Artistas desistem de bolsa do Salão de PE
Matéria originalmente publicada no Diário de Pernambuco, em 02/03/09.
Em sua 47ª edição, o Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, considerado o principal prêmio de arte contemporânea do Nordeste, com uma das maiores verbas do país, corre mais uma vez o risco de arranhar sua credibilidade, construída ao longo de mais de 50 anos, graças a atrasos na distribuição de verbas e cobranças de impostos excessivos.
Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, dupla de artistas que foi selecionada com o projeto “Ópera Crua”, anunciaram por meio de uma carta entregue à imprensa que vão recusar a premiação e devolver para o governo do Estado o dinheiro recebido até agora.
O regulamento do 47º Salão foi divulgado em junho de 2008 e o resultado da seleção foi anunciado em outubro, com “Ópera Crua” entre os selecionados. Costa e Mascarenhas, junto com outros artistas, receberiam dez bolsas mensais de R$ 1,5 mil (totalizando R$ 15 mil) para desenvolver o projeto ao longo de dez meses. Segundo o edital, eles teriam que começar a trabalhar em novembro e concluir tudo em agosto de 2009. As parcelas, porém, só começaram a ser pagas no fim de dezembro, com um desconto de cerca de 30% do total.
O pagamento da primeira parcela não ocorreu em novembro. Os artistas só começaram a receber no fim de dezembro, quando ganharam os dois meses retroativos, já com o desconto de 30%. Em janeiro e fevereiro, as bolsas também não foram distribuídas. Até agora, os artistas dizem que não receberam nenhuma justificativa oficial e que também não foram comunicados sobre o motivo dos atrasos.
Burocracia - O atraso no pagamento das bolsas aos artistas deve ser resolvido na primeira semana de março. Essa é a promessa feita pela coordenadora-geral do Salão, Luciana Padilha. "A expectativa é que, até o fim da semana, os pagamentos de janeiro, fevereiro e março sejam efetuados e, a partir daí, a gente não tenha mais atrasos", explica Luciana. Ainda de acordo com a coordenadora, o atraso inicial no pagamento das bolsas - quando os valores referentes a novembro e dezembro foram pagos no fim de dezembro - foram ocasionados por questões "burocráticas". "Agora, esse novo atraso aconteceu porque, até o dia 15 de janeiro, o governo está empenhado na prestação de contas e não faz os pagamentos", complementa.
Esta semana também os artistas devem ter uma resposta com relação aos descontos no valor da bolsa, que chegam a 30%. "O desconto foi previsto no edital, mas nós não especificamos de quanto seria. É o valor referente ao imposto de renda, já que o edital se enquadrou na categoria de prêmio. Mas o jurídico está fazendo um estudo para ver se esse desconto pode ser, de alguma forma, reduzido", esclarece Luciana Padilha.
O cronograma do Salão não deve sofrer muitas alterações por conta dos problemas financeiros. A idéia é conversar com os artistas que se sintam prejudicados para tentar solucionar o problema. "Pode até acontecer um atraso, mas de poucos dias. Vamos tentar resolver de outra forma. O nosso interesse mesmo é que todos desenvolvam seus trabalhos da melhor forma e poder proporcionar pesquisas, fomentar as artes plásticas, ter um salão nacional em Pernambuco, que tenha troca de informações entre os artistas", finaliza a coordenadora.
Inconformismo - "Não temos como nos comprometer se não houver uma regularidade da fonte pagadora", reclama Marcos Costa. "Se aceitarmos trabalhar desta forma, vamos estar sendo incoerentes com o próprio mérito do prêmio. Não temos como garantir a qualidade", explica o artista, que precisaria alugar equipamentos e contratar técnicos e assistentes para produzir “Ópera Crua”, mas fica impedido de se planejar por causa dos atrasos.
"A gente não quer fazer mal feito para depois botar a culpa no Salão. Preferimos não fazer", raciocina Carlos Mascarenhas. "Dinheiro público merece ser gasto com responsabilidade", complementa Marcos Costa, que não quer assumir um compromisso sem receber condições suficientes para cumprir os prazos.
Na carta, intitulada “Tributo das artes ou tributo às artes?”, os artistas dizem que receberam um "tratamento amador" e uma "completa ausência de justificativa em relação ao atraso na liberação das mensalidades referentes ao financiamento dos projetos". Eles dizem ainda que "a natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida".
