segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Galeria Virgilio exibe pinturas de Lucia Laguna

Artista fluminense traz a São Paulo nove recentes

telas das séries Paisagem e Estúdio.

Abertura no dia 20 de outubro, terça-feira, às 19h30

Lucia Laguna, Estúdio 28, 2009 (acrílica e óleo s tela, 138 x 198)

A Galeria Virgilio inaugura no dia 20 de outubro, terça, às 19h30, a mostra individual “Janela” da artista fluminense Lucia Laguna, exibindo nove recentes obras em acrílica e óleo sobre tela, além de uma projeção em vídeo. Texto de apresentação de Marisa Flórido.

Para esta mostra, a artista selecionou duas obras da série “Estúdio”, onde recria o universo íntimo de seu estúdio de trabalho. Além destas, Lucia escolheu cinco telas de “Paisagem”, série em que se dedica a recriar pacientemente, por meio de sucessivas camadas de tinta, vedações e elaborações formais, as belas paisagens que vê a partir do ateliê, localizado no bairro de São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Por fim, ela traz a público também três delicados trabalhos da série “Pequenos Formatos”, que são telas de 39 x 44 cm em que usa com grande liberdade formal as tintas de suas grandes telas recém acabadas.

“Creio que a pintura pode resgatar um tempo de olhar que se perdeu no caos de imagens que bombardeiam as cidades”, atesta a artista.

Para o crítico e curador Paulo Sérgio Duarte, Lucia segue a tradição não edipiana da grande arte contemporânea brasileira, que, segundo ele, ao invés de negar, guarda fortes relações e interações com a modernidade. “Ela não tem um pai superpoderoso para ser assassinado, que atravessa seu caminho, que passa com a roda em cima do seu pé”. Para ele, esta é uma relação “menos de filho para pai e mais de irmão para irmão, apenas como se o artista moderno fosse o irmão mais velho”, salienta em texto sobre a artista para mostra no Centro Cultural Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Ainda segundo Duarte, a pintura da artista se insere naquilo que denomina a “estratégia da delicadeza”, dirigida a uma sociedade urbana, anônima a quem não interessa a origem da pintura ou a forma como foi feita, em oposição à “sociedade do espetáculo”, termo propalado pelo francês Guy Débord.

Segundo Paulo Herkenhoff, no texto “A Economia da Pintura”, de 2006, Lucia Laguna é uma das grandes revelações da pintura no Brasil do século XXI. Ao longo da elogiosa missiva, o crítico não poupa adjetivos à artista, cuja tela, afirma, “pode ser analisada como uma trama de acontecimentos pictóricos em busca do ponto de convivência (...)”. Para ele, “a densidade da pintura está na intensidade de tais acontecimentos e o modo como a artista busca um ponto de equilíbrio da presença deles no espaço pictórico conforme respostas conjunturais que excitam a intencionalidade. Cada acontecimento é um elemento da arquitetura da paisagem. A pintura é o resíduo imaginário deste processo”.

Lucia Laguna

Egressa das letras, a hoje consagrada artista Lucia Laguna foi professora de Língua Portuguesa na rede estadual até ingressar com o pé direito nas artes visuais em 1994, quando começou seus estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Teve como mestres Luís Ernesto, Charles Watson, João Magalhães, Katie van Scherperberg e Reinaldo Roels. Dando continuidade aos estudos, em 1998 matriculou-se no Curso de Teoria e História da Arte na mesma escola, onde foi aluna de Marco Veloso, Annabella Geiger, Paulo Sérgio Duarte e Paulo Herkenhoff, entre outros. Não à toa, estes dois últimos tornaram-se seus grandes admiradores, tendo lhe dedicado extensos e elogiosos textos críticos em que salientam a qualidade de sua produção. De 1996 a 2009, Lucia participou dos Dynamic Encounters – cursos intensivos de arte organizados por Charles Watson e realizados em viagens por Nova York e Europa.

