terça-feira, 20 de outubro de 2009

Irmãos artistas burlam a censura na China

Por Jimmy Wang

Não é o tipo de escultura do líder Mao Tse-tung que se vê comumente na China. Ele está de joelhos, como suplicante, confessando; sua linguagem corporal e expressão facial são indicativas de remorso profundo. E tem mais: a cabeça dessa estátua de bronze em tamanho natural, intitulada “A Culpa de Mao” e criada pelos artistas irmãos Gao Zhen e Gao Qiang, pode ser separada do corpo —ela foi feita assim.

Mao's Guilt -"A Culpa de Mao"


Algumas exposições anteriores dos irmãos Gao, cujo trabalho as autoridades acham politicamente desafiador, foram fechadas, e o ateliê deles foi invadido e revistado. Em função disso, os irmãos guardam a cabeça de Mao escondida num local separado e a juntam ao corpo apenas em ocasiões especiais.


Normalmente a estátua fica acéfala, não identificável e não constituindo risco.
“É algo que eu espero que todos os chineses algum dia consigam aceitar e compreender”, disse Gao Zhen, 53, falando da estátua. “Nossa intenção foi retratar Mao como ser humano, uma pessoa como outras, confessando os males que cometeu.”


Em 3 de setembro, a cabeça foi tirada do esconderijo para ser exibida numa “festa” dos irmãos Gao —codinome dado a uma das exposições que eles promovem várias vezes por ano, com entrada restrita a convidados. O local da mostra só foi revelado algumas horas antes e divulgado boca a boca e por mensagens de texto cifradas.


Cabeças removíveis e exposições underground são apenas duas das táticas “guerrilheiras” empregadas ao longo dos anos pelos irmãos Gao para que seus fãs e amigos possam ver seu trabalho. Os Gao fazem parte de uma geração de artistas chineses de vanguarda que vem ampliando os limites da expressão artística.


No mundo cada vez mais aberto da arte chinesa, a nudez, antes proibida, hoje é corriqueira, e obras de arte parodiando a Revolução Cultural já são tão onipresentes que chegam a ser vistas como ultrapassadas. Mas o caso dos irmãos Gao serve para lembrar a todos que, especialmente neste momento em que a China comemora o 60° aniversário da Revolução Comunista, ainda há limites à expressão. Embora os artistas tenham liberdade cada vez maior para tratar de tópicos sociais e políticos, obras que tecem críticas explícitas a líderes chineses ou a símbolos da China ainda não são permissíveis.


A exposição “Vermelho Cinza”, que os irmãos Gao fizeram em 2006, foi reprimida pelas autoridades. Representantes do governo entraram na galeria e listaram obras “que precisavam ser retiradas”, contou Gao Qiang, 47. Os cartazes e catálogos da exposição foram proibidos.
O Distrito de Artes 798, onde moram os Gao, tem um escritório administrativo local que, entre outras coisas, fica atento para obras de arte que vê como inaceitáveis e prejudiciais ao distrito. “Eles sofrem pressões desde cima”, disse Gao Yuewen, 29, que trabalha no ateliê Gao e observou que as autoridades classificam os irmãos Gao “diferentemente” dos outros artistas —ou seja, os irmãos são vistos como suspeitos.


O trabalho mais abrangente da dupla é ao mesmo tempo explícito e crítico. A ideia é mostrar Mao sob outra perspectiva: como uma figura que tem falhas.


A figura de Mao encerra um significado pessoal para os dois irmãos. Durante a Revolução Cultural, o pai deles foi classificado como inimigo e arrastado para um lugar “que não era prisão nem delegacia de polícia, mas alguma outra coisa”, contou Gao Zhen. Após 25 dias, a família foi informada de que ele cometera suicídio. Seus filhos não acreditam: “Naquela época, se alguém não gostasse de você, lhe dava o rótulo de inimigo”, falou Gao. “Viemos a Pequim para entregar um abaixo-assinado em protesto contra a morte de nosso pai.”


A família recebeu indenização equivalente a mais ou menos US$ 290. “Foi um período muito doloroso”, prosseguiu Gao. “Éramos seis irmãos e uma mãe sem marido; não tínhamos um tostão.”


Kai Heinze, 33, diretor de uma galeria, comentou: “O trabalho dos irmãos Gao sobre Mao é é visto como provocação por muitos chineses. A obra aciona um gatilho, desafiando as pessoas a compreender e tolerar uma visão da história chinesa moderna que admite a ocorrência de falhas”.

http://www.gaobrothers.net/

Abaixo outras obras dos artistas:

The Execution of Christ

Miss Mao trying to poise herself at the top of Lenin's head

Mais de 200 obras de Oiticica são retiradas de casa incendiada


Caio Barreto Briso da Folha de S.Paulo, no Rio


Mais de 200 obras em papel do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) foram retiradas ontem da casa no Jardim Botânico, zona sul do Rio, incendiada na madrugada de sábado, em incidente que provocou a destruição de grande parte dos trabalhos de um dos mais conhecidos artistas nacionais. As obras resgatadas estão danificadas não apenas pelo fogo, mas também pela água usada no combate ao incêndio.
Os mais de 200 desenhos de Oiticica encontrados em bom estado são das mostras "Grupo Frente" (1954) e "Metaesquemas" (1972), além de dois relevos, dois bilaterais e a maquete do projeto "Cães de Caça", um penetrável (instalação) que nunca foi montado.
Ontem à tarde, uma equipe do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) saiu do imóvel otimista. "Ainda não é possível estimar o percentual do que poderá ser salvo, mas acreditamos que boa parte do trabalho será recuperada", disse Claudia Storino, coordenadora de arquitetura e espaços museais do Ibram.

O início do trabalho de restauração --que, segundo César Oiticica, irmão do artista plástico, será coordenado pela norte-americana Wynne Phelan, que já restaurou quase toda a obra de Hélio Oiticica em 2006-- foi dividido em duas partes.

Enquanto um grupo de técnicos do Ibram irá separar o que ainda se encontra na reserva técnica --há alguns armários com obras, por exemplo, que não foram abertos, por causa dos escombros no caminho--, outro grupo ficará responsável por secar, higienizar e catalogar as obras já encontradas.

"Acreditamos que, até semana que vem, já será possível ter todo o material em papel higienizado", disse Storino.
Por enquanto, a reserva técnica --que fica no primeiro andar da casa, onde o fogo começou-- continua com um cheiro de queimado insuportável.

Hoje à tarde, a família de Hélio Oiticica irá retomar as buscas por fragmentos do acervo do artista, na casa de César Oiticica, responsável pela guarda do material.

A fuligem, impregnada nas paredes da casa, obrigou a família, por ordem médica, a interromper a procura no domingo. "Agora, com as máscaras de proteção, vamos voltar ao trabalho", disse César.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também ofereceu ajuda. A coordenadora de bens móveis e integrados do Iphan chegou ao Rio de Janeiro, de Brasília, ontem à noite. Storino afirma que o Ibram fará um diagnóstico sobre cada peça encontrada. "Ao fim deste processo emergencial, poderemos estimar o custo da restauração."

Destino em dúvida

A secretária municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Jandira Feghali, reafirmou à Folha que seu desejo é, uma vez restaurado o acervo, levá-lo, em regime de comodato, para o Centro de Arte Hélio Oiticica, no Centro do Rio.
Na contramão da secretária, a gestora do Centro, Ana Durães, afirmou que o espaço tem estrutura para receber exposições temporárias, mas não um acervo permanente. "Somos um Centro de Arte, não um museu", disse.