quinta-feira, 21 de maio de 2009

ARTIGO: SAIU NA FOLHA

Crítica/"Estética Relacional" e "Pós-Produção"

Bourriaud analisa artes plásticas sem temor nem preconceito

Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país

Por Fábio Cypriano

Finalmente, dois livros fundamentais sobre a produção contemporânea em artes plásticas são publicados no Brasil: "Estética Relacional", de 1998, e "Pós-Produção", de 2004, ambos do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud.
O primeiro, já um clássico, é dos poucos livros que olha a produção dos anos 90 sem preconceito, por alguém que acompanhou de perto toda uma geração, especialmente como curador, e conseguiu traçar linhas comuns. No geral, livros com tal ambição estão mais ocupados em detratar a arte contemporânea em vez de compreendê-la.
Em 1998, Bourriaud partiu de um grupo de artistas, hoje quase todos estrelas de grandes mostras ou bienais, como Dominique Gonzalez-Foerster, Pierre Huyghe, Rirkrit Tiravanija e Maurizio Cattelan, e percebeu que, em todos, a ideia de arte como um campo de trocas é comum. Com isso, o crítico francês chegou à definição da estética relacional como "uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado".
Tal conceituação amparou-se ainda na produção de artistas que se tornaram referência nos anos 90, como o cubano Felix Gonzalez-Torres, e os americanos Gordon Matta-Clark e Dan Graham, entre outros.
Não à toa Bourriaud foi um dos conferencistas da 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", de 2006, que exibiu vários dos artistas abordados em "Estética Relacional". Centrada nas ideias de Hélio Oiticica, contudo, a própria Bienal tornou clara uma das deficiências centrais da produção de Bourriaud -seu total desconhecimento da obra de Oiticica, um precursor da arte como estado de encontro, um dos pilares da estética relacional.
Já o livro "Pós-Produção", mais recente, continua o raciocínio de "Estética Relacional" sob nova ótica. Enquanto no primeiro volume o foco está no aspecto de convivência e interação da arte contemporânea, o segundo trata das formas de saber que constituem essa produção, especialmente aquelas vinculadas à estrutura em rede da internet, que geram um infinito campo de pesquisa para os artistas.

Reorganizar elementos
Assim, as práticas contemporâneas não estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, e sim em como reorganizar elementos já existentes, dando a eles novos sentidos, o que, obviamente, tem uma relação forte com os "ready-mades" de Marcel Duchamp, cuja "virtude primordial", segundo o autor, é o estabelecimento de "uma equivalência entre escolher e fabricar, entre consumir e produzir".
Esse procedimento pós-produtivo, então, seria a marca fundamental do processo de produção contemporâneo. Essas ideias de Bourriaud, contudo, já fazem parte da recente historiografia da arte contemporânea e influenciaram a organização de várias mostras pelo mundo. Aqui elas chegam um tanto atrasadas.
Tanto que, há duas semanas, o próprio Bourriaud encerrou sua curadoria na Trienal da Tate, denominada "Altermodern", criando aí uma nova forma de pensar a produção contemporânea.
Não há dúvida de que Bourriaud é dos poucos que não têm medo de pensar a arte hoje. A questão é que ele transforma sua reflexão na mesma velocidade das estações de moda o que, afinal, é mesmo um sintoma desses tempos.

SAINT CLAIR CEMIM EM SP

Escultor Saint Clair Cemin ganha retrospectiva em São Paulo

por Silas Marti da Folha de S.Paulo

Três graças se juntam num passo de dança, mas uma é cubista, outra futurista e a terceira rococó, o que faz o baile descambar para um samba do crioulo doido. Na retrospectiva do escultor Saint Clair Cemin, que o Instituto Tomie Ohtake abre nesta quinta-feira, fica evidente a polifonia, para o bem ou para o mal. "Eu uso estilos como quem usa cores", resume Cemin, 57.

WITNESS - White lackered - stainless steel | 326 cm X 48 cm X 90 cm | 2008

"Cada estilo é uma janela para mais possibilidades artísticas." No bronze síntese da exposição, a tela renascentista de Rafael, ou a escultura neoclássica de Antonio Canova, com as três graças em harmonia perfeita, acabam traduzidas no cozidão de estilos de Cemin, capaz de juntar Aleijadinho a Joseph Beuys.
Logo na entrada, uma obra em gesso é pretexto para exibir o virtuosismo do escultor, que executa um panejamento em sentido clássico, ou seja, a representação pétrea das dobras e pregas do tecido. Mais adiante, resíduos formais de surrealistas como Salvador Dalí vão ressurgir numa espada molenga, tentáculos de um molusco metálico e uma cadeira gigantesca, de encosto alongado e pernas bambas.
O barroco de Aleijadinho é revisto em duas figuras que se atraem e repelem ao mesmo tempo. Em aço inoxidável, reluzente até não poder mais, "O Pensador" de Rodin ganha releitura à luz de Takashi Murakami. Uma cadeira de ferro, refletida à exaustão por um jogo de espelhos, é aceno ao conceitualismo de Joseph Kosuth.
"A falta de uma linha contínua tem sido a única linha contínua no meu trabalho", admite Cemin, que se define "onívoro em termos de arte". É a deixa para aludir ao "metabolismo elétrico, digital" de "Computer", escultura em madeira rústica com um nó de troncos retorcidos, índice dessa digestão de influências.
Cemin, artista "sem estilo", parece mostrar mastigados conceitos-chave da produção escultórica moderna. Sua retrospectiva escancara o método antropofágico por trás do trabalho e toma ares de mostra coletiva, como se tentasse reunir o melhor representante de cada período, embaralhando forma, conteúdo e ornamento.
Arrancando outra mordida, agora na literatura, parece evocar o poema em que T.S. Eliot escreveu: "O tempo presente e o tempo passado / Talvez ambos estejam presentes no tempo futuro, / E o tempo futuro contido no tempo passado". De um monte de areia no meio do espaço expositivo, surge uma roda de bronze, a forma liberta da matéria amorfa. Com o nome "Childhood", ou "infância", atravessa tempos, do embrião à fixidez da forma final, juntando todas as épocas, de Eliot e Antonio Canova aos dias de hoje, ontem e amanhã.


Esta é a primeira grande exposição do artista no Brasil, desde sua mostra individual em 2006. Radicado em Nova York e Paris, o gaúcho já participou da Documenta de Kassel, Bienal do Mercosul e Bienal de São Paulo.

SAINT CLAIR CEMIN

Quando: abertura hoje, às 20h; ter. a dom., 11h às 20h; até 5/7

Onde: Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, tel. 2245-1900)

Quanto: entrada franca


BIENAL DO MERCOSUL ADIADA

Bienal do Mercosul será aberta no dia 16 outubro
A sétima Bienal do Mercosul, que seria inaugurada em setembro, foi adiada e será realizada entre os dias 16 de outubro e 29 de novembro deste ano, em Porto Alegre.
As exposições ficarão abertas ao público durante 45 dias, no Armazéns do Cais do Porto, no Santander Cultural, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul e em espaços públicos da cidade.
Cerca de 70% das obras serão produzidas pelos artistas especialmente para esta bienal. A lista completa dos participantes será divulgada no início de julho.