quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Artista Steve McQueen é autor do polêmico filme "Hunger"

SILAS MARTÍ

da Folha de S.Paulo

Rostos sorridentes de soldados mortos na Guerra do Iraque ilustram uma série de selos postais que o correio britânico ainda não decidiu se vai pôr em circulação. Nos cinemas europeus, um filme dramatiza a greve de fome de Bobby Sands, ativista do IRA (Exército Republicano Irlandês) que morreu em protesto contra o governo Thatcher nos anos 80.


Treiler do filme "Hunger", premiado em Cannes e dirigido pelo artista britânico Steve McQuee

Enquanto mártires e terroristas usarem o próprio corpo como instrumento de combate, não faltará assunto para o artista britânico Steve McQueen, autor do filme e dos selos.

"As pessoas se usam como armas", resume McQueen em entrevista à Folha. "É uma ferramenta para quando não há mais saída." O artista será o representante do Reino Unido na próxima Bienal de Veneza e ganhou, no ano passado, o Caméra d'Or, prêmio em Cannes para melhor longa de estreia com "Hunger", filme que dividiu a crítica ao expor laços estreitos, talvez até demais, com estratégias das artes visuais.

Se há economia de palavras e o texto parece minguar junto com o corpo do protagonista, há excessos nas imagens. Em sessões na Europa, onde o filme estreou no mês passado, muitos deixam a sala, e críticos descrevem cenas como "banhos de merda, mijo e sangue".

É como se McQueen traduzisse em cinema o expressionismo sem dó de Francis Bacon: o peso da matéria, tinta sobre tela, vira exagero visual em detrimento das falas, a imagem que bombardeia sem cessar.

Numa sequência sem cortes, um homem tenta enxugar um corredor inundado de urina, esgueirando-se entre paredes cobertas de excrementos que os detentos usavam em rebeliões. O fato de serem todos homens, nus e confinados, que apodrecem na prisão, fez com que certos críticos vissem no filme um manifesto sobre a virilidade em tempos de exceção.

Açougueiro

Talvez por isso, McQueen se considere aqui mais do que artista e cineasta, mas também "açougueiro às avessas", que fareja a carniça e expõe a putrefação do corpo e dos valores, esforçando-se para escancarar a sujeira que vê na guerra.

O Royal Mail ainda não autorizou a circulação dos selos que McQueen fez estampando o rosto de soldados britânicos mortos em combate no Iraque _a ironia é que o trabalho é fruto de um prêmio que o artista ganhou do próprio governo, agora alvo de um abaixo-assinado de 15 mil nomes a favor da distribuição dos selos.

"Queria que tivessem outra ideia dessa guerra, não só pela imprensa", diz McQueen. "Essas imagens vistas no dia-a-dia são um grito muito mais forte."

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