segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CRÍTICA: Bienal do Mercosul

Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, acerta na radicalidade


por Fábio Cypriano da Folha de S. Paulo


Já em seu início, em 1997, a Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, com curadoria de Frederico Morais, era marcada por um caráter experimental. Naquela época, sua pretensão foi reescrever a história da arte a partir de uma visão não-hegemônica, ou seja, fora do eixo europeu e norte-americano.

Montagem de obra de Iran do Espírito Santo, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul

Agora, em sua sétima edição, esse caráter experimental alcança sua maior radicalidade, ao colocar o artista e seu processo criativo --e não mais a figura do curador-- como o centro de organização.

É uma das mostras mais inovadoras dentro do confuso universo das bienais, que costuma transitar entre o apelo fácil para o público e o discurso direcionado a especialistas.

"Grito e Escuta" foi concebida pela curadora argentina Victoria Noorthoorn e pelo artista chileno Camilo Yáñez, ao lado de outros oito artistas cocuradores --uns responsáveis por áreas específicas, como o projeto pedagógico, a cargo da argentina Marina de Caro, outros por segmentos expositivos, como a brasileira Laura Lima.

O resultado é um trabalho efetivamente polifônico, que apresenta exposições surpreendentes e muito distintas umas das outras.

Curiosamente, as mais tradicionais são as organizadas por Noorthoorn: "Ficções do Invisível", no Cais do Porto, e "Desenho das Ideias", no Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Isso não significa que sejam menos impactantes.

A primeira, com uma cenografia elegante (de ilhas marcadas por tecidos negros), é uma constelação que tem no teatro e na dança seu começo e seu fim: começa com "Breath" (Respiração), uma peça de 67 segundos de Samuel Beckett encenada por Daniela Thomas, e termina com o coreógrafo francês Jérôme Bel em um vídeo metalinguístico.

Já "Desenho das Ideias" reúne um grupo mais histórico que trabalha com desenho, mas não só, buscando revelar o processo criativo de artistas como Anna Maria Maiolino, Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Flávio de Carvalho e León Ferrari.

Curadorias dos artistas

O trabalho mais impactante, contudo, é de Iran do Espírito Santo, uma parede que parece um buraco negro, para onde é difícil deixar de olhar. Lenora de Barros, curadora da Radiovisual, alocou nesse segmento algumas obras, provocando interessantes fricções.

Contudo, são as curadorias dos artistas as grandes surpresas. A começar pela mostra "Absurdo", de Laura Lima, num dos armazéns do Cais do Porto, com o piso recoberto por nada menos do que 20 caminhões de areia.

Paisagem lunar, num contraponto brilhante com o rio Guaíba, que se vê por grandes portas, ela reúne obras projetadas em telas, como o lindo vídeo de Marcellvs L., ou mesmo na areia, como Márcia Xavier, ou então numa pequena casa, como o surreal vídeo "Lucia", assinado pelos chilenos Niles Atallah, Joaquin Cociña e Cristóbal Léon. Esse é um dos trabalhos mais incríveis da mostra, uma mistura de William Kentridge e Stanley Kubrick.

Esse pavilhão é das experiências mais vibrantes que se pode ter em arte contemporânea.

Finalmente, o armazém que reúne as mostras "Texto Público", organizada por Artur Lescher, e "Biografias Coletivas", a cargo de Camilo Yáñez, é outro destaque. Nesses dois segmentos, fortalece-se uma tese que é desenvolvida ao longo de toda a Bienal: a junção arte e vida, princípios que nortearam os anos 1960 e 70, é hoje o cerne do pensamento mais intrigante na cena contemporânea.

SERVIÇO


Quando: de ter. a dom., das 9h às 21h; até 29/11

Onde: Armazéns do Cais do Porto, Santander Cultural e Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre; tel. 0/ xx/51/3433-7686

Quanto: entrada franca

Cotação: ótimo

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