Incêndio que destruiu obras de Oiticica reacende debate sobre a manutenção de acervo por parte de famílias ou instituições Quando soube do incêndio que destruiu grande parte do legado de Hélio Oiticica, no último fim de semana, a psicóloga Ana Lenice Dias Fonseca da Silva sentiu o coração apertar. Ela é uma das responsáveis pelo projeto Leonilson, que cuida de mais de 1.500 obras deixadas por seu irmão, o artista José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993), um dos destaques da Geração 80. As obras estão guardadas numa pequena casa, na Vila Mariana, sem seguro e sem proteção contra incêndio, nem mesmo detector de fumaça.
O NAVIO 1983 /2005 - lâmpadas vermelhas, amarelas e azuis
(montagem póstuma) 125,0 x 150,0 cm. Obra do acervo do PROJETO LEONÍLSON
"Nossa preocupação sempre foi com furto, mas, com esse incêndio, fiquei aflita. Há dois anos, estamos conversando com a Pinacoteca para transferir o projeto para lá, cedendo algumas obras em comodato e doando outras. Agora é a hora de isso acontecer e, se não for lá, vamos encontrar outra instituição", disse Silva.
Na Pinacoteca, o diretor Marcelo Araújo confirma a negociação: "Estamos buscando uma solução jurídica possível para viabilizar esse comodato". A instituição já tem nessa situação a coleção Nemirovsky, que possui obras de Oiticica. Mas sua alocação lá foi mais fácil pois a coleção havia sido doada pelos seus criadores, José e Paulina Nemirovsky, a uma fundação que deveria mantê-la numa instituição pública e nunca vendê-la.(montagem póstuma) 125,0 x 150,0 cm. Obra do acervo do PROJETO LEONÍLSON
"Creio que os artistas deveriam prever o que fazer com sua obra, pois isso é mesmo um abacaxi para as famílias, receber toda a tralha dos artistas que fizeram o que bem entenderam", conta a artista Anna Maria Maiolino.
De fato, se não fosse a família de Leonilson com os amigos que criaram o projeto, sua obra talvez não alcançasse tamanha repercussão. Hoje, ela está em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, a Tate, em Londres, e o Centro Pompidou, em Paris.
"Todo mundo costuma crucificar a família. Quando a Mira Schendel morreu, ela não tinha quase valor e sobrou para a família cuidar de tudo", diz Ada Schendel, filha da artista Mira Schendel (1913-1988). Ela guarda em sua casa o acervo e se recusou a cedê-lo em comodato para o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). "Não confio nessa instituição. Colocaram obras danificadas em uma exposição e os artistas em panelas, quando eu passei os últimos 20 anos para tirar a Mira de panelas", diz Schendel.
Roberto Bertani, diretor do IAC, diz que a declaração de Ada parece um contrassenso. "Estamos organizando, no próximo ano, uma exposição da Mira, com aval dela."