Gary Hill, celebrado criador no campo da arte multimídia, inaugura no Rio a mostra O Lugar Sem o Tempo, segunda individual que traz ao Brasil e que estará em São Paulo em janeiro
Camila Molina, RIO
Gary Hill, Viewer, 1996
Com suas videoinstalações, o americano Gary Hill quer promover confrontos: pode ser barulhento e violento, como na obra Wall Piece (2000), feita da imagem de um homem que se joga contra a parede, falando a cada vez uma palavra diferente (foto maior da página); ou algo silencioso e desconcertante, como Viewer (1996), projeção, em telas que somam 14 metros, de uma fila de 15 homens, trabalhadores das camadas subjugadas e exploradas, que encaram o público, quase imóveis. Confrontar, para Hill, é a raiz da interatividade - e é sua maneira de "instigar acontecimentos" na mente das pessoas, trazer à tona os "interstícios de situações". Como diz ao Estado, usando outra expressão curiosa, ele quer promover a "sanfonização do tempo", alongando-o para mexer com nossa percepção.
Quebrando a barreira do que o enclausuraria no campo do vídeo, ou da arte tecnológica, o artista multimídia Gary Hill está inscrito na história da arte contemporânea como um criador já antológico, alguém que, não por acaso, faz parte da geração de Bill Viola e Bruce Nauman, outras duas referências para qualquer que seja o pensamento artístico atual. Por isso, é de se celebrar que este californiano, de 58 anos, que foi skatista e surfista, esteja agora pela segunda vez no Brasil, depois de um pulo de mais de uma década, quando fez por aqui, em 1997, sua primeira mostra individual, O Lugar do Outro.
Hoje, às 19h30, Gary Hill inaugura no espaço Oi Futuro, no Rio, a exposição O Lugar Sem o Tempo, formada por cinco grandes videoinstalações, entre elas, Wall Piece e Viewer, e ainda Accordions - The Belsunce Recordings (2001/2002), Up Against Down (2008) e Language Willing (2002). Em sua passagem pelo País, ele faz também duas palestras, uma amanhã, às 18 horas, no Oi Futuro (Rua Dois de Dezembro, 63, Rio); e outra na quarta-feira, às 19 horas, no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba (Rua Marechal Hermes, 999).
Em 1997, o videoartista e produtor Marcello Dantas realizou a mostra O Lugar do Outro, exibida no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com quatro obras de Hill. "Quando voltei de Nova York, no início dos 90, a gente estava na porta da história da arte contemporânea, coisas novas estavam acontecendo como a explosão do próprio Gary Hill, Bill Viola, Jenny Holzer. A gente não tinha informação, não tinha internet. Hoje eles se tornaram a coisa mais importante da arte e me deu a vontade de restabelecer esse link, entender até o que aconteceu com a nossa percepção. Quando você vai a uma Bienal de Veneza, ou à Bienal de São Paulo, o vídeo, a arte eletrônica viraram a coisa", afirma Dantas.
Para ele, curador também agora de O Lugar Sem o Tempo, orçada em R$ 500 mil e que a partir de janeiro de 2010 será exibida no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, Hill está entre os artistas que trabalham na chamada "time based art" ou arte em que a questão do tempo é fundamental, "seja lá qual for o suporte".
"Há duas questões específicas no trabalho do Gary que podem ser vistas nessa exposição: obras em que ele encara o outro e, por outro lado, obras que são muito performáticas e nas quais ele lida com o si mesmo, ou seja, com o próprio corpo, coloca e confronta o outro", tenta explicar Dantas, ressaltando também um caráter sensorial das videoinstalações do artista. Gary Hill, de forma simples, explica a raiz do confronto: "Quando encaramos o outro, refletimos sobre as verdadeiras ideias que temos de nós, fazemos essa projeção."
Escultor por formação, Gary Hill, que vive desde 1985 em Seattle, fez sua primeira videoinstalação, Hole in Wall, em 1974, obra que na época quebrou o muro que ainda emperrava a aceitação do vídeo como arte. Nascido em Santa Monica, na Califórnia, em 1951, ele se mudou para Woodstock, no Estado de Nova York, no final da década de 1960, onde começou a experimentar o vídeo como ferramenta. "Qualquer um que use a mídia de sua época, que faz filmes, está esculpindo o tempo, exceto os que são feitos em Hollywood", diz Gary Hill, concluindo que, unindo a tecnologia, sempre pensa seus trabalhos como um escultor. "Wall Piece, em que o homem bate seu corpo contra a parede enquanto diz uma palavra, vejo como algo escultórico, penso em como, com essa ação, se pode mudar a forma de uma palavra."
