quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

BIBLIOGRAFIA


Livros falam sobre a vida de grandes nomes da arte contemporânea

Silas Marti da Folha de S.Paulo

Foi pelo outro lado da câmera que Matthew Barney virou artista. Pagou o curso em Yale com o dinheiro que ganhou como modelo, posando para a Ralph Lauren. Cindy Sherman transformou um "divórcio doloroso" em bonecas mutiladas.

Com a voz dos artistas, livro retrata a arte contemporânea

No Brasil, Cildo Meireles lembra a alucinação que teve aos seis anos de idade, paralisado numa cama. Cao Guimarães descobriu o "desejo pelo proibido" quando viu o arquivo de fotos do avô médico, com xifópagos e vítimas de barriga d'água. A prisão do marido, na ditadura, também foi motor para a obra de Anna Bella Geiger.

Dois livros lançados agora exploram a biografia dos maiores nomes da arte contemporânea no Brasil e no exterior. Buscam nos relatos desses artistas o lastro para a produção que inundou o mercado e arrebatou a crítica ao mesmo tempo.

Em "As Vidas dos Artistas", Calvin Tomkins, crítico de arte da "New Yorker", perfila dez artistas que viraram grifes, entre eles Matthew Barney, Damien Hirst, Jeff Koons, Richard Serra. Nos trópicos, Felipe Scovino lança "Arquivo Contemporâneo", coleção de 13 entrevistas com gigantes da arte brasileira --Cildo Meireles, Tunga, Adriana Varejão.

AS VIDAS DOS ARTISTAS
Autor: Calvin Tomkins
Editora: Bei
Quanto: R$ 57 (280 págs.)

ARQUIVO CONTEMPORÂNEO
Autor: Felipe Scovino
Editora: 7Letras
Quanto: R$ 48 (310 págs.)

Fazem uma análise sintética da última geração de criadores alçados à condição de celebridade. Dão a palavra aos próprios artistas, que esquadrinham desde o sucesso em leilões e galerias à presença nas maiores exposições do planeta e estripulias no plano pessoal.

Tomkins, 84, partiu com a missão de separar o joio do trigo. De milhares de artistas que conheceu, escolheu os que julgou pertinentes. "Um resultado da liberdade ilimitada na arte é a superprodução de coisas medíocres", constata o autor, em entrevista à Folha. "Essa situação tem atraído muitos não artistas, que acham que fazer arte é coisa fácil."

Ele tenta provar o contrário narrando a odisseia de Damien Hirst atrás dos tubarões e vacas que mergulhou em formol. Lembra a viagem ao deserto do Arizona para ver a cratera de luz de James Turrell, os excessos de maquiagem, roupas e perucas de Cindy Sherman.

No meio do caminho, sobra tempo para falar dos amigos roqueiros de Hirst, como o baixista do Blur, Alex James, do romance de Cindy Sherman com o ator Steve Martin, do egocentrismo embaraçoso de Julian Schnabel, da briga de Richard Serra com Frank Gehry.

São ecos da era que começou com Andy Warhol e o culto à personalidade que passou a valer também nas artes visuais.

É um contraste gritante com a situação brasileira. Enquanto os Estados Unidos viveram o boom econômico do pós-guerra, artistas nacionais extraíram forças da repressão militar. A máxima de Hélio Oiticica --"da adversidade vivemos"-- se ajusta quase com perfeição aos relatos dessa geração.

Cildo Meireles esmiúça o contexto em que circulou suas garrafas de Coca-Cola com mensagens subversivas. Cao Guimarães lembra como fazia todos os filmes na cozinha de seu apartamento em Londres.

Oiticica e Lygia Clark, pioneiros da arte invendável, surgem como grandes referências dessa geração, mas não evitaram que, mesmo no Brasil, tudo se rendesse ao mercado.

Artista que desponta lá fora, Adriana Varejão conta que a única lembrança que tem da primeira vez que viu a obra de Clark é o autógrafo que ganhou da artista. Meireles reduz tudo a um "universo do fetiche".

Na obra de Cindy Sherman, Tomkins vê o que se aplica à situação atual _o desejo de se agarrar "às coisas, à juventude, ao glamour, à esperança".

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