A trajetória da artista é curta, porém meteórica, uma vez que, desde sua primeira mostra coletiva no Parque Lage, em 1997, Lucia expôs em nada menos que 24 mostras coletivas no Brasil, Espanha (Arco Madrid) e Suíça (Basel), com destaque para a sua participação na itinerância nacional da mostra “Paradoxos: Rumos Itaú Cultural 2005/2006”, além de duas edições da feira SP Arte. Cumpre salientar que a artista também foi uma das cinco vencedoras da edição 2006/2008 do Prêmio CNI-SESI Marcantônio Vilaça. Durante o mesmo período, realizou nada menos que nove mostras individuais em espaços institucionais e galerias em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Serviço:

Evento: Janela - exposição individual de Lucia Laguna

Local: Galeria Virgilio

Inauguração: 20 de outubro de 2009, terça-feira, a partir das 19h30

Período expositivo da mostra: de 21 de outubro a 14 de novembro

Endereço: Rua Virgílio de Carvalho Pinto, 426

CEP 05415-020, Pinheiros, São Paulo - SP

Telefones: (55 11) 3061 2999

Horários: de segunda a sexta, das 10 às 19h; e sábado, das 10 às 17h

Entrada franca

www.galeriavirgilio.com.br

Informações para a imprensa:

Adelante Comunicação Cultural

Décio Hernandez Di Giorgi

dgiorgi@uol.com.br

CRÍTICA: Tragédia / Acervo Oiticica


Obra não era preservada como merecia

po Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo




Por mais triste, lamentável e trágica que possa ser, a perda de praticamente todo o acervo do artista Hélio Oiticica representa, finalmente, o fim do fetiche pelo material em suas obras e a libertação de suas ideias.


Oiticica foi um dos mais originais e importantes artistas do século 20. Sua defesa em romper os limites entre arte e vida foi das mais radicais, mas apenas nos últimos 20 anos passou a ter o merecido reconhecimento e repercussão.
Dois momentos fundamentais nesse percurso foram a Documenta, em Kassel (Alemanha), em 1997, que mostrou muitos de seus projetos e obras, e a 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, organizada por Lisette Lagnado a partir de conceitos do artista, mas que já nem exibiu objetos do artista, para atestar que suas ideias estavam proliferadas no circuito da arte.


No entanto, enquanto suas ideias ganhavam importância, um certo desvio de suas propostas também crescia. Oiticica queria que os Parangolés, um de seus mais importantes conceitos, que tinham nas capas uma de suas materializações, fossem usados por todos.


No entanto, o fetiche pelo original -que em seu caso é o menos importante, acabou dominando e em muitas mostras essas capas eram vistas penduradas como tristes espectros de algo muito mais vital.


Do ponto de vista do mercado, algo semelhante ocorria. As obras passaram a subir de preço exponencialmente, enquanto para o artista, durante sua vida, isso não era o fundamental, e seu trabalho passou a ser engessado naquilo que justamente ele criticava: o objetual.


Claro que é inacreditável que tudo tenha se esvaído dessa forma, até porque é a segunda vez que um incêndio destrói um acervo importante no Rio: foi assim que grande parte da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio foi perdida, em 1978.


Claro que é lamentável que o precioso acervo de Oiticica não estivesse preservado da forma como merecia, numa instituição, mesmo que já existisse o Centro de Arte Hélio Oiticica, criado pela Prefeitura do Rio, palco de recentes polêmicas.


Durante um bom tempo, parte do que se queimou esteve lá armazenado e poderia estar a salvo. Mas isso faz parte da precariedade institucional que é típica no Brasil e das dificuldades que envolvem herdeiros em casos do tipo.


Recentemente, o Ministério da Cultura havia iniciado contatos para a criação de um museu Hélio Oiticica. Mas, essa institucionalização, se por um lado seria fundamental para preservar sua memória, poderia representar um risco ao institucionalizar sua obra, algo sempre contestado pelo artista.


Em Porto Alegre, artistas que participam da 7ª Bienal do Mercosul lamentavam ontem a perda desse acervo, mas também comentavam que parecia ser uma estranha vingança pelo tratamento que sua obra vinha ganhando.


Agora, se já não há mais original, então todos podem criar seu Parangolé. Felizmente, grande parte de seu acervo foi digitalizado e encontra-se disponível no site do Itaú Cultural, num dos mais importantes projetos de memória da arte brasileira. Os originais -e são milhares deles, pois tudo o que Oiticica pensava era obsessivamente descrito em seus cadernos- podem estar queimados, mas conseguiram sobreviver na internet, onde todos podem ter acesso, como o artista queria que fosse sua obra.

