terça-feira, 22 de setembro de 2009

Crítica: A cruzada cinzenta de Kassab



A mesma onda proibitiva que apaga grafites não atinge o vale-tudo das leis de zoneamento

por Rodrigo Andrade

O episódio recente em que a prefeitura de São Paulo apagou os grafites e pichações dos muros da Avenida 23 de Maio, pintando-os de cinza, revela a tendência maníaca por ordem que caracteriza a gestão Gilberto Kassab. Tendência que resulta mais de moralismo do que de inteligência. É a mesma tendência que recentemente espalhou nas ruas um monte de ilhas e/ou blocos de concreto que "disciplinam" os cruzamentos, estreitando as passagens e obrigando os motoristas a seguir e dobrar as esquinas da "maneira correta", dificultando o fluxo do tráfego em nome da ordem e dos bons costumes no trânsito e de uma aparência de cidade bem cuidada. Pode ser inteligente em termos eleitorais, mas não como solução prática, pois além de atrapalhar, o custo dessas ilhas poderia ser aplicado, por exemplo, na limpeza da cidade, que está longe de ser exemplar.

O prefeito Kassab notabiliza-se por investir grandes esforços em ações com a aparência da cidade. A lei que removeu as propagandas, placas e luminosos das paredes, fachadas de lojas, bares etc. teve um enorme impacto na cidade e deu muitos pontos ao prefeito. O impacto foi positivo, pois a cidade recuperou os contornos de uma fisionomia que estavam ocultos, soterrados por pesado lixo visual. Mas também trouxe perdas, já que privar São Paulo do brilho colorido dos neons, típica de grandes centros urbanos, é um tanto cruel.

Basta pensar na Times Square em Nova York, ou Piccadily Circus em Londres, ou Tokio. Com a lei, uma visualidade muito característica nossa se perdeu. É o caso da popular loja de sapatos Zapata, na Duque de Caxias, que tinha um imenso luminoso de neon com letras gigantes sobre uma fachada de perfilados de alumínio tão típica nossa. A retirada trouxe à luz a arquitetura do prédio (sem graça, diga-se) e um silêncio visual confortável, mas empobreceu e entristeceu aquela esquina. Talvez a lei devesse ser flexível, e permitir os neons em certos lugares (como em Londres e Nova Yorque, aliás). Acontece que aqui as leis são aplicadas sem bom senso. Creio se tratar de uma dificuldade em viver com regras, sem que para isso seja necessária a proibição total. É a proibição ou o vale-tudo.

Vivemos uma onda proibitiva sem precedentes em São Paulo. Só que essas proibições não atingem o vale-tudo das leis de zoneamento, uma questão crucial, e enquanto a prefeitura pinta de cinza muros com grafites ou constrói irritantes ilhotas nos cruzamentos, bairros como a Vila Romana, onde moro, estão sendo completamente transfigurados pela voracidade imobiliária, com incessantes construções de prédios de apartamentos que em pouco tempo tornarão este simpático bairro num inferno sem sol, sem gente andando pelas ruas - só carros - de trânsito pesado sem escoamento possível, dificuldade para estacionar e medo da violência. Para impedir esse verdadeiro crime urbano bastaria que o bom senso regulasse o crescimento da cidade, estipulando regras de construção adequadas (determinando, por exemplo, a altura máxima dos edifícios) e porcentagens razoáveis de reocupação, em vez da proibição pura e simples.

Quanto aos grafiteiros e pichadores, no ano passado houve dois episódios envolvendo ações coletivas que merecem consideração. Um na escola de Belas Artes e outro na Bienal. Em ambos os casos a ação foi violenta, truculenta e oportunista, explorando o evento com o simples propósito de autopromoção mediante argumentos capengas, se justificando com pseudo-conceitos como "questionamento dos limites da arte" e "liberdade de expressão", supostamente pertinentes numa discussão e num espaço "de arte". E a suposta posição de "vítimas do sistema" caía no ridículo do jogo de cartas marcadas da ação, da esperada repressão e a consequente repercussão na mídia (e o pior é que a estúpida e absurda prisão de uma pichadora dava consistência a essa posição de vítima). Essas ações deturpavam o próprio sentido das pichações como intervenções urbanas.

