Escultor Saint Clair Cemin ganha retrospectiva em São Paulo
por Silas Marti da Folha de S.Paulo
Três graças se juntam num passo de dança, mas uma é cubista, outra futurista e a terceira rococó, o que faz o baile descambar para um samba do crioulo doido. Na retrospectiva do escultor Saint Clair Cemin, que o Instituto Tomie Ohtake abre nesta quinta-feira, fica evidente a polifonia, para o bem ou para o mal. "Eu uso estilos como quem usa cores", resume Cemin, 57.
"Cada estilo é uma janela para mais possibilidades artísticas." No bronze síntese da exposição, a tela renascentista de Rafael, ou a escultura neoclássica de Antonio Canova, com as três graças em harmonia perfeita, acabam traduzidas no cozidão de estilos de Cemin, capaz de juntar Aleijadinho a Joseph Beuys.
Logo na entrada, uma obra em gesso é pretexto para exibir o virtuosismo do escultor, que executa um panejamento em sentido clássico, ou seja, a representação pétrea das dobras e pregas do tecido. Mais adiante, resíduos formais de surrealistas como Salvador Dalí vão ressurgir numa espada molenga, tentáculos de um molusco metálico e uma cadeira gigantesca, de encosto alongado e pernas bambas.
O barroco de Aleijadinho é revisto em duas figuras que se atraem e repelem ao mesmo tempo. Em aço inoxidável, reluzente até não poder mais, "O Pensador" de Rodin ganha releitura à luz de Takashi Murakami. Uma cadeira de ferro, refletida à exaustão por um jogo de espelhos, é aceno ao conceitualismo de Joseph Kosuth.
"A falta de uma linha contínua tem sido a única linha contínua no meu trabalho", admite Cemin, que se define "onívoro em termos de arte". É a deixa para aludir ao "metabolismo elétrico, digital" de "Computer", escultura em madeira rústica com um nó de troncos retorcidos, índice dessa digestão de influências.
Cemin, artista "sem estilo", parece mostrar mastigados conceitos-chave da produção escultórica moderna. Sua retrospectiva escancara o método antropofágico por trás do trabalho e toma ares de mostra coletiva, como se tentasse reunir o melhor representante de cada período, embaralhando forma, conteúdo e ornamento.
Arrancando outra mordida, agora na literatura, parece evocar o poema em que T.S. Eliot escreveu: "O tempo presente e o tempo passado / Talvez ambos estejam presentes no tempo futuro, / E o tempo futuro contido no tempo passado". De um monte de areia no meio do espaço expositivo, surge uma roda de bronze, a forma liberta da matéria amorfa. Com o nome "Childhood", ou "infância", atravessa tempos, do embrião à fixidez da forma final, juntando todas as épocas, de Eliot e Antonio Canova aos dias de hoje, ontem e amanhã.
Esta é a primeira grande exposição do artista no Brasil, desde sua mostra individual em 2006. Radicado em Nova York e Paris, o gaúcho já participou da Documenta de Kassel, Bienal do Mercosul e Bienal de São Paulo.
SAINT CLAIR CEMIN
Quando: abertura hoje, às 20h; ter. a dom., 11h às 20h; até 5/7
Onde: Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, tel. 2245-1900)
Quanto: entrada franca
"Cada estilo é uma janela para mais possibilidades artísticas." No bronze síntese da exposição, a tela renascentista de Rafael, ou a escultura neoclássica de Antonio Canova, com as três graças em harmonia perfeita, acabam traduzidas no cozidão de estilos de Cemin, capaz de juntar Aleijadinho a Joseph Beuys.
Logo na entrada, uma obra em gesso é pretexto para exibir o virtuosismo do escultor, que executa um panejamento em sentido clássico, ou seja, a representação pétrea das dobras e pregas do tecido. Mais adiante, resíduos formais de surrealistas como Salvador Dalí vão ressurgir numa espada molenga, tentáculos de um molusco metálico e uma cadeira gigantesca, de encosto alongado e pernas bambas.
O barroco de Aleijadinho é revisto em duas figuras que se atraem e repelem ao mesmo tempo. Em aço inoxidável, reluzente até não poder mais, "O Pensador" de Rodin ganha releitura à luz de Takashi Murakami. Uma cadeira de ferro, refletida à exaustão por um jogo de espelhos, é aceno ao conceitualismo de Joseph Kosuth.
"A falta de uma linha contínua tem sido a única linha contínua no meu trabalho", admite Cemin, que se define "onívoro em termos de arte". É a deixa para aludir ao "metabolismo elétrico, digital" de "Computer", escultura em madeira rústica com um nó de troncos retorcidos, índice dessa digestão de influências.
Cemin, artista "sem estilo", parece mostrar mastigados conceitos-chave da produção escultórica moderna. Sua retrospectiva escancara o método antropofágico por trás do trabalho e toma ares de mostra coletiva, como se tentasse reunir o melhor representante de cada período, embaralhando forma, conteúdo e ornamento.
Arrancando outra mordida, agora na literatura, parece evocar o poema em que T.S. Eliot escreveu: "O tempo presente e o tempo passado / Talvez ambos estejam presentes no tempo futuro, / E o tempo futuro contido no tempo passado". De um monte de areia no meio do espaço expositivo, surge uma roda de bronze, a forma liberta da matéria amorfa. Com o nome "Childhood", ou "infância", atravessa tempos, do embrião à fixidez da forma final, juntando todas as épocas, de Eliot e Antonio Canova aos dias de hoje, ontem e amanhã.
Esta é a primeira grande exposição do artista no Brasil, desde sua mostra individual em 2006. Radicado em Nova York e Paris, o gaúcho já participou da Documenta de Kassel, Bienal do Mercosul e Bienal de São Paulo.
SAINT CLAIR CEMIN
Quando: abertura hoje, às 20h; ter. a dom., 11h às 20h; até 5/7
Onde: Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, tel. 2245-1900)
Quanto: entrada franca
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