Diretora Centro Municipal Hélio Oiticica quer divulgar obras de Oiticica salvas de incêndio


Maior parte das obras estão guardadas em cofre da família e Centro Municipal já não é mais sede de projeto

Adriana Chiarini - O Estado de S.Paulo

A diretora do Centro Municipal Hélio Oiticica do Rio de Janeiro, Ana Durães, quer divulgar o que existe na reserva técnica de obras do artista que dá nome ao lugar e que se encontra trancada, com as chaves ainda com a família Oiticica, de acordo com ela. São algumas das obras que se salvaram do incêndio na sexta-feira à noite na casa do irmão do artista, César Oiticica, onde estava cerca de 90% do acervo, segundo a família.


Por dificuldades de negociação entre a Prefeitura e a família, o Centro Municipal não é mais sede do projeto de mesmo nome, nem está expondo atualmente nenhuma obra de Hélio Oiticica. Ana disse, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que quer promover um debate sobre os direitos dos herdeiros e do poder público sobre as obras dos artistas.
César Oiticica, irmão de Hélio, observa cômodo incendiado na zona sul do Rio de Janeiro



O que significa o incêndio dessas obras de Hélio Oiticica?

Estamos pesarosos porque a obra do Hélio tem valor histórico uma importância para a arte brasileira que é imensurável. É muito mais que o valor econômico. É uma perda terrível mesmo. Estamos consternados, de luto. Acho que a maioria dos artistas contemporâneos tem uma influência, tem um diálogo com Hélio.



Que obras de Hélio Oiticica estão no Centro?

Eu assumi em fevereiro. Quando eu entrei, o acervo já não estava mais aqui. Na reserva técnica que temos disponível, temos os penetráveis Iemanjá, Tia Ciata, Ninho e Rijanviera. Mas existe uma outra reserva técnica trancada. As chaves estão com a família e só eles sabem o que tem lá. Queremos abrir para a imprensa. As obras que estão aqui no Centro são as que estavam em uma exposição que inicialmente ia de dezembro a junho, chamada Penetráveis 1 e 2. Como tivemos um problema na última parcela de prestação, eles interromperam a exposição em abril e depois retomamos em julho e agosto. A gente tentou negociar uma forma de comodato para ver se o terceiro andar poderia ter as obras de Hélio. A negociação com a família estava complicada.



Que problema foi esse?

Essa exposição Penetráveis teve um valor alto e foi dividida em parcelas. Tinha uma última parcela, em torno de R$ 243 mil, que foi suspensa quando a nossa secretária (de Cultura, Jandira Feghali) assumiu. Ela resolveu fazer uma auditoria, o que é justo, e não foi só no Centro Hélio Oiticica, foi em toda a Secretaria. Eles (o Projeto Hélio Oiticica) teriam que receber em janeiro. Em janeiro, foi a posse e aí iniciou a auditoria. Teve uma demora. Quando entrei, eu nem sabia dessa parcela. Fizemos uma reunião com a família e nela dissemos que terminada a auditoria, eles iriam receber.



Mas o atraso incomodou?

Eles, apressadamente, resolveram fechar a exposição. Aí foi muito desagradável, porque parecia que estávamos querendo expulsá-los daqui, o que em momento algum, aconteceu.



O Chico Chaves, coordenador de Artes Visuais da Funarte, disse que a Secretaria Municipal não estava querendo pagar pela conservação das obras do acervo. Foi isso?

Desconheço. Na nossa gestão, nunca foi proposto conservação e nunca foi negado. Era um acordo para a renovação do contrato, que já tinha vencido na gestão anterior e que não podia ficar nessa forma.



Que contrato era esse? Da exposição?

Não, era um contrato da gestão anterior para o Projeto Hélio Oiticica ficar abrigado aqui. A exposição "Penetráveis" foi paga, tanto que eles retomaram. A exposição custou aproximadamente R$ 600 mil, divididos em cotas. Fora isso, eles recebiam mensalmente uma parcela de R$ 20,5 mil para a manutenção. É um valor considerável. Fomos supercordiais para tentar renegociar. Foi sugerido que eles fizessem nova proposta.



Eram dois contratos, um para o Projeto e outro para a exposição?

Não. Era um contrato só. Porque dentro do contrato do Projeto Hélio Oiticica, fizeram essa exposição. Foram pagas duas prestações e a última que era para pagar em janeiro é que atrasou, mas foi paga, acho que em abril. Nunca agimos de má fé. Eles chegaram a ir para os jornais dizer que estavam sendo expulsos. Tinha manifestação artística para pressionar. Jamais a Jandira disse que eles não receberiam. Queremos realizar um debate sobre essa questão das famílias dos artistas e do Estado sobre as obras.

