sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Arte brasileira busca consolidar prestígio no mercado internacional



Quando a Bienal do Mercosul abrir suas portas nesta sexta-feira em Porto Alegre, galeristas brasileiros estarão de olho no colecionador estrangeiro. Para especialistas, vários indicadores sugerem que a arte brasileira viveria hoje seu momento de maior prestígio da história.

De acordo com Tanya Barson, curadora de arte latino-americana da galeria britânica Tate Modern, a arte brasileira tem hoje um impacto muito mais amplo no circuito internacional do que em qualquer outro momento de sua história.
A colecionadora e diretora da feira internacional de arte de São Paulo (SP Arte), Fernanda Feitosa, concorda. Ela diz que, desde que o evento foi criado, há cinco anos, o número de galerias participantes dobrou, e o público também.

E lembra que um dos marchands mais famosos do mundo, o britânico Jay Joplin, esteve na SP Arte em abril desse ano. "Achei muito sintomático que o Jay Joplin, ícone da arte dos anos 90, tenha dedicado uma semana da agenda dele ao Brasil".
A presença de Jay Joplin - dono da galeria londrina White Cube e figura-chave nas carreiras de Damien Hirst e outros grandes nomes da arte britânica - na SP Arte também chamou a atenção do jornal alemão DieWelt.

Também em abril, o jornal publicou uma reportagem afirmando que a arte do Brasil teria alcançado reputação sem precedentes no mundo.
Como evidências do fenômeno, o Welt citou, além da visita de Jay Joplin à SP Arte, a exposição do brasileiro Cildo Meireles na galeria britânica Tate Modern, ano passado (um recorde de audiência) além da presença de cada vez mais obras do Brasil no acervo da galeria.
Obra 'Desvio para o Vermelho - 1967- 84', de Cildo Meirelles

O valor das obras no mercado internacional, disse o jornal, também estaria subindo.
Fatores Econômicos
Para o professor de História da Arte Contemporânea da Unicamp Nélson Aguilar, curador geral da 22ª e 23ª bienais de São Paulo e da 4ª Bienal do Mercosul, existe mesmo um maior reconhecimento da arte brasileira no exterior.

Ele disse à BBC Brasil que a emergência do país no cenário econômico internacional tem influência nisso. E apontou para o crescente interesse pela arte de outros integrantes do grupo dos Bric, como Índia e China.
Aguilar acredita, no entanto, que no caso do Brasil o reconhecimento de hoje não se explica apenas por fatores econômicos.

"Artistas contemporâneos como Ernesto Neto e Beatriz Milhazes só são interessantes porque estão ligados organicamente ao que veio antes. Uma cultura só se universaliza quando os artistas dela são filhos de artistas da mesma cultura."
O especialista está se referindo a uma linhagem que inclui, mais atrás, artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel.

"Nos anos sessenta, nós sabíamos que o Oiticica era um gênio, e que a Lygia Clark e a Mira Schendel estavam fazendo um trabalho importantíssimo. Víamos esses artistas passarem batidos no exterior mas sabíamos que a visão da crítica estrangeira era eurocêntrica e restrita".
Aguilar diz que a Inglaterra, no entanto, sempre foi mais aberta. E lembra as exposições pioneiras desses três artistas nas galerias Signals e Whitechapel, em Londres, nos anos 60.

Identidade


Tanya Barson tem uma interpretação diferente.

"Eu não diria que o mundo das artes britânico fosse tão iluminado a ponto de reconhecer a importância daquelas carreiras naquele período. A Tate, por exemplo, não comprou obras desses artistas, com exceção de uma, de Sérgio Camargo, naquela época".

"A situação é completamente diferente hoje e o mundo está reconhecendo quão imensamente significativa é a arte brasileira, tanto em termos de sua produção contemporânea quanto em sua história recente".

Ela cita como exemplo o trabalho do carioca Cildo Meireles.
"O trabalho dele tem substância, consistência e rigor intelectual e ele é um dos mais importantes artistas vivos. Estava mais do que na hora de ele ser tema de uma exposição de grande porte, como a feita pela Tate."

Barson fala com paixão da arte do Brasil, um país que ela visita regularmente porque, nas palavras dela, "a Tate não pode deixar de ficar atenta à produção de jovens artistas emergindo hoje no Brasil".

"Artistas brasileiros se relacionam com a arte moderna de uma maneira totalmente única, inovam e dialogam muito bem com arte européia e americana, mas fazem algo completamente distinto. Eles não só podem ser incorporados, como também desafiam o cânon da história da arte que contamos".

Hoje a Tate Modern tem em seu acervo obras de mais de 20 artistas brasileiros, entre eles Hélio Oiticica, Lygia Clark, Mira Schendel, Cildo Meireles, Ana Maria Pacheco, Vik Muniz, Adriana Varejão, Ernesto Neto, Fernanda Gomes, Sérgio Camargo e Leonílson.

Sem Consenso

Alguns, como a artista paulistana Mariannita Luzzati, são mais céticos em relação à posição da arte brasileira no mundo hoje.

Luzzati vive parte do tempo na Inglaterra e exibe seu trabalho regularmente no Brasil e no exterior. Ela é representada por galerias nos dois países. Em 2001, dois de seus quadros foram comprados pelo Museu Britânico, em Londres.
"Tenho certeza de que se tivesse nascido e estudado na Inglaterra, estaria melhor hoje do que sendo brasileira na Inglaterra", ela disse à BBC Brasil.

A artista disse ter observado um interesse um pouco maior por parte da Tate em adquirir alguns artistas brasileiros, mas acha que, quando se trata de competir no mercado internacional, a arte do Brasil ainda está "engatinhando".

Luzzati faz uma lista dos velhos problemas que afligem o setor: falta de investimento público na divulgação da arte brasileira no exterior, despreparo dos museus, e, também, o perfil do colecionador brasileiro.
"A maioria dos colecionadores no Brasil compra como um sinal de status e prefere o artista que está fazendo sucesso na Inglaterra ou nos Estados Unidos, porque ele dá mais status do que o brasileiro".

"Eu espero que o Brasil seja a bola da vez, que a arte brasileira estoure como estourou a arte chinesa, mas no caso da China, antes do investimento estrangeiro, houve milhares de colecionadores chineses investindo em chineses".

Números


Se nos basearmos em números, a idéia de que o Brasil seja mesmo a bola da vez no mercado internacional de arte se torna um sonho distante: as obras brasileiras ainda não atingiram os valores milionários alcançados por trabalhos de pesos pesados da arte contemporânea mundial.

Para a diretora da SP Arte Fernanda Feitosa, isso pode na verdade aumentar os atrativos da arte brasileira.
"Um quadro da Beatriz Milhazes aqui na feira estava sendo vendido por US$ 500 mil", disse Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, à BBC Brasil. "Um Cildo Meireles não custa a mesma coisa que um artista comparável a ele no mercado internacional. Então ainda existe muito espaço para uma valorização da arte brasileira. Você não está comprando no topo".

Uma pessoa poderia talvez ajudar a fechar esse debate mas, famosamente, não dá entrevistas.
Apesar de várias solicitações da BBC Brasil, o lendário galerista e investidor britânico Jay Joplin não estava disponível para explicar o que foi fazer no Brasil em abril deste ano.

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