terça-feira, 9 de junho de 2009

O limite entre a arte conceitual e o design é onde se costuma situar a obra do artista alemão

DW 2009


Tobias Rehberger, homenageado com o Leão de Ouro na Bienal de Arte de Veneza 2009.

Instalação de Tobias Rehberger na Bienal de Veneza de 2003

"Acredito que o artista seja uma espécie de catalisador", descreve Tobias Rehberger sua profissão. O alemão de 42 anos, professor da Escola Superior de Arte Städel, em Frankfurt no Meno, foi premiado com o Leão de Ouro na 53ª Bienal de Arte de Veneza por sua obra Was du liebst, bringt dich auch zum Weinen (O que você ama também o faz chorar). Rehberger é conhecido por suas instalações multicolores e bem-humoradas, no limite entre arte conceitual e design.

Nascido em 1966 em Esslingen, no sul da Alemanha, filho de um entusiástico pintor amador, Rehberger estudou de 1987 a 1992 na Escola Superior de Arte Städel, em Frankfurt. Um de seus professores foi o artista Martin Kippenberger.

Longe do gênio romântico

Em 1995, ele começou uma carreira meteórica. Desde as cópias gigantescas de quadros do seu pai até retratos de seus amigos artistas como vasos de flor, passando pela instalação de uma máquina para comprar livros em meio à floresta – muitos de seus trabalhos são celebrados no cenário artístico internacional.

O que já convence menos Rehberger é a imagem do artista como gênio. Para ele, o artista não cria originais inspirados por rasgos de espírito divinos, mas simplesmente catalisa, explicita. A arte se torna um produto tanto do artista quanto do observador.

Nos trabalhos de Rehberger se reconhece com frequência a tentativa consciente de colocar o observador no centro da obra, a fim de lhe conferir um papel novo, nitidamente mais ativo. O comprador de sua obra Mutter 93% (Mãe 93%, 2002), modelo de uma garagem em escala quase real, adquiriu não apenas a obra de arte, mas também o direito de reformar sua própria garagem do jeito que bem entendesse.

Descontextualização do cotidiano

Tobias Rehberger e Daniel Birnbaum, diretor artístico da Bienal 2009

Na tradição do objet trouvé fundada por Marcel Duchamp, Rehberger insere elementos conhecidos da arquitetura, design e da história da arte em contextos novos e incomuns, a fim de revelar, através da mudança contextual, o que coisas cotidianas têm de especial.

Uma de suas obras a causar sensação foi a instalação-filme On Otto (Sobre Otto, 2008), realizada para a Fondazione Prada. O trabalho tematiza o próprio processo de criação fílmica. Para tal, o artista rodou com Kim Basinger um filme em ordem inversa.

Tobias Rehberger também recebeu, entre outros, o prêmio de arte 1822, da cidade de Frankfurt no Meno, e o prêmio Hans Thoma.

SL/dpa
Revisão: Augusto Valente

"O futuro sempre se comporta de forma diferente" na Bienal de Veneza

DW 2009


Liam Gillick

Pela primeira vez, um inglês representa a Alemanha na mostra. Em entrevista à Deutsche Welle, Liam Gillick revela a visão do futuro e da história que imaginou para o pavilhão alemão. E as dificuldades encontradas.


Deutsche Welle: Liam Gillick, o senhor, um inglês, é responsável pelo pavilhão alemão na Bienal Internacional de Arte Contemporânea 2009, em Veneza. Uma situação bastante inusitada, ou não?

Liam Gillick: Montar um pavilhão na Bienal é diferente para cada país, e cada um lida com a coisa de forma diferente. O que gosto na Alemanha é que os curadores têm grande liberdade de decisão. Portanto a seleção do artista não é uma decisão política, mas sim tomada por um perito em arte. Isso significa muita responsabilidade e muita pressão para o curador. No Reino Unido, trata-se antes de uma decisão política. E na França o próprio ministro da Cultura é quem faz a escolha. Na Alemanha, o pavilhão é visto como uma espécie de museu temporário, aberto por alguns meses, a cada dois anos. O curador tem que pensar em cada detalhe e cada possibilidade. Complicado! E muito interessante.

Quão difícil para o senhor foi criar no pavilhão alemão em Veneza uma atmosfera que faça jus à sua arte?

Acho que é a coisa mais difícil que já fiz. Não só pela história do prédio, que foi reformado na década de 1930 pelos nazistas [que acrescentaram colunas monumentais]. Todos os grupos totalitários ou obcecados pelo poder empregam uma espécie de arquitetura sacral, é assim que manipulam as pessoas.

O interior do pavilhão é quase como uma igreja. Isso torna tão difícil encontrar o modo de trabalhar – em especial para alguém como eu, que não lida tanto com imagística iconográfica ou com ideias sacras. Eu quis deixar o edifício despojado, e não esconder nada. As janelas ficam abertas, a luz incide no ambiente, as pessoas podem entrar e sair à vontade. Ao mesmo tempo, eu também queria ignorar o prédio. Foi muito difícil e um desafio enorme.

