sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

'Waltercio e sua sintonia poética

Salas e Abismos propõe reflexão sobre as múltiplas formas com que o artista explorou a arquitetura

A relação entre a obra de arte e o espaço que a circunda, que sempre foi uma das questões motrizes do trabalho de Waltercio Caldas, recebe agora atenção especial do artista, tornando-se elemento central não apenas da alentada exposição Salas e Abismos, em cartaz até fevereiro no Museu Vale, em Vila Velha (ES), mas também fio condutor do livro homônimo, a ser lançado no próximo mês, em coedição pelo museu capixaba e pela editora Cosac Naify. Percorrendo ambientes criados pelo artista desde a década de 80 em diversos espaços do Brasil e do exterior e reunindo textos pontuais de Paulo Venâncio Filho, Paulo Sérgio Duarte e Sônia Salzstein, a obra propõe uma espécie de reflexão visual sobre as múltiplas e obsessivas formas com que Waltercio explorou a arquitetura.


Ao longo de 240 páginas, o leitor tem acesso a 28 ambientes criados pelo artista, desde Ping-Ping (obra criada em 1980) até sua mais recente instalação, O Silêncio do Mundo, uma espécie de imersão cromática de grande impacto e marcada por uma espécie de suspensão silenciosa. Há também amplo espaço dedicado a obras de difícil acesso ao público brasileiro, como aquelas feitas para Bienais de Veneza (1997 e 2007) ou para as recentes exposições que o artista realizou na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa) e Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), ambas em 2008.

Assim como na exposição - que a partir de junho poderá ser vista em versão ampliada também no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro -, onde cada uma das salas retratadas parece desdobrar-se na outra, o livro propõe um encadeamento, um diálogo entre imagens com grande sintonia formal e poética. Como explica o artista, são trabalhos realizados em diferentes épocas de sua vida, que apresentam soluções distintas para questões diferentes e que, no entanto, possuem uma surpreendente unidade. São como "versões contínuas e incessantes da mesma sala", sintetiza por sua vez o curador Paulo Venâncio Filho.

Aspectos como a contraposição entre linhas e planos, uma recorrente exploração do contraste entre transparência e densidade cromática ou o adensamento do espaço vazio por meio de sutis, porém potentes, elementos simbólicos e rítmicos se destacam, traçando uma linha de união entre as obras. Não à toa Sonia Salzstein fala em "inteligência formal camaleônica" ao se referir aos desdobramentos na obra de Waltercio. Trata-se de uma teia de significações que se expande em diferentes sentidos, temporais e espaciais.

Não importa se a escala é diminuta, como em pequenas associações de objetos, como em Cabe ao Abismo Construir Seus Personagens, ou se a ação assume grandes dimensões (é o caso por exemplo de Quarto Amarelo, uma intervenção-homenagem à arquitetura de Álvaro Siza no Centro Galego de Arte Contemporânea). O que está em jogo é sempre a relação entre o ambiente e a obra. Ou, mais especificamente, entre a cena construída e o espectador. "O que me interessa não é simplesmente montar uma exposição, mas buscar relações, tentar entender a maneira como o corpo humano se move, como o olhar se comporta", explica Waltercio, lembrando que esse tipo de questão já o movia desde as primeiras maquetes que construiu, ainda em meados da década de 60.

Ele conta que sempre o intrigou a paralisia das obras de arte. Ao contrário de outras formas de expressão artística, que se movem diante do espectador, as artes visuais dependem da mobilidade do espectador para adquirir sentido. "São as pessoas que andam e não a obra", acrescenta, atribuindo a isso um certo receio pessoal em aceitar a pintura como uma questão produtiva. Não que elementos pictóricos como a cor e a linha estejam ausentes de seu trabalho. Eles tem aí uma presença fundamental, mas questionadora. Surgem não para referendar a ilusão da representação no espaço bidimensional, mas sim para ampliar os ângulos de percepção, contribuindo com o jogo de escalas, materiais e ambientes.

Maria Hirszman do ESTADÃO

SERVIÇO
Salas e Abismos, Waltercio Caldas
Museu Vale
Pátio da Antiga Estação Pedro Nolasco Pedro Nolasco s/n - Argolas
Vila Velha / Espirito Santo
CEP 29114-920
Telefone: 55 (27) 3333-2484
24 de outubro a 21 de fevereiro terça a domingo, das 10 às 18h e sexta, das 12 às 20h

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