Sempre que se fala na obra do artista, explicita-se que sua pesquisa está fincada na relação entre a imagem e a linguagem. A questão da palavra, portanto, na obra de Hill - que faz seus trabalhos em colaboração com escritores e poetas - é fundamental. "O que é poesia e o que ela pode ser? A maneira como as palavras trabalham em nossa mente e no espaço, quando se lê, se escreve, se descreve, se pensa, é muito diferente, acontece em outro nível. Linguagem, poesia e pensamento têm vizinhança estranha", afirma. No texto de Wall Piece, por exemplo, Hill escreve: "Uma palavra vale um milésimo de uma imagem. Embasbacar-me deixou de ser uma opção. De certa forma, estou cego. Vivencio o tempo por meio de uma série de imagens que conheço desde sempre. Mas é exatamente esse ?desde sempre? que me assombra." Nas camadas do alongamento do tempo e da percepção, algo pode acontecer e Hill arremata: "Quando você perde as palavras é quando experimenta a verdadeira natureza da linguagem."
Entenda Cada Uma das Videoinstalações da Mostra
VIEWER (1996): Conhecido trabalho do artista, é uma grande obra que ocupa cerca de 14 metros de uma sala e é feita a partir de cinco videoprojetores. Em escala humana real, homens identificados como trabalhadores que podemos dizer serem das minorias raciais - imigrantes latinos, etc. - estão em fila, de frente para os espectadores e encarando-os. Eles ficam quase imóveis porque seus gestos são apenas aqueles relacionados à ação involuntária de descanso do corpo. Nesse trabalho, silencioso, simples e potente, Hill joga com a questão do "encarar o outro" - afinal, quem é o espectador de quem?
UP AGAINST DOWN (2008): Este é um trabalho performático e no qual está o próprio Gary Hill. Imagens de partes de seu corpo são projetadas em diferentes lugares, todas elas em cenas de pressão do corpo em tensão com um espaço neutro. A obra também tem o uso do recurso do som.
LANGUAGE WILLING (2002): O poeta australiano Chris Mann recita texto atuado por um par de mãos que mexem dois grandes discos projetados em grande formatos dispostos lado a lado. Os discos são cobertos com papel de parede padrão floral, um vermelho e outro um branco creme. A ação é entremeada com som, que fica mais e menos contundente, criando situação perturbadora.
ACCORDIONS (2001/2002): A obra foi gravada na pequena Belsunce, comunidade franco-argelina em Marselha. O trabalho, formado por cinco projeções não sincronizadas de imagens e sons, é feito a partir de cenas do cotidiano da vida no bairro.
WALL PIECE (2000): Também uma obra diretamente performática, é a projeção da imagem de um homem, de calça, paletó e camisa, que vai se jogando, como flashes, contra uma parede. A ação é acompanhada, a cada vez, de uma palavra pronunciada em voz alta, depois se transformando em texto.
Camila Molina, RIO
Gary Hill, Viewer, 1996
Quebrando a barreira do que o enclausuraria no campo do vídeo, ou da arte tecnológica, o artista multimídia Gary Hill está inscrito na história da arte contemporânea como um criador já antológico, alguém que, não por acaso, faz parte da geração de Bill Viola e Bruce Nauman, outras duas referências para qualquer que seja o pensamento artístico atual. Por isso, é de se celebrar que este californiano, de 58 anos, que foi skatista e surfista, esteja agora pela segunda vez no Brasil, depois de um pulo de mais de uma década, quando fez por aqui, em 1997, sua primeira mostra individual, O Lugar do Outro.
Hoje, às 19h30, Gary Hill inaugura no espaço Oi Futuro, no Rio, a exposição O Lugar Sem o Tempo, formada por cinco grandes videoinstalações, entre elas, Wall Piece e Viewer, e ainda Accordions - The Belsunce Recordings (2001/2002), Up Against Down (2008) e Language Willing (2002). Em sua passagem pelo País, ele faz também duas palestras, uma amanhã, às 18 horas, no Oi Futuro (Rua Dois de Dezembro, 63, Rio); e outra na quarta-feira, às 19 horas, no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba (Rua Marechal Hermes, 999).
Em 1997, o videoartista e produtor Marcello Dantas realizou a mostra O Lugar do Outro, exibida no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com quatro obras de Hill. "Quando voltei de Nova York, no início dos 90, a gente estava na porta da história da arte contemporânea, coisas novas estavam acontecendo como a explosão do próprio Gary Hill, Bill Viola, Jenny Holzer. A gente não tinha informação, não tinha internet. Hoje eles se tornaram a coisa mais importante da arte e me deu a vontade de restabelecer esse link, entender até o que aconteceu com a nossa percepção. Quando você vai a uma Bienal de Veneza, ou à Bienal de São Paulo, o vídeo, a arte eletrônica viraram a coisa", afirma Dantas.
