No aniversário da cidade, o Mosteiro de São Bento abre suas portas pela primeira vez ao público para mostrar obras contemporâneas em seu prédio centenário
Antonio Gonçalves Filho do Estadão
A busca da espiritualidade entre artistas modernos e contemporâneos, de Kandinski a Bill Viola, quase sempre rendeu obras-primas que evocaram a tradição pictórica medieval, renascentista ou barroca, atualizaram a iconografia dos grandes mestres, reutilizaram seus temas ou simplesmente inauguraram um novo capítulo na história da arte. Os exemplos são inúmeros e incluem Matisse, Rothko e, mais recentemente, o pintor alemão Gerhard Richter, que assinou há três anos os novos vitrais da Catedral de Colônia, na Alemanha.
Marco histórico da tradição cristã em São Paulo, o Mosteiro de São Bento, fundado em 1598 e até hoje no mesmo lugar, no centro da cidade, abre pela primeira vez suas dependências para mostrar arte contemporânea ao grande público, graças à iniciativa de um monge pintor, um Andrei Rublev extemporâneo no mundo escatológico de Damien Hirst. O monge, também diretor da Faculdade São Bento, Carlos Eduardo Uchôa, comemora seus 14 anos de mosteiro inaugurando uma ambiciosa exposição ao lado de dois outros artistas paulistanos conhecidos, Marco Giannotti e José Spaniol, todos eles nascidos na década de 1960.
São 16 salas ocupadas por pinturas, fotografias, vídeos e instalações dos três artistas, que apresentam trabalhos individuais e outros concebidos em parceria. Dialogando com o prédio do mosteiro (que não é o original do século 16, mas um projeto do arquiteto alemão Richard Berndl realizado há exatamente um século, em 1910), algumas dessas obras foram concebidas especialmente para espaços reservadíssimos como o parlatório (onde os monges recebem visitas) e a capela privada dos religiosos, até então mantida longe dos olhos do público. Ela é invadida por imagens da cracolândia paulistana, filmadas pelo monge Carlos Eduardo Uchôa num dia de chuva, provocando um violento contraste entre a paz do mosteiro e o genocídio praticado na vizinhança pelos traficantes de crack.
São imagens fantasmagóricas de dependentes vistos ao longe e incorporados ao cenário da metrópole sob a chuva torrencial que tem castigado São Paulo nas últimas semanas. Dois pisos abaixo, outra instalação, projetada pela dupla Marco Giannotti e José Spaniol, faz o percurso inverso. No auditório do mosteiro, uma projeção em looping de velas queimando em tempo real revelam aos visitantes o que fazem, afinal, esses monges no centro de uma cidade deteriorada: oram pela sofrida comunidade da urbe.
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