Entrevista: Ferreira Gullar

Perda do acervo de Oiticica é "catástrofe", diz Ferreira Gullar

Ricardo Westin da Folha de S.Paulo

O poeta Ferreira Gullar, companheiro de Hélio Oiticica nas origens do movimento neoconcreto, chamou de "catástrofe" o incêndio que destruiu boa parte da obra do artista, na sexta. "O lamentável é que o incêndio destruiu uma das contribuições mais originais e audaciosas à arte brasileira."

O parangolé "Capa 23M'way Ke" de Hélio Oiticica, dedicado a Haroldo de Campos

Folha - Qual foi a pior perda?

Ferreira Gullar - Não sei exatamente o que se perdeu. Mas, se as pinturas do Hélio foram destruídas, a própria história do trabalho dele se perdeu. Embora pouca gente conheça, as pinturas estão na origem da experiência, o elemento nuclear do trabalho futuro dele. Eram de muito boa qualidade.

Folha - Qual foi a principal contribuição de Oiticica à arte brasileira?

Gullar - Hélio e Lygia Clark foram os dois artistas do grupo neoconcreto que levaram as experiências dessa proposta às últimas consequências. O grupo nasceu em função de uma superação de certas propostas concretistas, mais racionais e objetivas. O movimento introduziu nessa arte construtiva a experiência subjetiva e a emoção, antes descartadas.

Folha - Como?

Gullar - Eles foram os que levaram essa experiência às últimas consequências. O Hélio fez o "Parangolé", uma capa derivada da porta-bandeira da escola de samba, para o cara dançar com ela nas costas... Isso tem muito pouco a ver com pintura ou escultura. A experiência de Hélio dentro da linguagem neoconcreta chega ao limite com a série de "Bólides", construções em que se misturam formas cúbicas com material quase deletério, como se fossem vísceras. Quando vai para o "Parangolé", no meu ponto de vista, ele sai das artes plásticas. Mas é uma experiência válida.

Folha - De que forma Oiticica influenciou outros artistas?

Gullar - Não é que ele e Lygia tenham influído no desenvolvimento da arte contemporânea, mas foram antecipadores de tendências que vieram a se manifestar em seguida, como o que mais tarde se chamaria de instalações. O labirinto, a obra em que a pessoa penetra... Não é apenas ver a obra. É preciso participar, integrar e usar o próprio corpo como parte da obra. Isso é antecipador.

Folha - Como foi sua participação no movimento neoconcreto?

Gullar - O meu "Poema Enterrado" foi construído na mesma casa que sofreu o incêndio, na Gávea Pequena, atrás do Jardim Botânico, em 59. Hélio viu o meu desenho no jornal e teve de convencer o pai a permitir que o poema fosse instalado na casa nova. Era um poema no subsolo, e você entrava nele. A mesma coisa fez Hélio com "Cães de Caça" e "Labirintos".

Após incêndio, Centro Oiticica critica destino de obras de artistas mortos



Caio Barreto Briso da Folha Online, no Rio

Após o incêndio que destruiu grande parte do acervo do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), na madrugada de sábado no Rio, a gestora do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Ana Durães, criticou o destino que é dado ao acervo de muitos artistas mortos no Brasil.

"Não raro, as obras são mantidas pela família, mas elas fazem parte do patrimônio cultural da humanidade", disse em entrevista à Folha. Segundo ela, as obras deveriam ser integradas ao acervo de museus.

O curador do Museu de Arte Moderna do Rio (MAM), Luiz Camillo Osorio, discorda. "Ela diz conceitualmente que é patrimônio da humanidade. Legalmente, a obra é da família."

Osorio diz que falta aos museus brasileiros uma política de aquisição de obras. "É um problema de gestão dos museus."

No entanto, Durães admite que o próprio Centro Hélio Oiticica não teria condições de receber o acervo do artista. As obras dele eram mantidas na casa do irmão, César Oiticica, no Jardim Botânico (zona sul) que se incendiou.

"Nosso espaço é um centro de arte, preparado para receber exposições temporárias, não temos estrutura museológica para manter um acervo permanente", disse Durães.

Na direção oposta, a secretária municipal de Cultura do Rio, Jandira Feghali, disse que o espaço teria condições de manter as obras de Oiticica. Afirmou que a secretaria tentou levar o acervo do artista para o centro várias vezes.
César nega: "Se tivesse acontecido teríamos dado gargalhadas. Lá não há segurança nem controle de umidade."