Leia abaixo a íntegra da carta dos artistas.
“Tributo das artes ou tributo às artes?” - Carta-Manifesto escrita a quatro mãos por Carlos Mascarenhas e Marcos Costa.
Novidade alguma quanto à incrível capacidade do ser humano em adaptar-se às circunstâncias mais escabrosas e inóspitas nos chamaria à atenção se, contudo, as ondas de insatisfações e sintomas decorrentes de um tal contexto, não se perdessem e se desgastassem sem atingirem devidamente as motivações que geram o estado inaceitável das coisas.
Talvez, por isso mesmo, a qualidade da produção nem sempre é objeto privilegiado. Felizmente, essa postura não atinge a totalidade da classe artística, pois, é sabido que, por outro lado, existem os que prezam, não só pela qualidade da própria obra como, igualmente, pelos expedientes nos quais se envolvem para expor seus trabalhos.
Os descontentamentos advindos deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco são profusamente expressos através dos e-mails que circulam entre bolsistas contemplados. Invariavelmente, queixosos quanto ao tratamento amador e à completa ausência de justificação relativa ao abusivo atraso na liberação das mensalidades referentes ao financiamento dos projetos. Como se não bastasse todo esse descaso imobilizante, o artista ainda se depara com uma carga tributária que mutila em um terço o orçamento programado para a realização do trabalho, tal como fora contabilizado no cronograma original do projeto. A natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida. Daí que, numa conjuntura mórbida e paralisante como essa, talvez seja o caso de se saber o que está realmente em questão: O Tributo das Artes ou Tributo às Artes?
Testemunhando assim, como se nos configura o atual quadro onde se denotam as distorções abusivas, sobretudo no que respeita ao trato com os artistas deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, a COMPARSA – Companhia de Arte & Saúde –, em nome dos seus respectivos criadores Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, autores do “Ópera Crua”, projeto premiado na última seleção, vêm expressa e publicamente manifestar sua dissidência e afastamento do referido Salão, comprometendo-se, através desta carta-manifesto, em devolver na íntegra todo o subsídio financeiro até então disponibilizado pela Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.
Matéria originalmente publicada no Diário de Pernambuco, em 02/03/09.
Em sua 47ª edição, o Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, considerado o principal prêmio de arte contemporânea do Nordeste, com uma das maiores verbas do país, corre mais uma vez o risco de arranhar sua credibilidade, construída ao longo de mais de 50 anos, graças a atrasos na distribuição de verbas e cobranças de impostos excessivos.
Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, dupla de artistas que foi selecionada com o projeto “Ópera Crua”, anunciaram por meio de uma carta entregue à imprensa que vão recusar a premiação e devolver para o governo do Estado o dinheiro recebido até agora.
O regulamento do 47º Salão foi divulgado em junho de 2008 e o resultado da seleção foi anunciado em outubro, com “Ópera Crua” entre os selecionados. Costa e Mascarenhas, junto com outros artistas, receberiam dez bolsas mensais de R$ 1,5 mil (totalizando R$ 15 mil) para desenvolver o projeto ao longo de dez meses. Segundo o edital, eles teriam que começar a trabalhar em novembro e concluir tudo em agosto de 2009. As parcelas, porém, só começaram a ser pagas no fim de dezembro, com um desconto de cerca de 30% do total.
O pagamento da primeira parcela não ocorreu em novembro. Os artistas só começaram a receber no fim de dezembro, quando ganharam os dois meses retroativos, já com o desconto de 30%. Em janeiro e fevereiro, as bolsas também não foram distribuídas. Até agora, os artistas dizem que não receberam nenhuma justificativa oficial e que também não foram comunicados sobre o motivo dos atrasos.
Burocracia - O atraso no pagamento das bolsas aos artistas deve ser resolvido na primeira semana de março. Essa é a promessa feita pela coordenadora-geral do Salão, Luciana Padilha. "A expectativa é que, até o fim da semana, os pagamentos de janeiro, fevereiro e março sejam efetuados e, a partir daí, a gente não tenha mais atrasos", explica Luciana. Ainda de acordo com a coordenadora, o atraso inicial no pagamento das bolsas - quando os valores referentes a novembro e dezembro foram pagos no fim de dezembro - foram ocasionados por questões "burocráticas". "Agora, esse novo atraso aconteceu porque, até o dia 15 de janeiro, o governo está empenhado na prestação de contas e não faz os pagamentos", complementa.