O que nos espera no pavilhão alemão?

Era muito importante para mim que as portas ficassem escancaradas. A fachada do pavilhão devia ficar aberta e limpa, nada devia cobri-lo, ele tinha que voltar a poder ser visto de verdade. Ao entrar, vê-se primeiro uma espécie de anteparo visual, como os que se usam em lanchonetes, para afastar moscas: tiras de plástico colorido, através das quais o visitante se movimenta.

Aí se chega num ambiente que parece uma cozinha muito simples, de madeira, entre Ikea [cadeia internacional de móveis pré-fabricados] e algo mais profundo, mais fundamental, mais moderno. Uma espécie de modernidade alternativa, não a que se ocupa de grandes simbolismos ou ideologias universais, mas sim a outra, que, de certo modo, leva à cozinha contemporânea.

Interior do pavilhão alemão

Além disso, sobre um dos armários, vê-se um gato que conta uma história. Pode-se, portanto, estar na cozinha e escutar o gato falando sobre ideias, possibilidades, a tensão entre o amor e a compreensão intelectual, sobre mal-entendidos e desejos. Ele tem minha voz – eu sou o gato. O gato é uma criatura infiel, que pode ter vários donos. E uma figura que, de certo modo, já viu de tudo. Eu queria uma criatura que é infiel, mas ao mesmo tempo pede afeição. Ele representa, de certa maneira, a figura onisciente da História.

A cada edição do festival, debate-se em Veneza sobre o Leão de Ouro, concedido ao melhor pavilhão. Isso suscita muita rivalidade entre os diferentes países representados em Veneza. Essa premiação serve para alguma coisa?

Não dou grande valor à premiação dos pavilhões nacionais. Seria mais produtivo voltar o olhar para os artistas mais jovens ou mais velhos. Acho que os pavilhões já recebem muita atenção, de qualquer forma. Eu utilizaria o prêmio para incentivar os menos conhecidos. Os artistas, eles mesmos, já se conhecem bem entre si, pelo menos as obras dos colegas. Aqui quase não há rivalidade.

Quão importante é para o senhor estabelecer, no pavilhão alemão, um diálogo entre artistas, ou também entre os diferentes pavilhões?

Gato conta uma história

É muito importante. No fundo é um dos principais motivos para estar aqui. Por isso, contratamos uma equipe bem jovem de artistas e historiadores da arte para trabalhar aqui nos próximos meses. A ideia é começarem um diálogo que influenciará fortemente sua visão das coisas. Para mim é muito importante conversar com os colegas aqui, mesmo com aqueles com quem nem sempre concordo. Muitos pensam que Veneza é, acima de tudo, autoincensamento, mas aqui também há numerosos momentos de tensão e de contradições.

Liam Gillick (1964) é artista plástico, designer, crítico e autor. Suas instalações ocupam salas inteiras, e se baseiam em concepções minimalistas. Elementos frequentes são letras, estantes e divisórias coloridas, utilizando acrílico e trilhos de alumínio. Ele tem publicado ensaios, críticas e textos de ficção. Em 2002, foi indicado para o Prêmio Turner. Sua obra exposta no pavilhão alemão da 53ª Bienal de Veneza se intitula O futuro sempre se comporta de modo diferente.

Autor: Breandáin O'Shea
Revisão: Roselaine Wandscheer

Brasileira Renata Lucas abre estrada em Veneza

Marcos Augusto Gonçalves da Folha de S.Paulo

O catálogo da 53ª Bienal de Veneza, aberta no último domingo (8) para o público, traz imagens surpreendentes de obras de Renata Lucas, 38, brasileira que vem ganhando cada vez mais reconhecimento no circuito internacional da arte contemporânea. Numa das imagens, vê-se uma convidativa piscina construída dentro de um dos canais da cidade. Em outra, duas comportas interrompem o fluxo de água, deixando aparecer no fundo da laguna um insólito pedaço de estrada asfaltada.
Marcos Augusto Gonçalves/Folha Imagem
Renata Lucas posa ao lado de sua obra: uma estrada feita abaixo do piso da Bienal

Mas nenhuma dessas intervenções tornou-se realidade. Como outras propostas apresentadas pela artista à Bienal, não puderam ser construídas. Não por que fossem consideradas ruins pelos curadores da exposição, mas por parecerem caras e de difícil realização.

Intervenções na arquitetura e no espaço público são marca registrada de Renata, que na 27ª Bienal de São Paulo duplicou uma calçada numa rua da cidade, com postes e arbustos.