Para ele, curador também agora de O Lugar Sem o Tempo, orçada em R$ 500 mil e que a partir de janeiro de 2010 será exibida no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, Hill está entre os artistas que trabalham na chamada "time based art" ou arte em que a questão do tempo é fundamental, "seja lá qual for o suporte".
"Há duas questões específicas no trabalho do Gary que podem ser vistas nessa exposição: obras em que ele encara o outro e, por outro lado, obras que são muito performáticas e nas quais ele lida com o si mesmo, ou seja, com o próprio corpo, coloca e confronta o outro", tenta explicar Dantas, ressaltando também um caráter sensorial das videoinstalações do artista. Gary Hill, de forma simples, explica a raiz do confronto: "Quando encaramos o outro, refletimos sobre as verdadeiras ideias que temos de nós, fazemos essa projeção."
Escultor por formação, Gary Hill, que vive desde 1985 em Seattle, fez sua primeira videoinstalação, Hole in Wall, em 1974, obra que na época quebrou o muro que ainda emperrava a aceitação do vídeo como arte. Nascido em Santa Monica, na Califórnia, em 1951, ele se mudou para Woodstock, no Estado de Nova York, no final da década de 1960, onde começou a experimentar o vídeo como ferramenta. "Qualquer um que use a mídia de sua época, que faz filmes, está esculpindo o tempo, exceto os que são feitos em Hollywood", diz Gary Hill, concluindo que, unindo a tecnologia, sempre pensa seus trabalhos como um escultor. "Wall Piece, em que o homem bate seu corpo contra a parede enquanto diz uma palavra, vejo como algo escultórico, penso em como, com essa ação, se pode mudar a forma de uma palavra."
Sempre que se fala na obra do artista, explicita-se que sua pesquisa está fincada na relação entre a imagem e a linguagem. A questão da palavra, portanto, na obra de Hill - que faz seus trabalhos em colaboração com escritores e poetas - é fundamental. "O que é poesia e o que ela pode ser? A maneira como as palavras trabalham em nossa mente e no espaço, quando se lê, se escreve, se descreve, se pensa, é muito diferente, acontece em outro nível. Linguagem, poesia e pensamento têm vizinhança estranha", afirma. No texto de Wall Piece, por exemplo, Hill escreve: "Uma palavra vale um milésimo de uma imagem. Embasbacar-me deixou de ser uma opção. De certa forma, estou cego. Vivencio o tempo por meio de uma série de imagens que conheço desde sempre. Mas é exatamente esse ?desde sempre? que me assombra." Nas camadas do alongamento do tempo e da percepção, algo pode acontecer e Hill arremata: "Quando você perde as palavras é quando experimenta a verdadeira natureza da linguagem."
Entenda Cada Uma das Videoinstalações da Mostra
VIEWER (1996): Conhecido trabalho do artista, é uma grande obra que ocupa cerca de 14 metros de uma sala e é feita a partir de cinco videoprojetores. Em escala humana real, homens identificados como trabalhadores que podemos dizer serem das minorias raciais - imigrantes latinos, etc. - estão em fila, de frente para os espectadores e encarando-os. Eles ficam quase imóveis porque seus gestos são apenas aqueles relacionados à ação involuntária de descanso do corpo. Nesse trabalho, silencioso, simples e potente, Hill joga com a questão do "encarar o outro" - afinal, quem é o espectador de quem?
UP AGAINST DOWN (2008): Este é um trabalho performático e no qual está o próprio Gary Hill. Imagens de partes de seu corpo são projetadas em diferentes lugares, todas elas em cenas de pressão do corpo em tensão com um espaço neutro. A obra também tem o uso do recurso do som.
LANGUAGE WILLING (2002): O poeta australiano Chris Mann recita texto atuado por um par de mãos que mexem dois grandes discos projetados em grande formatos dispostos lado a lado. Os discos são cobertos com papel de parede padrão floral, um vermelho e outro um branco creme. A ação é entremeada com som, que fica mais e menos contundente, criando situação perturbadora.
ACCORDIONS (2001/2002): A obra foi gravada na pequena Belsunce, comunidade franco-argelina em Marselha. O trabalho, formado por cinco projeções não sincronizadas de imagens e sons, é feito a partir de cenas do cotidiano da vida no bairro.
WALL PIECE (2000): Também uma obra diretamente performática, é a projeção da imagem de um homem, de calça, paletó e camisa, que vai se jogando, como flashes, contra uma parede. A ação é acompanhada, a cada vez, de uma palavra pronunciada em voz alta, depois se transformando em texto.
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