Esta semana também os artistas devem ter uma resposta com relação aos descontos no valor da bolsa, que chegam a 30%. "O desconto foi previsto no edital, mas nós não especificamos de quanto seria. É o valor referente ao imposto de renda, já que o edital se enquadrou na categoria de prêmio. Mas o jurídico está fazendo um estudo para ver se esse desconto pode ser, de alguma forma, reduzido", esclarece Luciana Padilha.
O cronograma do Salão não deve sofrer muitas alterações por conta dos problemas financeiros. A idéia é conversar com os artistas que se sintam prejudicados para tentar solucionar o problema. "Pode até acontecer um atraso, mas de poucos dias. Vamos tentar resolver de outra forma. O nosso interesse mesmo é que todos desenvolvam seus trabalhos da melhor forma e poder proporcionar pesquisas, fomentar as artes plásticas, ter um salão nacional em Pernambuco, que tenha troca de informações entre os artistas", finaliza a coordenadora.
Inconformismo - "Não temos como nos comprometer se não houver uma regularidade da fonte pagadora", reclama Marcos Costa. "Se aceitarmos trabalhar desta forma, vamos estar sendo incoerentes com o próprio mérito do prêmio. Não temos como garantir a qualidade", explica o artista, que precisaria alugar equipamentos e contratar técnicos e assistentes para produzir “Ópera Crua”, mas fica impedido de se planejar por causa dos atrasos.
"A gente não quer fazer mal feito para depois botar a culpa no Salão. Preferimos não fazer", raciocina Carlos Mascarenhas. "Dinheiro público merece ser gasto com responsabilidade", complementa Marcos Costa, que não quer assumir um compromisso sem receber condições suficientes para cumprir os prazos.
Na carta, intitulada “Tributo das artes ou tributo às artes?”, os artistas dizem que receberam um "tratamento amador" e uma "completa ausência de justificativa em relação ao atraso na liberação das mensalidades referentes ao financiamento dos projetos". Eles dizem ainda que "a natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida".
Leia abaixo a íntegra da carta dos artistas.
“Tributo das artes ou tributo às artes?” - Carta-Manifesto escrita a quatro mãos por Carlos Mascarenhas e Marcos Costa.
Novidade alguma quanto à incrível capacidade do ser humano em adaptar-se às circunstâncias mais escabrosas e inóspitas nos chamaria à atenção se, contudo, as ondas de insatisfações e sintomas decorrentes de um tal contexto, não se perdessem e se desgastassem sem atingirem devidamente as motivações que geram o estado inaceitável das coisas.
Talvez, por isso mesmo, a qualidade da produção nem sempre é objeto privilegiado. Felizmente, essa postura não atinge a totalidade da classe artística, pois, é sabido que, por outro lado, existem os que prezam, não só pela qualidade da própria obra como, igualmente, pelos expedientes nos quais se envolvem para expor seus trabalhos.
Os descontentamentos advindos deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco são profusamente expressos através dos e-mails que circulam entre bolsistas contemplados. Invariavelmente, queixosos quanto ao tratamento amador e à completa ausência de justificação relativa ao abusivo atraso na liberação das mensalidades referentes ao financiamento dos projetos. Como se não bastasse todo esse descaso imobilizante, o artista ainda se depara com uma carga tributária que mutila em um terço o orçamento programado para a realização do trabalho, tal como fora contabilizado no cronograma original do projeto. A natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida. Daí que, numa conjuntura mórbida e paralisante como essa, talvez seja o caso de se saber o que está realmente em questão: O Tributo das Artes ou Tributo às Artes?
Testemunhando assim, como se nos configura o atual quadro onde se denotam as distorções abusivas, sobretudo no que respeita ao trato com os artistas deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, a COMPARSA – Companhia de Arte & Saúde –, em nome dos seus respectivos criadores Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, autores do “Ópera Crua”, projeto premiado na última seleção, vêm expressa e publicamente manifestar sua dissidência e afastamento do referido Salão, comprometendo-se, através desta carta-manifesto, em devolver na íntegra todo o subsídio financeiro até então disponibilizado pela Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.
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