Muito diferente é ver a lateral cega de um prédio novinho, branquinho, marcado com aquela curiosa tipografia das pichações. Vandalismo, sem dúvida, mas ali eu vejo também um caráter subversivo divertido, manifestação de uma cultura urbana adolescente genuína e espontânea. Algumas são verdadeiras proezas. Devem ser naturalmente proibidas, mas já ouvi que, para os pichadores, sem a adrenalina proporcionada pela proibição não teria graça. Mas no caso dos belos grafites nos muros da 23 de Maio - uma via expressa árida - francamente, ali me parece o lugar mais adequado possível para eles e não há razão para proibi-los.

Mas Kassab viu uma oportunidade de empreender sua cruzada cinzenta. Cruzada que também se manifesta nas obras das calçadas da Paulista, onde mais de cem árvores foram simplesmente retiradas! Será que é para não precisar varrer as folhas secas que "sujam" as calçadas? Falta massa cinzenta para esses amantes do cinza que tem em Kassab um fiel representante. Viva os grafites, viva os neons, viva Zapata!

*Rodrigo Andrade é artista plástico

Trienal africana vem a São Paulo e Salvador


Silas Marti da Folha de S.Paulo

Terá braços em São Paulo e Salvador a próxima Trienal de Luanda, maior mostra de arte contemporânea africana, que começa em setembro de 2010 na capital angolana, com um orçamento de US$ 3 milhões.

Detalhe de tela de Mustafa Maluka, que estará na mostra de arte angolana

Nesta segunda edição, o curador Fernando Alvim, que organizou o primeiro pavilhão de arte contemporânea africana na Bienal de Veneza há dois anos, pretende estabelecer uma nova geografia para a arte do continente, estreitando os laços entre Angola e Brasil.
Embora a mostra principal em Luanda esteja marcada só para 2010, uma peça de teatro --"As Formigas", de Boris Vian-- e apresentações da banda Next dão largada à Trienal em São Paulo já em novembro.
Também integra a programação a exposição "Smooth and Rave", com artistas africanos contemporâneos, que ocupam em novembro a galeria Soso, no centro de São Paulo.
De frente para a galeria, um hotel desenhado por Ramos de Azevedo terá cada quarto convertido em videoinstalação a partir de maio de 2010, projeto dos curadores Jacopo Crivelli Visconti e Simon Njami.
"Não precisamos todos passar por Londres, Paris, Nova York para nos encontrar", diz Alvim. "É uma nova geografia que se está a instaurar entre São Paulo, Lisboa e Luanda."
Mais perto de Angola, a capital baiana será outro "epicentro" da Trienal. "Existe imensa conexão da África com o Brasil e ela se materializa por aqui", afirma Solange Farkas, diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, que levará a Luanda um recorte do festival Videobrasil. "A África é um ponto de referência; existe um desejo de trânsito, de uma aproximação muito forte e expressiva."
Parte importante dessa expressão será vista em vídeo, um dos suportes mais trabalhados pela nova geração de artistas africanos. "Tem um interesse em promover o vídeo", diz Farkas. "Usar o suporte como uma ferramenta de inclusão de artistas ainda faz sentido na cena artística angolana."
Outro ponto de ligação entre Salvador e Luanda é a exposição "Três Pontes", do curador Daniel Rangel, que fará no evento africano uma mostra sobre as conexões históricas e culturais entre as duas cidades.
"Quem é que nunca ouviu falar de cinema novo, do tropicalismo, em Luanda? Temos muitas coisas em comum para além da língua", diz Fernando Alvim. "Andamos muito à volta das cidades como base curatorial."
Além do Brasil, a Trienal de Luanda planeja mostras em cidades do mundo todo, como Londres, Nova York, Havana, Tóquio, Pequim, entre outras.