10ª edição tem trabalhos de tom político e quase foi adiada, em razão de desligamento de ex-curadora
Fabio Cypriano da Folha de S. Paulo
Seis crianças são vistas refletidas em um espelho, até que uma delas pega um estilingue do bolso e o quebra. Então, todas correm com os cacos e sobem numa imensa árvore. O forte sol faz com que os reflexos desses estilhaços brilhem, transformando-se, magicamente, na árvore.
"Per Speculum", projeção do albanês Adrian Paci, é não só a obra mais falada da 10ª Bienal de Lyon, aberta ontem para o público, como a que melhor sintetiza seu tema, "O Espetáculo do Cotidiano", organizada pelo curador chinês Hou Hanru e que fica em cartaz até 3 de janeiro de 2010.
A mostra chegou a correr risco de ser adiada, quando a curadora Catherine David, até então responsável pela Bienal, desligou-se da instituição, em fevereiro passado. Hanru, curador recordista em bienais - já esteve envolvido em 20- , foi convocado e aceitou.
"Tive medo, claro. Organizar uma bienal em seis meses é um grande desafio, mas convoquei muitos artistas com os quais já trabalho há muito tempo", disse ele à Folha.
Distribuída por quatro espaços da cidade, entre eles o Museu de Arte Contemporânea e a Sucrière (um antigo depósito de açúcar), a Bienal reúne 59 artistas, agrupados em quatro temas: A Magia das Coisas, Elogio à Deriva, Um Outro Mundo É Possível e Vivendo Junto.
"O Espetáculo do Cotidiano" almeja ser conceitual. "A crítica à sociedade do espetáculo nasceu na França, mas a arte contemporânea vive um constrangimento pela perda de pertinência intelectual em vista de sua crescente mercantilização", disse o curador.
Contra esse panorama, Hanru selecionou coletivos e trabalhos com caráter político, como "A Boa Vida", do colombiano Carlos Motta, com 400 entrevistas, em 12 cidades, entre elas São Paulo. Em seis monitores, pessoas comuns discutem o papel da democracia e dos governos.
A Bienal de Lyon possui ainda um outro vetor denominado Veduta, voltado à periferia da cidade. "Serão 390 eventos e um fórum, para criar um vinculo mais forte entre arte e sociedade", diz Thierry Raspail, diretor artístico de todas as edições da Bienal e do MAC.
George Brecht (1926-2008), membro do grupo Fluxus, presente na mostra com várias obras, torna-se outra importante inspiração. "Os eventos mais importantes são as pequenas coisas que ocorrem nas ruas", costumava dizer o artista.