sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

CRÍTICA: Livro "As Vidas dos Artistas", de Calvin Tomkins

por Fábio Cypriano da Folha de S.Paulo


Com a voz dos artistas, livro retrata a arte contemporânea

Poucos são os livros que conseguem abordar a produção atual sem cair em estereótipos ou mesmo forçar a barra ao encaixar certos artistas como meros oportunistas que se aproveitam da recente explosão do mercado de arte contemporânea.

Livros falam sobre a vida de grandes nomes da arte contemporânea

"As Vidas dos Artistas", de Calvin Tomkins, faz parte do seleto grupo que traz uma abrangente visão dos procedimentos de produção contemporânea ao dar a voz, em primeiro plano, aos próprios artistas. Nos últimos dez anos, Tomkins, autor da ótima biografia de Marcel Duchamp, "Duchamp" (Cosac Naify, 2005), publicou perfis de protagonistas da arte contemporânea, como Jeff Koons, Damien Hirst e Matthew Barney para a revista "The New Yorker".

O livro, uma reunião de dez desses perfis, revela-se um típico exercício de jornalismo literário, com textos extensos, que mostram intimidade entre o autor e os artistas: Tomkins vai ao cinema com Cindy Sherman, visita a casa de veraneio de Jasper Johns em St. Martin, no Caribe, anda de táxi com Hirst, caminha pela cratera de James Turrel, no norte do Arizona (EUA).

Em cada situação, o autor revela detalhes que ilustram o procedimento criativo de cada um, acrescentando ainda depoimentos de outros artistas, galeristas, críticos e amigos. Os demais escolhidos são Julian Schnabel, Richard Serra, Maurizio Cattelan e John Currin.

Obra sem título de Cindy Sherman, produzida com bonecas mutiladas em 1994, após um divórcio

Estrelas contemporâneas

O próprio autor afirma, na introdução do livro, que a seleção não apresenta "nenhum denominador comum, entre eles", mas, na verdade, todos são estrelas de primeira grandeza no cenário atual, afinal Sherman é uma das principais renovadoras da fotografia, Serra, da escultura e Johns, da pintura. No entanto, tal divisão por suporte, como se sabe em arte contemporânea, é inútil, e aí está um dos méritos de Calvin Tomkins, que, em vez de investigar o meio usado pelo artista, interessa-se pela sua própria forma de vida.

Contudo isso não é realizado em um desenrolar de fofocas, como o universo das celebridades tanto preza, mas de forma discreta e contextualizada, onde o autor aborda desde a formação de cada artista até suas relações com museus e galerias.

Momentos-chave


Há muitas passagens intrigantes. Uma das melhores é quando Kim Levin, crítica do "Village Voice", arrasou, em um texto, as pinturas de mulheres um tanto deformadas de Currin, por considerá-las machistas, quando de sua primeira individual na galeria Andrea Rosen, em 1992. Dez anos depois, em 2003, ela assume e diz "Eu estava errada", o que atesta como o escrever da história pode ser alterado quando o artista segue sua carreira.

Claro, há histórias mais extravagantes, como os surtos hedonistas de Hirst, que costumava baixar a calça e mostrar a genitália nas festas, mas tais situações são apenas detalhes de uma inteligente e intrigante narrativa da produção atual, principalmente daquela produzida nos Estados Unidos, para onde os textos foram criados. Quem ler "As Vidas dos Artistas", se usar as lentes corretas, vai compreender muito melhor o que é a arte contemporânea.

AS VIDAS DOS ARTISTAS
Autor: Calvin Tomkins
Editora: Bei
Quanto: R$ 57 (280 págs.)
Avaliação: ótimo

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