quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Arte em alerta: Projeto Leonilson



Incêndio que destruiu obras de Oiticica reacende debate sobre a manutenção de acervo por parte de famílias ou instituições


Quando soube do incêndio que destruiu grande parte do legado de Hélio Oiticica, no último fim de semana, a psicóloga Ana Lenice Dias Fonseca da Silva sentiu o coração apertar. Ela é uma das responsáveis pelo projeto Leonilson, que cuida de mais de 1.500 obras deixadas por seu irmão, o artista José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993), um dos destaques da Geração 80. As obras estão guardadas numa pequena casa, na Vila Mariana, sem seguro e sem proteção contra incêndio, nem mesmo detector de fumaça.

O NAVIO 1983 /2005 - lâmpadas vermelhas, amarelas e azuis
(montagem póstuma)
125,0 x 150,0 cm. Obra do acervo do PROJETO LEONÍLSON


"Nossa preocupação sempre foi com furto, mas, com esse incêndio, fiquei aflita. Há dois anos, estamos conversando com a Pinacoteca para transferir o projeto para lá, cedendo algumas obras em comodato e doando outras. Agora é a hora de isso acontecer e, se não for lá, vamos encontrar outra instituição", disse Silva.
Na Pinacoteca, o diretor Marcelo Araújo confirma a negociação: "Estamos buscando uma solução jurídica possível para viabilizar esse comodato". A instituição já tem nessa situação a coleção Nemirovsky, que possui obras de Oiticica. Mas sua alocação lá foi mais fácil pois a coleção havia sido doada pelos seus criadores, José e Paulina Nemirovsky, a uma fundação que deveria mantê-la numa instituição pública e nunca vendê-la.


"Creio que os artistas deveriam prever o que fazer com sua obra, pois isso é mesmo um abacaxi para as famílias, receber toda a tralha dos artistas que fizeram o que bem entenderam", conta a artista Anna Maria Maiolino.


De fato, se não fosse a família de Leonilson com os amigos que criaram o projeto, sua obra talvez não alcançasse tamanha repercussão. Hoje, ela está em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, a Tate, em Londres, e o Centro Pompidou, em Paris.


"Todo mundo costuma crucificar a família. Quando a Mira Schendel morreu, ela não tinha quase valor e sobrou para a família cuidar de tudo", diz Ada Schendel, filha da artista Mira Schendel (1913-1988). Ela guarda em sua casa o acervo e se recusou a cedê-lo em comodato para o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). "Não confio nessa instituição. Colocaram obras danificadas em uma exposição e os artistas em panelas, quando eu passei os últimos 20 anos para tirar a Mira de panelas", diz Schendel.


Roberto Bertani, diretor do IAC, diz que a declaração de Ada parece um contrassenso. "Estamos organizando, no próximo ano, uma exposição da Mira, com aval dela."

Fundação Iberê Camargo apresenta vida do artista sintetizada em mostra


Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo

Quando ainda se vive o choque pela perda de um dos mais importantes acervos de arte do país, com o incêndio das obras de Hélio Oiticica (1937 1940), no Rio de Janeiro, a capital gaúcha torna-se modelo mais evidente na preservação do patrimônio de um artista com a FIC (Fundação Iberê Camargo). 


Inaugurada em maio do ano passado, a sede da instituição, um museu projetado pelo festejado arquiteto português Álvaro Siza, de frente para o rio Guaíba, em Porto Alegre, é um exemplo frente à tragédia ora em curso. 
Os oito mil metros quadrados da construção elegante em concreto branco custaram R$ 40 milhões, 40% pagos por patrocínio direto e 60% financiados pela Lei Rouanet.

Além de três andares com salas expositivas, o museu possui uma reserva técnica que consegue abrigar todo o acervo da FIC: 4.000 obras de Iberê Camargo (1914-1994), em condições de preservação internacionais. 
Durante a Bienal do Mercosul, estão em cartaz duas mostras na FIC: "Iberê Camargo, uma Experiência da Pintura" e "Dentro do Traço, Mesmo".

A primeira segue a tradição do local de sempre ter ao menos uma exposição com obras do acervo da instituição, respeitando-se, afinal, seu objetivo primeiro. 
Com curadoria de Virginia Alta, a exposição apresenta uma síntese da carreira de Camargo, desde suas primeiras influências até suas obras mais misteriosas, do fim de sua carreira.



