É o que virou a Bienal deste ano, por incentivo dos curadores, que pediram aos artistas para criar a partir do espaço concedido
Camila Molina, VENEZA
Numa quantidade extensa de traduções, Fare Mondi, título da 53ª Bienal de Arte de Veneza, aberta ontem para o público, agrega uma série de significados, como diz o alemão Jochen Volz, que, ao lado do sueco Daniel Birnbaum, assina a curadoria desta edição. Volz faz uma lista de possibilidades em torno do tema: Fazer Mundos, em português, poderia remeter a algo mais prático; em alemão, a um ato grandioso; em sueco, a uma construção de caráter espiritual; em francês, a ação mais pragmática, e assim por diante. Ele vai elencando conotações, não deixando de chamar a atenção para aquele ideal de que as atuações dos artistas podem carregar todas as significações ao mesmo tempo.
Uma medida dos curadores foi levar os criadores a fazerem suas obras pensando no espaço específico que teriam na mostra e, assim, Fare Mondi se transformou, principalmente, numa Bienal de instalações (algumas grandes e poucas de impacto), repleta de trabalhos de 2009 e com intervenções por vários pontos do Arsenale. Um exemplo é o zepelim "entalado" pelo mexicano Héctor Zamorra (ele vive no Brasil) em um dos corredores do local.
Outra ideia foi a de que não existe uma linha reta da história da arte, mas confluências de pesquisas entre consagrados e jovens ao mesmo tempo. Só que a base da mostra são as experimentações do terreno conceitual a partir dos anos 1960. "Pensamos em quais artistas têm uma atualidade, são vivos, e ao mesmo tempo, referência", diz Volz ao Estado. Por isso, não há as obras do chamado caráter histórico nas exposições.
O italiano Michelangelo Pistoletto, nascido em 1933, participa no Arsenale com uma instalação de 2009, Vinte e Dois Menos Dois, em que coloca grandes espelhos emoldurados quebrados pela ação de uma marretada (ela está lá para remeter ao frescor da ação). Em cada espelho, material que aparece na obra do artista desde a década de 1961, faz-se um desenho diferente, os estilhaços ficam no chão, nesse trabalho espetaculoso e conceitual.
Em todos esses sentidos, a participação da brasileira Lygia Pape (1927-2004) nesta Bienal de Veneza ganhou grande destaque, tanto que ela ganhou uma das menções honrosas, no sábado à tarde, na cerimônia de premiação, que culminou com os troféus Leão de Ouro para a japonesa Yoko Ono e para o americano John Baldessari. O de melhor artista ficou para o alemão Tobias Rehberger, que fez intervenção na cafeteria dos Giardini; a de artista jovem para a sueca Nathalie Djurberg,que exibe a instalação Experiment, um jardim surreal de plantas e bichos agigantados feitos de papel marché, animações e música, tudo se reunindo numa atmosfera organizada e propositalmente de mau gosto; e aos Estados Unidos coube o prêmio de melhor representação nacional por apresentar em seu pavilhão, nos Giardini, a mostra Topological Garden, de Bruce Nauman, com obras de 1967 até 2005, com suas famosas frases ou palavras em néon e trabalhos escultóricos de temática em torno da cabeça e das mãos.
A instalação Ttéia (2004), de Lygia, é a primeira obra do Arsenale (em amplo espaço escuro, fios de ouro saem de formas quadradas, se transformando em feixes de luz de quase imaterialidade). A obra tornou-se ponto de partida para que os curadores pensassem todo o espaço do Arsenale. Foi assim com a obra do argentino Tomas Saraceno, a grande instalação Galáxias Formadas por Fios, Como Teias de Aranhas (numa tradução livre), mas esta no pavilhão Biennale, nos Giardini - é uma das mais chamativas para o público: uma construção com fios de náilon preto toma toda uma sala e obriga que o público circule por dentro dela.
