terça-feira, 3 de novembro de 2009

Entrevistas Vol. 1 e 2: Hans Ulrich Obrist

Entrevistas de Hans Ulrich Obrist começam a ser publicadas no Brasil


Silas Martí da Folha de S.Paulo

Duas conversas determinaram a vida de Hans Ulrich Obrist, 41. Na primeira, entrevistava o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. Depois, o artista italiano Alighiero Boetti.

Hans Ulrich Obrist, diretor da Serpentine Gallery, lança volumes de entrevistas
Gadamer dormiu durante o papo e mais tarde provocou Obrist a transcrever o seu silêncio. Boetti reclamou do marasmo no meio artístico, culpa de curadores sem vontade de fugir de amarras tradicionais.

Hans Ulrich Obrist, diretor da Serpentine Gallery

Mais do que silêncio, Obrist se acostumou a transcrever suas conversas. O curador suíço, hoje diretor da Serpentine Gallery, em Londres, tem mais de 2.000 horas de entrevistas gravadas com quase todas as personalidades relevantes na arte, na arquitetura e na ciência que despontaram no século 20.
Também respondeu a Boetti e se empenhou em transformar a noção de curador --realizou desde os anos 80 algumas das mostras mais inusitadas (e elogiadas) por críticos e artistas.

Mas não estão dissociados os papéis. Obrist entrevista toda essa gente como pesquisa para exposições. Enquanto editoras vão escolhendo conversas de seu repertório para lançar em formato de livro, ele pensa em como organizar esse conhecimento no espaço físico de museus e galerias --a Serpentine, aliás, virou QG de suas ações.

ENTREVISTAS VOL. 1 E VOL. 2

Autor: Hans Ulrich Obrist

Tradução: Beatriz Horta, Diogo Henriques, Izabela Leal

Lançamento: Cobogó

Quanto: R$ 32 (cada volume)
Onde: Livraria Cultura

Estão saindo agora no Brasil, pela editora Cobogó, uma série dessas entrevistas. Dois volumes já chegaram às livrarias --entre os entrevistados, Merce Cunningham, Yoko Ono, Walter Zanini, Robert Crumb, Manoel de Oliveira, Augusto de Campos e Jeff Koons e mais quatro devem ser lançados até meados do ano que vem.

Essa ligação com o Brasil também deve se estreitar em 2010, quando Obrist vem ao país entrevistar uma série de artistas. A lista de nomes ainda não confirmados tem Tom Zé, José Celso Martinez Corrêa e o ermitão João Gilberto.

No exterior, seu segundo volume de entrevistas saiu pela Charta, que deve publicar ao todo 22 livros. No lançamento do mês passado, estão conversas com Björk, Miranda July, Richard Hamilton, Doris Lessing, Ai Weiwei e Arto Lindsay.
"Faço uma entrevista por dia, é como um diário ou cápsula do tempo, uma forma sistemática de lutar contra o esquecimento", conta Obrist à Folha. "Vivemos num momento de acúmulo de informação, mas o aumento exponencial de dados não significa que teremos melhor memória do que ocorre."

Contra o acúmulo de informação no mundo, Obrist despeja um falatório inesgotável em páginas de livros. Não sabe quantos volumes já publicou ou quantos livros já reproduziram entrevistas suas --uma pesquisa com seu nome na Amazon traz 363 resultados.

Não assusta que ele se descreva hoje como "máquina de livros".
Talvez pelo excesso, Obrist saltou da posição 35 para o primeiro lugar da lista das cem pessoas mais influentes nas artes plásticas divulgada há duas semanas pela revista "Art Review". É o primeiro curador a ocupar o topo em pelo menos dez anos, depois de um monopólio do posto por colecionadores, galeristas e o artista blockbuster Damien Hirst --sinal de que, em tempos de recessão, premiaram a reflexão.

"Minhas entrevistas acontecem em trens, cafés, aviões, restaurantes", conta. "Tento produzir memória; com exposições, tento recriar a realidade, e, nas entrevistas, avançar contra o esquecimento."

Todo e qualquer esquecimento. As conversas não seguem roteiro rígido. Saltam de um tema a outro, ressaltam desvios, interrupções --o gato de Yoko Ono faz uma participação especial, ou o telefone de Gadamer. Num livro de entrevistas com o artista alemão Hans Peter Feldmann, Obrist faz uma pergunta na página da esquerda e o artista responde com uma imagem à direita.

"Não são conversas para descobrir alguma coisa, são situações abertas. Tem mais a ver com o processo do que com o resultado final", diz Obrist.
"Quando já conheço o artista, vou tentando encontrar novos capítulos de sua vida e aos poucos consigo chegar a um retrato total, registrar todas as dimensões daquela personalidade."

Costuma ser vasto esse campo. Mais do que a vida de cada entrevistado, Obrist quer saber sobre a cidade onde vive, sobre projetos, sobre o estado geral da vida pública e privada. Também conclui cada entrevista perguntando que projeto impossível gostariam de realizar.

Alguns deles, depois da entrevista, viraram realidade, como uma exposição de Alighiero Boetti que ficou em cartaz nos aviões da Austrian Airlines, proposta de levar as obras para além das paredes do museu.
"Vejo uma dimensão urbanística no papel do curador", diz Obrist. "Foi quando comecei a fazer e pensar em mostras inusuais, idealizadas também a partir da escala das cidades."

Mais de cem desses projetos saíram compilados neste ano no livro "Unbuilt Roads". Nem todos se propõem a serem realizados. Alguns se anunciam mesmo como fracassos, mas estão ali, abertos à consulta, apontando os tais caminhos não construídos do título.

E realizar os realizáveis, juntos numa grande mostra, é o maior projeto não realizado do curador Hans Ulrich Obrist, ainda sem data para acontecer mas já na memória que ele produziu para virar realidade.

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