Gravuras



Já "Dentro do Traço, Mesmo", organizada por Teixeira Coelho, curador do Museu de Arte de São Paulo, reúne obras de um trabalho exemplar da FIC, seu ateliê de gravura. Iberê Camargo trabalhou grande parte de sua vida com gravura e possuía um ateliê em sua casa que, desde sua morte, recebeu a visita de dezenas de artistas, o que acabou sendo estabelecido como um programa de residências, em 1999, com supervisão de Eduardo Haesbaert. 


Com isso, a instituição acabou compondo uma coleção significativa de gravuras, não só com artistas que se destacam nesse suporte, como outros que pela primeira vez o experimentam.

Assim, a mostra em cartaz reúne nomes desde o próprio Álvaro Siza, que criou o edifício sede, para onde hoje foi deslocado o ateliê, como Amilcar de Castro, um mestre da gravura, ou ainda o fotógrafo Miguel Rio Branco e os consagrados artistas argentinos Leon Ferrari e Jorge Macchi.


SERVIÇO

IBERÊ CAMARGO, UMA EXPERIÊNCIA DA PINTURA

Na Fundação Iberê Camargo (av. Padre Cacique, 2.000, Porto Alegre, tel. 0/xx/ 51/3247-8000); de ter. a sex., das 10h às 19h, sáb. e dom., das 11h às 19h; até 31/8; entrada franca

Arte e literatura reinventam Porto Alegre


DE OLHO Capital gaúcha se transforma em polo de cultura com a 7ª edição da Bienal do Mercosul e a 55ª Feira do Livro



Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo

A partir da próxima semana, Porto Alegre se consolida como capital cultural do país, ao menos durante o mês de novembro. Além da sétima edição da Bienal do Mercosul, inaugurada na última sexta, ocupando três grandes espaços da cidade e algumas intervenções pontuais, a capital gaúcha é sede ainda da 55ª Feira do Livro de Porto Alegre. 
Até o dia 15 de novembro, a praça da Alfândega, no centro da cidade, irá reunir 170 editoras e livreiros, promovendo nada menos que 700 sessões de autógrafos, evento que movimenta centenas de pessoas em torno da literatura. 
Já a Bienal do Mercosul reúne mais de 250 artistas, cerca de 120 nos espaços expositivos e os demais participantes da Radiovisual, que diariamente transmite um programa na radio FM Cultura, em Porto Alegre, mas também está à disposição no site do evento (www. bienalmercosul.art.br). 
Em sua sétima edição, a Bienal do Mercosul, denominada "Grito e Escuta", com curadoria da argentina Victoria Noorthoorn e do artista chileno Camilo Yáñez, é uma das mais radicais experiências em arte contemporânea. 



Experimental 


Enquanto no Museu de Arte do Rio Grande do Sul a mostra "Desenho das Ideias" é concebida de forma elegante e tradicional, com trabalhos nas paredes, quatro armazéns do Cais do Porto dão o toque experimental ao evento. Em um deles, o armazém 3, mais de cem toneladas de areia constróem uma cenografia arrebatadora, concebida pela artista Laura Lima, que selecionou os oito artistas desse segmento denominado "Absurdo". 
Há quem ache exagerado, mas para uma artista que trabalha com performance, como Laura, o percurso irregular e desafiador não deixa de ser coerente. No armazém 5, há duas mostras mescladas: "Texto Público", organizada por Artur Lescher, e "Biografias Coletivas", de Yáñez. Na primeira, com 18 artistas, dez realizaram intervenções na cidade e no espaço expositivo estão registros dessas obras. Uma das mais comentadas é a obra de Henrique Oliveira, numa antiga casa com protuberâncias que parecem imensos tumores de madeira, criados pelo artista nas portas e janelas. Localizada na rua da Praia, 400, próxima à praça da Alfândega, será passagem para muitos que visitarão a feira do livro, num interessante diálogo entre os dois eventos.


SERVIÇO

7ª BIENAL DO MERCOSUL
De ter. a dom., das 9h às 21h; até 29/11; nos armazéns do Cais do Porto, Santander Cultural e Museu de Arte do Rio Grande do Sul; tel. 0/ xx/51/3433-7686; entrada franca
www. bienalmercosul.art.br

55ª FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE
De 30/10 a 15/11; para informações sobre horários e locais, ligue para 0/xx/51/3225-5096 ou consulte
www.feiradolivro-poa.com.br