Além da Ttéia, o Livro da Criação (1959) de Lygia, no pavilhão Biennale, é uma preciosidade. Como afirma Volz, este trabalho de formas geométricas feitas em cartão e acompanhadas de breves escritos compõe uma narrativa essencial: "No princípio tudo era água", assim começa. Ele diz que é "obra-prima do neoconcretismo brasileiro" e agrega ao mesmo tempo o caráter formal e a relação com o público e trata da "dimensão social" da arte. "Não existe uma divisão entre o politicamente ativista e a rigidez formal. Sempre há uma urgência do artista em criar a partir de uma relação com a vida atual sem abandonar a pesquisa de visualidade", defende Volz, de 37 anos - há 5 ele é diretor artístico do Instituto Cultural Inhotim em Minas Gerais, o que explica sua proximidade com o Brasil.
A instalação inédita do carioca Cildo Meireles, "Pling Pling", de 2009, também é um grande destaque, no Arsenale. Seis salas coloridas, vibrantes e em sequência - roxo, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho - têm cada uma em seu interior, numa das quinas de suas paredes, um monitor de TV onde está projetada a imagem filmada daquela mesma quina. Num momento inesperado, a cor do lugar projetado se transforma em outra e Cildo faz, na verdade, um sistema de contrastes - o espaço roxo fica com a tela amarela, o verde, com a tela vermelha, e assim por diante. O visitante vai passando por ele, sala a sala. "Talvez seja seu trabalho mais formal, mas é político também", diz Volz, lembrando também a relação com a pintura.
A Bienal de Arte de Veneza é a mais tradicional de todas. Nos pavilhões dos chamados Giardini, ficam as representações de cada país. A do Brasil, deste ano, selecionada pelo curador Ivo Mesquita, exibe fotografias do paraense Luiz Braga e pinturas do alagoano Delson Uchôa, jogando, nos dois casos, luz para certa poética da cor, chave da criação de ambos. Além da representação premiada, dos EUA, com mostra de Nauman, vale destacar o pavilhão da Polônia, com a videoinstalação Hóspedes, de Krzystof Wodiczko, sobre a imigração.
Camila Molina, VENEZA
Numa quantidade extensa de traduções, Fare Mondi, título da 53ª Bienal de Arte de Veneza, aberta ontem para o público, agrega uma série de significados, como diz o alemão Jochen Volz, que, ao lado do sueco Daniel Birnbaum, assina a curadoria desta edição. Volz faz uma lista de possibilidades em torno do tema: Fazer Mundos, em português, poderia remeter a algo mais prático; em alemão, a um ato grandioso; em sueco, a uma construção de caráter espiritual; em francês, a ação mais pragmática, e assim por diante. Ele vai elencando conotações, não deixando de chamar a atenção para aquele ideal de que as atuações dos artistas podem carregar todas as significações ao mesmo tempo.
Uma medida dos curadores foi levar os criadores a fazerem suas obras pensando no espaço específico que teriam na mostra e, assim, Fare Mondi se transformou, principalmente, numa Bienal de instalações (algumas grandes e poucas de impacto), repleta de trabalhos de 2009 e com intervenções por vários pontos do Arsenale. Um exemplo é o zepelim "entalado" pelo mexicano Héctor Zamorra (ele vive no Brasil) em um dos corredores do local.
Outra ideia foi a de que não existe uma linha reta da história da arte, mas confluências de pesquisas entre consagrados e jovens ao mesmo tempo. Só que a base da mostra são as experimentações do terreno conceitual a partir dos anos 1960. "Pensamos em quais artistas têm uma atualidade, são vivos, e ao mesmo tempo, referência", diz Volz ao Estado. Por isso, não há as obras do chamado caráter histórico nas exposições.
O italiano Michelangelo Pistoletto, nascido em 1933, participa no Arsenale com uma instalação de 2009, Vinte e Dois Menos Dois, em que coloca grandes espelhos emoldurados quebrados pela ação de uma marretada (ela está lá para remeter ao frescor da ação). Em cada espelho, material que aparece na obra do artista desde a década de 1961, faz-se um desenho diferente, os estilhaços ficam no chão, nesse trabalho espetaculoso e conceitual.
