Crítica/"Estética Relacional" e "Pós-Produção"
Bourriaud analisa artes plásticas sem temor nem preconceito
Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país
Por Fábio Cypriano
Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país
Por Fábio Cypriano
Finalmente, dois livros fundamentais sobre a produção contemporânea em artes plásticas são publicados no Brasil: "Estética Relacional", de 1998, e "Pós-Produção", de 2004, ambos do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud.
O primeiro, já um clássico, é dos poucos livros que olha a produção dos anos 90 sem preconceito, por alguém que acompanhou de perto toda uma geração, especialmente como curador, e conseguiu traçar linhas comuns. No geral, livros com tal ambição estão mais ocupados em detratar a arte contemporânea em vez de compreendê-la.
Em 1998, Bourriaud partiu de um grupo de artistas, hoje quase todos estrelas de grandes mostras ou bienais, como Dominique Gonzalez-Foerster, Pierre Huyghe, Rirkrit Tiravanija e Maurizio Cattelan, e percebeu que, em todos, a ideia de arte como um campo de trocas é comum. Com isso, o crítico francês chegou à definição da estética relacional como "uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado".
Tal conceituação amparou-se ainda na produção de artistas que se tornaram referência nos anos 90, como o cubano Felix Gonzalez-Torres, e os americanos Gordon Matta-Clark e Dan Graham, entre outros.
Não à toa Bourriaud foi um dos conferencistas da 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", de 2006, que exibiu vários dos artistas abordados em "Estética Relacional". Centrada nas ideias de Hélio Oiticica, contudo, a própria Bienal tornou clara uma das deficiências centrais da produção de Bourriaud -seu total desconhecimento da obra de Oiticica, um precursor da arte como estado de encontro, um dos pilares da estética relacional.
Já o livro "Pós-Produção", mais recente, continua o raciocínio de "Estética Relacional" sob nova ótica. Enquanto no primeiro volume o foco está no aspecto de convivência e interação da arte contemporânea, o segundo trata das formas de saber que constituem essa produção, especialmente aquelas vinculadas à estrutura em rede da internet, que geram um infinito campo de pesquisa para os artistas.
Reorganizar elementos
Assim, as práticas contemporâneas não estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, e sim em como reorganizar elementos já existentes, dando a eles novos sentidos, o que, obviamente, tem uma relação forte com os "ready-mades" de Marcel Duchamp, cuja "virtude primordial", segundo o autor, é o estabelecimento de "uma equivalência entre escolher e fabricar, entre consumir e produzir".
Esse procedimento pós-produtivo, então, seria a marca fundamental do processo de produção contemporâneo. Essas ideias de Bourriaud, contudo, já fazem parte da recente historiografia da arte contemporânea e influenciaram a organização de várias mostras pelo mundo. Aqui elas chegam um tanto atrasadas.
Tanto que, há duas semanas, o próprio Bourriaud encerrou sua curadoria na Trienal da Tate, denominada "Altermodern", criando aí uma nova forma de pensar a produção contemporânea.
Não há dúvida de que Bourriaud é dos poucos que não têm medo de pensar a arte hoje. A questão é que ele transforma sua reflexão na mesma velocidade das estações de moda o que, afinal, é mesmo um sintoma desses tempos.