Em Veneza, algumas de suas ideias não chegaram sequer às mesas das autoridades que poderiam aprová-las: diante das restrições que cercam as construções da cidade histórica, a própria direção da mostra tratou-as como inexequíveis.

"Trabalhei muito, mas nada podia ser levado adiante. Até coisas mais simples, que pouco mexiam com o espaço público, foram recusadas", conta ela, que contesta a ideia de que suas propostas são difíceis e podem alterar de maneira definitiva os locais onde são realizadas. "Todos os meus projetos são reversíveis", diz a artista.

Ainda que seja assim, o fato é que quando a Bienal foi fechar o catálogo da exposição (em Veneza, diferentemente de São Paulo, ele pode ser adquirido na abertura do evento), Renata ainda não tinha um trabalho definido. "Sugeri então que publicassem no catálogo as imagens de todos os projetos que eu havia proposto, e dei o nome à série de "Venice Suitcase" (mala de Veneza)."

Depois de uma negociação que classifica como "exaustivo", ela conseguiu, enfim, sinal verde para uma obra de execução menos complexa do que uma piscina, mas de resultado não menos interessante.

Estrada

Nos dois principais espaços da Bienal, os Giardini (jardins) e o Arsenale, a artista instalou pedaços de uma estrada de asfalto sob o solo --ainda que a pouca profundidade. No início, a autorização para a camada de asfalto no piso dos Giardini (originalmente de terra e pedrisco) era para apenas 20 m2, mas a Bienal conseguiu que chegasse a 90 m2. No Arsenale, são menores, com menos de 10 m2, e ficam dentro do pavilhão.

"Grandes mostras como a Bienal de Veneza são quase sempre um quebra-cabeça, uma negociação entre o desejo do artista e a realidade. Mas essas dificuldades também têm um lado interessante. Tudo isso me fez lembrar um filme do Lars Von Trier chamado "Five Obstructions", que tem como tema uma série de restrições ao trabalho de um cineasta. Foi cansativo, mas no final fiquei satisfeita com o resultado", diz Renata.

As instalações dão o que pensar. Uma das ideias que suscitam --da qual a artista particularmente gosta-- é a de se poder encontrar sob a superfície da velha cidade não uma camada do passado, mas alguma coisa do futuro, uma estrada de asfalto. "É como escrever a história ao contrário", diz.

Renata recebeu o convite para participar da Bienal em julho de 2008, quando estava em Barcelona. Logo a seguir fez uma primeira visita à cidade, retornou em novembro e, em janeiro, alugou um quarto para ficar. "Eu sou demorada, custo a fazer, preciso de tempo para pensar", explica. Durante os meses em que se defrontou com Veneza, descobriu um lugar labiríntico, histórico e, ao mesmo tempo, artificial.

"As camadas que não podem ser mexidas nem sempre são tão históricas assim. Há coisas que foram feitas há pouco tempo, mas são tratadas como se fossem muito antigas. Embora tenha um lado muito legal, Veneza é uma cidade-souvenir, um parque de diversões, e a Bienal, de certa forma, reflete tudo isso", diz.

Fechada a mala de Veneza, Renata vai passar um período em Berlim. Ela ganhou o prêmio Ernest Young, que lhe oferece estadia na cidade e uma exposição na Kunstwerk. Um outro prêmio, da Dena Foundation, vai resultar num livro, que deve ser publicado em novembro.

Brasileiro Cildo Meireles leva instalação "penetrável" a Veneza

Marcos Augusto Gonçalves da Folha de S.Paulo

A instalação que o artista brasileiro Cildo Meireles mostra na Bienal de Veneza é uma espécie de "penetrável", conceito desenvolvido pelo também carioca Hélio Oiticica (1937-1980) para seus ambientes --obras nas quais o espectador é convidado a entrar.

No caso, trata-se de uma sequência em linha reta de seis salas interligadas, pintadas com cores impactantes, que o visitante pode atravessar numa direção ou noutra.

Em cada uma das salas, o artista, que não esteve presente na abertura do evento, afixou uma tela de TV reproduzindo uma a uma as cores escolhidas: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e violeta.

A instalação não faz parte do pavilhão brasileiro --é uma escolha da curadoria geral da Bienal, assim como os trabalhos de Lygia Pape (1927-2004), Renata Lucas e Sara Ramo, todos exibidos no Arsenale, um grande pavilhão que foi em outros tempos um arsenal militar.

Ramo, artista brasileira de origem espanhola, tem duas obras no local. No interior do pavilhão, ela exibe um vídeo (que foi mostrado na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, no ano passado) intitulado "Quase Cheio, Quase Vazio".

Do lado de fora do prédio, criou uma casa-instalação inspirada na célebre história infantil de João e Maria. A artista, que vive e trabalha em Belo Horizonte, considera que esse é o "mais narrativo" de seus trabalhos. "A ideia", diz Ramo, "é que as pessoas entrem fisicamente na historia deles".