Em todos esses sentidos, a participação da brasileira Lygia Pape (1927-2004) nesta Bienal de Veneza ganhou grande destaque, tanto que ela ganhou uma das menções honrosas, no sábado à tarde, na cerimônia de premiação, que culminou com os troféus Leão de Ouro para a japonesa Yoko Ono e para o americano John Baldessari. O de melhor artista ficou para o alemão Tobias Rehberger, que fez intervenção na cafeteria dos Giardini; a de artista jovem para a sueca Nathalie Djurberg,que exibe a instalação Experiment, um jardim surreal de plantas e bichos agigantados feitos de papel marché, animações e música, tudo se reunindo numa atmosfera organizada e propositalmente de mau gosto; e aos Estados Unidos coube o prêmio de melhor representação nacional por apresentar em seu pavilhão, nos Giardini, a mostra Topological Garden, de Bruce Nauman, com obras de 1967 até 2005, com suas famosas frases ou palavras em néon e trabalhos escultóricos de temática em torno da cabeça e das mãos.
A instalação Ttéia (2004), de Lygia, é a primeira obra do Arsenale (em amplo espaço escuro, fios de ouro saem de formas quadradas, se transformando em feixes de luz de quase imaterialidade). A obra tornou-se ponto de partida para que os curadores pensassem todo o espaço do Arsenale. Foi assim com a obra do argentino Tomas Saraceno, a grande instalação Galáxias Formadas por Fios, Como Teias de Aranhas (numa tradução livre), mas esta no pavilhão Biennale, nos Giardini - é uma das mais chamativas para o público: uma construção com fios de náilon preto toma toda uma sala e obriga que o público circule por dentro dela.
Além da Ttéia, o Livro da Criação (1959) de Lygia, no pavilhão Biennale, é uma preciosidade. Como afirma Volz, este trabalho de formas geométricas feitas em cartão e acompanhadas de breves escritos compõe uma narrativa essencial: "No princípio tudo era água", assim começa. Ele diz que é "obra-prima do neoconcretismo brasileiro" e agrega ao mesmo tempo o caráter formal e a relação com o público e trata da "dimensão social" da arte. "Não existe uma divisão entre o politicamente ativista e a rigidez formal. Sempre há uma urgência do artista em criar a partir de uma relação com a vida atual sem abandonar a pesquisa de visualidade", defende Volz, de 37 anos - há 5 ele é diretor artístico do Instituto Cultural Inhotim em Minas Gerais, o que explica sua proximidade com o Brasil.
A instalação inédita do carioca Cildo Meireles, "Pling Pling", de 2009, também é um grande destaque, no Arsenale. Seis salas coloridas, vibrantes e em sequência - roxo, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho - têm cada uma em seu interior, numa das quinas de suas paredes, um monitor de TV onde está projetada a imagem filmada daquela mesma quina. Num momento inesperado, a cor do lugar projetado se transforma em outra e Cildo faz, na verdade, um sistema de contrastes - o espaço roxo fica com a tela amarela, o verde, com a tela vermelha, e assim por diante. O visitante vai passando por ele, sala a sala. "Talvez seja seu trabalho mais formal, mas é político também", diz Volz, lembrando também a relação com a pintura.
A Bienal de Arte de Veneza é a mais tradicional de todas. Nos pavilhões dos chamados Giardini, ficam as representações de cada país. A do Brasil, deste ano, selecionada pelo curador Ivo Mesquita, exibe fotografias do paraense Luiz Braga e pinturas do alagoano Delson Uchôa, jogando, nos dois casos, luz para certa poética da cor, chave da criação de ambos. Além da representação premiada, dos EUA, com mostra de Nauman, vale destacar o pavilhão da Polônia, com a videoinstalação Hóspedes, de Krzystof Wodiczko, sobre a imigração.