Por Randy Kennedy
A Sociedade Hispânica da América, a jóia solitária de um museu no norte de Manhattan, geralmente é visitada -quando é- por interessados em sua coleção de pinturas de Goya, El Greco e Velázquez reunida por seu fundador, o herdeiro de estradas de ferro e acadêmico Archer Milton Huntington. Mas a sociedade também possui uma das melhores bibliotecas do mundo de material relativo a Espanha, Portugal e Américas.
O acervo -cartas, romances, mapas, cartas de navegação, contratos de casamento (incluindo um de 1476 da filha mais velha de Fernando e Isabel), catecismos, tratados científicos e outros documentos que datam até do século 12- preenchem um andar enorme do museu. Quando a artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster visitou essas estantes no porão pela primeira vez, dois anos atrás, a impressão que a dominou imediatamente foi "essa sensação de Cidadão Kane, Xanadu", ela disse por telefone de Paris, onde vive e trabalha durante parte do ano. Sentada entre as prateleiras, ela começou a imaginar uma espécie de biblioteca paralela.
E, nos últimos meses, com a ajuda de uma equipe de pintores e dos bibliotecários da sociedade, criou uma. "Chronotopes & Dioramas", exposição de Gonzalez-Foerster que faz parte da parceria temporária da Dia Art Foundation com a Sociedade Hispânica, foi inaugurada recentemente em um espaço anexo à sociedade, em Nova York.
A obra apresenta uma fantasia meticulosa de uma biblioteca em que as prateleiras se tornaram obsoletas, e os livros, como exemplos de criaturas vivas, são exibidos em dioramas (vitrines) ilusionistas que lembram os do Museu Americano de História Natural dos EUA. Franz Kafka, J.G. Ballard, Adolfo Bioy Casares e Gertrude Stein se encontram agrupados nas profundezas do Atlântico Norte, como autores que Gonzalez-Foerster considera elos entre a Europa e as Américas.
Jorge Luis Borges e Roberto Bolaño se fazem companhia no deserto. E Paul Bowles, Elizabeth Bishop e o poeta brasileiro Oswald de Andrade estão classificados sob o tema tropical, com seus livros expostos em um diorama de floresta.
Embora Gonzalez-Foerster, 44, tenha nascido em Estrasburgo (França) e estudado em Grenoble (Suíça), há muito tempo é fascinada pela cultura sul-americana, especialmente a mistura tropical-modernista do Brasil, onde passa um semestre por ano.
Em sua obra, os livros são importantes conceitualmente e como uma espécie de matéria-prima, "quase como tijolos", como ela descreve, embora tijolos que parecem quase sencientes à maneira pós-moderna do texto liberto de seu autor. "Com uma biblioteca, você lentamente constrói uma autobiografia", disse.
Daniel Birnbaum, diretor artístico da Bienal de Veneza deste ano, escreveu que o que ela busca basicamente, na opinião dele, é criar "uma atmosfera que extrai a melancolia inerente nos objetos do mundo", objetos que perderam o significado por conta do excesso de definição. "Na obra de Gonzalez-Foerster, o gênero não parece mais relevante", ele concluiu.
Gonzalez-Foerster sugeriu que uma maneira de pensar seu trabalho é como o de um escritor. E a exposição na Sociedade Hispânica é a tentativa de escrever sua ideia de uma biblioteca que existe por seus próprios meios, como Borges fez com as palavras. "Sempre quis ser escritora, mas escrever é muito difícil para mim", ela disse. "Aos poucos aceitei a ideia de uma espécie de literatura expandida, poder-se-ia dizer. Por isso, para mim isto é tão excitante quanto escrever."
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