quinta-feira, 16 de julho de 2009

Burle Marx 100 anos: obra em ''constante vaivém''

Mostra no MAM, que celebra centenário do artista, revela várias áreas de atuação

Camila Molina do Estado de S. Paulo

Ao lado de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, Burle Marx foi um dos pilares que deram "sotaque particular e original" ao movimento moderno arquitetônico trazido por Le Corbusier, como afirma Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial, no Rio, e curador da mostra Roberto Burle Marx 100 Anos: A Permanência do Instável, que será inaugurada hoje no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nacionalmente e internacionalmente, Burle Marx ficou reconhecido como dos grandes paisagistas - responsável por projetos que se tornarm sua marca, como, no Rio, o do Parque do Flamengo, o da calçada da Avenida Atlântica e do Palácio Capanema, então Ministério da Educação e Saúde, e dos jardins da Pampulha, em Belo Horizonte -, mas ele foi um criador muito além desse campo. "Indisciplinado e workaholic", como diz Cavalcanti, Burle Marx (1909-1994) tem uma produção que compreende a pintura também como parte importante de sua trajetória, a gravura, e ainda incursões no design de jóias e de vasos, de cenários e figurinos e a realização de belas tapeçarias. É essa faceta múltipla que ressalta na mostra feita especialmente para celebrar o centenário do artista, a ser completado em 4 de agosto.

Há uma definição precisa do urbanista Lucio Costa para a produção de Burle Marx, estampada logo no início da exposição: sua obra é "um constante vaivém" entre o paisagismo, a botânica, o desenho, as artes plásticas, enfim. Inevitavelmente, é esse movimento que se sente no percurso de toda a Grande Sala do MAM: o abstracionismo das cores dos quadros do artista se refletem nos vários guaches sobre o papel de seus projetos paisagísticos e até na monumental tapeçaria de 1969, com quase 25 metros de comprimento. Pertencente à prefeitura de Santo André, a tapeçaria é um grande destaque (com o perdão do trocadilho) da exposição, exibida anteriormente no Paço Imperial, no Rio, onde recebeu 180 mil visitantes - ela também é acompanhada de um alentado livro, editado pela Rocco e com textos de diversos especialistas.

Burle Marx nasceu em São Paulo, mas foi o Rio a sua verdadeira base. Também viveu na Alemanha quando jovem - uma importante experiência para sua formação -, voltando ao Brasil, em 1932, quando realizou no Recife, "terra de sua mãe", seus primeiros projetos paisagísticos. O subtítulo da mostra, a Permanência do Instável, é uma licença poética referente ao paisagista e botânico, que desde jovem, primeiramente encantado com cactos, vitórias-régias, bromélias e outras espécimes tropicais, começa a criar jardins, ou seja "composições com elementos que mudam dia a dia", como diz Lauro Cavalcanti - as plantas crescem, se transformam ao longo do tempo e como um "pintor e jardineiro prático", definiu em 1949 Claude Vincent, era esse seu desafio. A exposição é rica em tratar do paisagista Burle Marx, perpassando com documentações, fotografias (dentre elas, feitas por Gautherot e Alair Gomes) e desenhos vários de seus projetos nesse campo, públicos ou residenciais, concretizados ou não, e criados para o Brasil e para outros países.

A mostra se dedica em grande parte, também, a dar destaque para o Burle Marx "excelente" pintor - e foi esse o primeiro mote que Lauro Cavalcanti teve para conceber a exposição, há cerca de três anos. "Todos os dias ele pintava pela manhã e fazia jardins à tarde", diz o curador, afirmando ainda que o artista ficava chateado por ter sua pintura relegada a segundo plano. A mostra apresenta as telas feitas por ele da década de 1930 até o fim de sua vida (incluindo até um quadro inacabado).

