sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Para encerrar o assunto 28ª Bienal

Um acordo de cavalheiros em vivo contato

Fabio Cypriano (especial para o Fórum Permanente, 17 de dezembro de 2008) Desenhos: Nicolás RobbioMonumentos sob medida

desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

O posicionamento da Fundação Bienal de São Paulo em relação à jovem que continuava presa mesmo após o encerramento da 28ª Bienal de São Paulo é muito significativo tendo em vista todas as discussões que essa edição do evento pretendeu levantar. Isentando-se de culpa, o comunicado à imprensa emitido no dia 11 de dezembro, contudo, não é uma surpresa, tendo em vista o histórico de seu atual presidente, Manoel Francisco Pires da Costa.

De se estranhar, entretanto, é o posicionamento do curador do evento, Ivo Mesquita, para quem “uma coisa é grafiteiro, pichação; outra coisa é uma tática terrorista de arrastão, 40 a 50 pessoas, com um histórico nada bom, que invadem lugares como a Belas Artes e a Choque Cultural e destroem obras de arte”, como afirmou à Folha de S. Paulo, segundo matéria publicada em 14/12/2008.

A questão é que, nesse momento, saiu-se do campo da estética para entrar no campo de ética. Nesse sentido, tanto curadoria quanto presidência estão afinados num mesmo posicionamento, lembrando o “acordo de cavalheiros” revelado por Mesquita na carta enviada ao presidente, quando da ameaça de corte ao evento, abordada em 26/12/2008 na matéria “Pedido de corte ameaça 28ª Bienal”, na Folha de S. Paulo.

Esse “acordo de cavalheiros” merece ser aprofundado. É notório que Mesquita foi o único curador a aceitar realizar esta Bienal após uma fracassada tentativa de seleção por projetos. Ele mesmo desistiu de entregar o seu, na última hora, e apenas Márcio Doctors chegou a apresentar um projeto, também desistindo quando soube ser o único. Frente à iminência de não ter um curador para a mostra, Pires da Costa pediu que Doctors e Mesquita fizessem um projeto conjunto, que acabou sendo, ao final, levado adiante apenas por Mesquita.

A expectativa, então, era que Mesquita, salvando o presidente do desastre, tivesse total liberdade para levar adiante seu projeto crítico, que não só abordaria a crise da Fundação Bienal como uma eventual crise do modelo da Bienal. Mesmo com um prazo curto, de menos de um ano, e a certeza de verbas limitadas, que não se revelaram tão limitadas assim, afinal R$ 8 milhões não é um valor baixo, o curador colocaria a Bienal no divã.

Contudo, desde então, ao mesmo tempo em que Pires da Costa ganhava legitimidade, o projeto de crítica institucional foi paulatinamente se esvaziando. Basicamente, ele se restringiu aos debates pouco freqüentados e, mesmo com uma seleção de convidados realmente diversificada, pareciam ser tão genéricos e impressionistas, com raras exceções, que eram absolutamente superficiais.

Assim, essa situação esquizofrênica foi se expandindo cada vez mais: a bienal da crítica institucional separou a reflexão da produção artística, como se a crítica não pudesse ser realizada pelos artistas, ou pior, deveria ser evitada. Alguém chegou a afirmar que o evento passou por um processo de “deshanshaackeização”, em referência ao alemão Hans Haacke, reconhecido por suas obras que fazem crítica institucional.Sem título
desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

Essa contradição tornou-se mais patente ainda com a abertura da mostra, pois ela também foi totalmente omissa em relação à reflexão. O que a exposição tentou trazer de inovador foi uma experiência formal do modelo expositivo. Enquanto projeto experimental não deixa de ser válido, mas no contexto do projeto de “em vivo contato” foi absolutamente frustrante, além de conveniente para a presidência.

