segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Entrevista: Ferreira Gullar

Perda do acervo de Oiticica é "catástrofe", diz Ferreira Gullar

Ricardo Westin da Folha de S.Paulo

O poeta Ferreira Gullar, companheiro de Hélio Oiticica nas origens do movimento neoconcreto, chamou de "catástrofe" o incêndio que destruiu boa parte da obra do artista, na sexta. "O lamentável é que o incêndio destruiu uma das contribuições mais originais e audaciosas à arte brasileira."

O parangolé "Capa 23M'way Ke" de Hélio Oiticica, dedicado a Haroldo de Campos

Folha - Qual foi a pior perda?

Ferreira Gullar - Não sei exatamente o que se perdeu. Mas, se as pinturas do Hélio foram destruídas, a própria história do trabalho dele se perdeu. Embora pouca gente conheça, as pinturas estão na origem da experiência, o elemento nuclear do trabalho futuro dele. Eram de muito boa qualidade.

Folha - Qual foi a principal contribuição de Oiticica à arte brasileira?

Gullar - Hélio e Lygia Clark foram os dois artistas do grupo neoconcreto que levaram as experiências dessa proposta às últimas consequências. O grupo nasceu em função de uma superação de certas propostas concretistas, mais racionais e objetivas. O movimento introduziu nessa arte construtiva a experiência subjetiva e a emoção, antes descartadas.

Folha - Como?

Gullar - Eles foram os que levaram essa experiência às últimas consequências. O Hélio fez o "Parangolé", uma capa derivada da porta-bandeira da escola de samba, para o cara dançar com ela nas costas... Isso tem muito pouco a ver com pintura ou escultura. A experiência de Hélio dentro da linguagem neoconcreta chega ao limite com a série de "Bólides", construções em que se misturam formas cúbicas com material quase deletério, como se fossem vísceras. Quando vai para o "Parangolé", no meu ponto de vista, ele sai das artes plásticas. Mas é uma experiência válida.

Folha - De que forma Oiticica influenciou outros artistas?

Gullar - Não é que ele e Lygia tenham influído no desenvolvimento da arte contemporânea, mas foram antecipadores de tendências que vieram a se manifestar em seguida, como o que mais tarde se chamaria de instalações. O labirinto, a obra em que a pessoa penetra... Não é apenas ver a obra. É preciso participar, integrar e usar o próprio corpo como parte da obra. Isso é antecipador.

Folha - Como foi sua participação no movimento neoconcreto?

Gullar - O meu "Poema Enterrado" foi construído na mesma casa que sofreu o incêndio, na Gávea Pequena, atrás do Jardim Botânico, em 59. Hélio viu o meu desenho no jornal e teve de convencer o pai a permitir que o poema fosse instalado na casa nova. Era um poema no subsolo, e você entrava nele. A mesma coisa fez Hélio com "Cães de Caça" e "Labirintos".

Nenhum comentário:

Postar um comentário