FESTIVAL EM BH TERÁ MAIS DE 60 OBRAS

Sinal de que a performance vem ganhando espaço na agenda da arte contemporânea do país, começa em agosto a segunda edição da Manifestação Internacional de Performance. Idealizado pelos artistas Marco Paulo Rolla e Marcos Hill, o evento vai de 3 a 9 de agosto, ocupando espaços públicos de Belo Horizonte, o centro cultural 104 e o teatro Alterosa.
A primeira edição do evento foi em 2003 e só agora volta a acontecer. Bem maior que o festival Verbo, da galeria Vermelho, a MIP terá 40 artistas convidados, entre brasileiros e estrangeiros, e outras 22 performances escolhidas pela curadoria.
Alguns nomes escaladados entre os convidados são a turca Nezaket Ekici, a holandesa Mariëlle Videler e a brasileira Dudude Herrmann. Esses três também organizam uma série de workshops sobre performance entre 20 e 30 de julho em BH.
Outros nomes cotados para o festival são a zambiana Anawana Haloba, o coletivo goiano Grupo Empreza, as brasileiras Louise Ganz e Rose Akras, entre outros.

Crítica: Verbo 2009 por Silas Martí

fonte: Folha de S. Paulo

Ficar pelado não é sinônimo de boa performance artística

Mostra traz recorte potente do gênero, mas perde com nudez em trabalhos fracos

Bruno Fernandes/Folha Imagem
Coreografia com saliva e roupa íntima dos bailarinos da companhia francesa Les Gens d'Uterpan, que participou da última Verbo

A nudez ofuscou o que havia de bom na última Verbo, festival de performances da galeria Vermelho encerrado no último domingo. Não que o corpo tenha perdido o apelo, ainda mais no frio do inverno paulistano. Mas o que se viu, a despeito de obras mais bem acabadas de gente vestida, foi um espetáculo pueril.
Logo no primeiro dia, o português Gabriel Arantes já tinha garotas pintadas de índio com os seios à mostra. Mais constrangedor e um tanto datado, Marco Paulo Rolla levou um rapaz e outra mulher para quebrar taças -todos nus- num dos ambientes da galeria.
Foi dura a espera. Além de desviar dos estilhaços de vidro, o público, que foi minguando ao longo da performance, não respondeu às taças quebradas. Numa espécie de clímax não planejado, um dos meninos cortou o dedo num caco de vidro e concluiu o trabalho manchando de sangue os restos transparentes -devia vibrar de emoção com o acaso sofrido.
Dias depois, o holandês Anno Dijkstra esperou a sala lotar para então tirar toda a roupa. Amarrou um aparato no peito que simulava um tiro de revólver. No lugar do sangue cenográfico, um líquido dourado. Na hora em que levaria o disparo fajuto, algo deu errado. Virou então de costas para a plateia, rearmou o disparador e manchou de ouro o piso da galeria.
Era sua reinterpretação da performance "Shoot", de Chris Burden, em que o artista norte-americano, em plena Guerra do Vietnã, levou um tiro de verdade no braço -estava vestido.

Tédio e êxtase
Nua, Ana Montenegro encarou por meia hora uma plateia entediada. Era essa a performance: uma mulher pelada. No mesmo dia, Rose Akras ficou só de calcinha e pintou o corpo todo de preto, num trabalho em que evocava o êxtase das santas esculpidas pelo barroco italiano Gian Lorenzo Bernini.
Os bailarinos da companhia francesa Les Gens d'Uterpan também tiveram seu momento à vontade. De cueca e calcinha, babaram uns sobre os outros em poses contorcionistas que armaram pela galeria.
É verdade que a nudez, nesse caso, estava de acordo com o objetivo. Mas cansou a repetição, a certeza quase absoluta de que performance, no imaginário de boa parte dos escolhidos para esta Verbo, ainda é sinônimo de ficar pelado e fazer alguma coisa, qualquer coisa.

Vertente sonora
Funcionou, por outro lado, a vertente sonora desta edição. Se babando o Les Gens d'Uterpan conseguiu um impacto médio, o olhar fixo que jogava sobre os visitantes valeu mais, adensado pelos graves potentes de caixas de som espalhadas pela galeria. O mesmo valeu para Maurício Ianês, que fez reverberar pelo espaço uma sinfonia orgânica distorcida.
Daniel Fagundes, que no ano passado tentou enfiar mais de dez pessoas peladas num Fusca, orquestrou um concerto de buzinas com vários carros estacionados no pátio da galeria. Perdeu o ritmo, mas ganhou com a fusão de sua algazarra aos rojões do Pacaembu vizinho em noite de clássico.