Nesse processo, foi um tanto obscura a saída do co-curador Thomas Mulcaire, no meio do processo de organização da Bienal. A amigos, Mulcaire tem dito que sua saída ocorreu por justamente tentar tornar a crítica institucional mais aparente, por exemplo tornando públicas todas as contas do evento. Teria sido de fato relevante saber, por exemplo, quanto se gastou com cada artista, com o projeto educativo, enfim, numa Bienal, o quanto se gasta com arte e o quanto com publicidade, por exemplo.

A minha impressão é que, mesmo que Mesquita procure sempre se mostrar independente da presidência, afirmando que a curadoria é “terceirizada”, portanto, livre, é muito difícil se desvincular essas duas pontas. Nesse sentido creio ser sintomático que, quando a carta de Mesquita contra o pedido de 40% de corte feito por Pires da Costa tornou-se pública _carta essa dura e reveladora da ação do presidente, o curador tenha voltado atrás em seu discurso, culpando o Conselho e lembrando que há um problema crônico de fluxo de caixa nas vésperas de toda Bienal, outro momento conveniente para a presidência.

No debate com os jovens críticos da revista Número, no Centro Universitário Mariantonia, no último dia 12, Mesquita revelou que chegou a desestimular três artistas com projetos mais críticos sobre a Fundação, dois deles pois o próprio curador estava envolvido. A ausência de projetos de risco na Bienal, tornou-se assim, uma marca desse evento, como afirmou a artista Carla Zaccagnini, no último debate da série “A Bienal de São Paulo e o meio artístico brasileiro: memória e projeção”.

E, aí, talvez, esteja o dilema central dessa Bienal: é possível realizar a crítica institucional dentro da instituição? Pelo que se observou ao longo da realização da mostra, a resposta, no caso da Fundação Bienal, é obviamente não. Artista cujo projeto seria uma inserção em todas as edições do jornal 28b, o argentino Nicolas Róbbio teve alguns desenhos censurados, justamente aqueles mais críticos à própria Fundação e ao projeto da curadoria, desenhos esses cedidos ao Fórum Permanente como se pode ver ao longo desse texto.
Objetos sob medida
desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

O jornal 28b, aliás, comprova outra das incongruências de “em vivo contato”: se por um lado ele cria um novo circuito para a Bienal, ao ser distribuído gratuitamente pela cidade, por outro, seu conteúdo é tão conservador que chega a ser estarrecedor. A começar pela existência de um editorial: Por que é preciso uma página tão hierárquica, com a voz de um dono da verdade como um editor? Mas não é só isso: Por que os artigos são tão convencionais rebaixando o conteúdo, evitando a reflexão? Por que evitar as polêmicas da mostra, como se elas não existissem, dando a impressão de um “house organ” publicitário? Por que buscar agradar o leitor a todo custo, no modelo “o povo fala” usado nos tablóides sensacionalistas?

Enfim, essa falta de ousadia esteve não só na publicação 28b, mas por toda a 28ª Bienal, culminando com a sintonizada opinião em relação à pichação. Difícil não relacionar essa harmonia ao cumprimento do acordo de cavalheiros, abandonando-se de forma deliberada a crise circunstancial para abordar algo mais geral. O problema é que, ao se evitar o visível e real desmando do atual presidente criou-se uma situação falsa, “a crise das bienais”, escondendo-se embaixo do tapete o trauma recente. Sem ele, no entanto, tudo o mais ficou sem sentido.

Esse processo de encobrimento ainda segue no prometido relatório final da Bienal, que será secreto! Acabada a Bienal, depois de tantos encontros e debates, Ivo Mesquita comprometeu-se a entregar um texto à Fundação reunindo os principais tópicos abordados no evento com suas conclusões. Entretanto, aquilo que, então, seria o posicionamento do curador sobre todo o debate ficará restrito à diretoria da Fundação, cabendo a ela a decisão de torná-lo ou não público. É compreensível que existam relatórios internos que não precisam ser públicos. Contudo, no caso da 28ª Bienal, esse documento seria como o relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e relatórios de CPI são necessariamente públicos. Para a história da instituição urge que esse texto se torne público, mas parece que o compromisso da curadoria não está com a instituição, mas sim com sua direção.



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