Restauração

César disse que foram achados ontem, em bom estado de preservação, cinco obras do seu irmão, que estavam no meio das cinzas. São dois relevos (um espacial e um de parede), dois bilaterais e a maquete do projeto "Cães de Caça", um penetrável que nunca foi montado.

A restauração das obras será coordenada pela americana Wynne Phelan, que já fez a restauração de quase toda a obra de Hélio Oiticica em 2006.

CRÍTICA: Bienal do Mercosul

Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, acerta na radicalidade


por Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo


Já em seu início, em 1997, a Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, com curadoria de Frederico Morais, era marcada por um caráter experimental. Naquela época, sua pretensão foi reescrever a história da arte a partir de uma visão não-hegemônica, ou seja, fora do eixo europeu e norte-americano.

Montagem de obra de Iran do Espírito Santo, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul

Agora, em sua sétima edição, esse caráter experimental alcança sua maior radicalidade, ao colocar o artista e seu processo criativo --e não mais a figura do curador-- como o centro de organização.

É uma das mostras mais inovadoras dentro do confuso universo das bienais, que costuma transitar entre o apelo fácil para o público e o discurso direcionado a especialistas.

"Grito e Escuta" foi concebida pela curadora argentina Victoria Noorthoorn e pelo artista chileno Camilo Yáñez, ao lado de outros oito artistas cocuradores --uns responsáveis por áreas específicas, como o projeto pedagógico, a cargo da argentina Marina de Caro, outros por segmentos expositivos, como a brasileira Laura Lima.

O resultado é um trabalho efetivamente polifônico, que apresenta exposições surpreendentes e muito distintas umas das outras.

Curiosamente, as mais tradicionais são as organizadas por Noorthoorn: "Ficções do Invisível", no Cais do Porto, e "Desenho das Ideias", no Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Isso não significa que sejam menos impactantes.

A primeira, com uma cenografia elegante (de ilhas marcadas por tecidos negros), é uma constelação que tem no teatro e na dança seu começo e seu fim: começa com "Breath" (Respiração), uma peça de 67 segundos de Samuel Beckett encenada por Daniela Thomas, e termina com o coreógrafo francês Jérôme Bel em um vídeo metalinguístico.

Já "Desenho das Ideias" reúne um grupo mais histórico que trabalha com desenho, mas não só, buscando revelar o processo criativo de artistas como Anna Maria Maiolino, Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Flávio de Carvalho e León Ferrari.

Curadorias dos artistas

O trabalho mais impactante, contudo, é de Iran do Espírito Santo, uma parede que parece um buraco negro, para onde é difícil deixar de olhar. Lenora de Barros, curadora da Radiovisual, alocou nesse segmento algumas obras, provocando interessantes fricções.

Contudo, são as curadorias dos artistas as grandes surpresas. A começar pela mostra "Absurdo", de Laura Lima, num dos armazéns do Cais do Porto, com o piso recoberto por nada menos do que 20 caminhões de areia.

Paisagem lunar, num contraponto brilhante com o rio Guaíba, que se vê por grandes portas, ela reúne obras projetadas em telas, como o lindo vídeo de Marcellvs L., ou mesmo na areia, como Márcia Xavier, ou então numa pequena casa, como o surreal vídeo "Lucia", assinado pelos chilenos Niles Atallah, Joaquin Cociña e Cristóbal Léon. Esse é um dos trabalhos mais incríveis da mostra, uma mistura de William Kentridge e Stanley Kubrick.

Esse pavilhão é das experiências mais vibrantes que se pode ter em arte contemporânea.

Finalmente, o armazém que reúne as mostras "Texto Público", organizada por Artur Lescher, e "Biografias Coletivas", a cargo de Camilo Yáñez, é outro destaque. Nesses dois segmentos, fortalece-se uma tese que é desenvolvida ao longo de toda a Bienal: a junção arte e vida, princípios que nortearam os anos 1960 e 70, é hoje o cerne do pensamento mais intrigante na cena contemporânea.

SERVIÇO


Quando: de ter. a dom., das 9h às 21h; até 29/11

Onde: Armazéns do Cais do Porto, Santander Cultural e Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre; tel. 0/ xx/51/3433-7686

Quanto: entrada franca

Cotação: ótimo