Riso e choro
Vestidos, os espanhóis da dupla Los Torreznos transformaram a língua em instrumento abstrato em duas performances irretocáveis. Gritando "la cultura" à exaustão e, no dia seguinte, "el dinero", protagonizaram o momento mais que saudável em que a arte desceu do pedestal e riu de si mesma.
Mais para o choro, a turca Nezaket Ekici se pendurou do teto de ponta-cabeça e leu notas de agressão contra mulheres. Vestia uma burca. Não é preciso dizer que, nesse contexto, foi mais transgressora do que as várias peladas que desfilaram pelas salas da Vermelho.
A Verbo fechou ao som de uma canção triste em fita cassete, que o colombiano Ícaro Zorbar fez tocar com um mecanismo instalado num ventilador. Rolava a música e a fita magnética se desenrolava no vento em desenhos no ar -promessa sólida de que restam novos rumos para a performance.

Jean Dubuffet ganha primeira retrospectiva na América Latina


Gabriela Longman da Folha de S.Paulo

O escritório da Fondation Dubuffet fica escondido nos fundos de um prédio na região de Saint Germain de Près, em Paris. Foi dali que partiram 84 obras para a primeira retrospectiva do artista na América Latina, que abre nesta quinta-feira (16) para o público no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

A obra "Temps et Lieux", de 1979, que integra mostra no Instituto Tomie Ohtake

Ao lado das mostras de Matisse e Léger --ambas na Pinacoteca--, Jean Dubuffet (1901-1985) completa a trinca de grandes nomes do modernismo trazidos pelo Ano da França no Brasil. Trata-se, no entanto, de um modernista tardio --sua produção se concentra na segunda metade do século 20--, que nega aspectos do movimento e, em boa medida, prepara tendências futuras da arte.

A diretora da fundação Sophie Webel recebeu a reportagem da Folha poucos dias antes de embarcar, ela também, para São Paulo. Explicou o percurso que preparou para a mostra e as diferentes fases do artista que estarão ali retratadas. No começo, até os anos 40, Dubuffet era comerciante e pintava ao mesmo tempo. Apenas em 1942 assumiu-se como "artista" e passou a trabalhar ininterruptamente.

Esse "trabalhar" era múltiplo. Pintava, pensava, escrevia, experimentava, esculpia. No segundo núcleo, se encontram as pesquisas com texturas que fez nos anos 50 trabalhando com areia, papel, resíduo industrial, folhas secas.

Seu trabalho se aproxima e se distancia da abstração (embora rejeitasse a oposição figurativo/ abstrato). "Ele [Dubuffet] achava essa categorização redutora", disse Webel ao explicar a fase do Hourloupe. Criados entre 1960 e 1972, esses trabalhos são feitos a partir de cores puras --azul, vermelho e preto-- e de formas entremeadas numa espécie de labirinto pictórico.

As mesmas cores e tipo de forma aparecem transformados nas pinturas-fantasias-esculturas da performance "Coucou Bazar", criada em 1973 e vista pela primeira vez no Guggenheim, em Nova York, um grande destaque da mostra.

O nome da arte

Muitos mal-entendidos que cercam sua figura se associam ao conceito de "arte bruta", expressão cunhada por ele para designar a arte espontânea feita fora do circuito cultural.

"A arte não vem deitar na cama que fazemos para ela", escreveu em 1960. "Ela escapa logo que pronunciamos seu nome." Partindo dessa ideia, Dubuffet se interessou pela arte rupestre, pela arte feita por crianças, presidiários, doentes mentais. Criou importante coleção dessas obras, foi influenciado por elas, mas não deve ser classificado como artista bruto.

JEAN DUBUFFET
Quando: de terça a domingo, das 11h às 20h, até 7/9 Onde: Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, tel. 0/xx/11/2245-1900)
Quanto: entrada franca