", diz Moreira Leite. "Flávio sempre passou uma ideia de ser maluco, mas era tudo muito claro para ele." A retrospectiva, com documentos, livros, ampliações fotográficas, projetos e obras originais (do museu e de outras instituições e de colecionadores particulares) ocupará a Grande Sala do MAM.
Por outro lado, ao mesmo tempo, na Sala Paulo Figueiredo do museu, se dará uma relação de Flávio de Carvalho com a contemporaneidade, por meio da mostra A Cidade do Homem Nu, com curadoria do colombiano Inti Guerrero. Nela a obra do artista estará em diálogo com imagens do cantor Ney Matogrosso e de criadores nacionais e internacionais como Claudia Andujar, Cristina Lucas, Miguel Angel Rojas e Daria Martin.
Já na 29ª Bienal de São Paulo o desafio, por enquanto, será o de apresentar a Experiência nº 2 (da qual não se há nenhum registro físico), na vertente da relação entre arte e política. "Como descrever a ação sem falar do contexto de uma São Paulo conservadora, religiosa? Pensamos em criar ambiente que revele a potência desse trabalho", diz Moacir dos Anjos. A mostra ainda está em fase de plena pesquisa, mas não interessa ao projeto da 29ª Bienal ter "uma sala especial Flávio de Carvalho", como adianta o curador. "Nosso interesse principal é atualizar a exposição de Flávio de Carvalho." Moacir dos Anjos também frisa que não se trata de um redescobrimento do artista no Brasil e que a escolha dele como um destaque de "potência para a arte contemporânea" pode render outros frutos. "Ele é relativamente pouco conhecido internacionalmente e esta é uma proposição da Bienal para fora", diz o curador.
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