segunda-feira, 6 de abril de 2009

Maior bienal do Oriente Médio espelha a crise

Região revê ambição de ser novo centro da arte; construção de filiais do Guggenheim e do Louvre está sob ameaça

Mostra de Charjah vai até maio nos Emirados Árabes, com curadoria da portuguesa Isabel Carlos; artistas desta edição exploram o silêncio

por Silas Martí da Folha de SP

Cinco vezes por dia, os chamados à reza quebram o silêncio de Charjah, emirado vizinho a Dubai, espécie de primo pobre à sombra de suas torres alucinantes de ferro e vidro. É uma comoção programada, indecifrável a ouvidos ocidentais, que acompanha a trilha sonora de música estridente do porto.
No pátio de uma construção à beira do golfo Pérsico, 44 alto-falantes berram por silêncio. É o sibilo que acompanha o gesto de levar o dedo indicador aos lábios, som sem sexo nem idade, que os brasileiros Valeska Soares e a dupla O Grivo gravaram para a instalação que mostram na 9ª Bienal de Charjah. "Muito aqui é não dito, muito se cala", diz a portuguesa Isabel Carlos, 47, curadora da mostra. "Aqui, você fica atento ao som."
Na cidade onde as crianças ainda jogam bola na rua e as mesquitas, na hora marcada, acumulam pilhas de sapatos nas portas -sinais de vida real ausentes de Dubai-, acontece o mais importante evento de arte contemporânea do Oriente Médio, marcado para coincidir com a Art Dubai, feira de arte no emirado mais rico, encerrada há duas semanas, que em tudo contrasta com a vida e a arte ditas mais verdadeiras.
Na febre construtiva que só arrefeceu com a crise econômica, os Emirados Árabes Unidos colecionam projetos de arquitetos estrelados e planejam abrigar em Abu Dhabi filiais do Guggenheim e do Louvre, um projeto de Tadao Ando e uma sala de concertos de Zaha Hadid -esta última suspensa por causa da escassez de crédito.
Não é segredo, também, que muito mais deve parar em breve. Os canteiros de obra, antes com operários estendendo turnos madrugada adentro, agora andam vazios, e carros abandonados juntam pó nas ruas fervilhantes de Charjah e Dubai.

Grito silencioso
Por isso, os sussurros. Incomodados com a certeza do fim, artistas da Bienal fizeram obras caladas, ou jogaram com o som numa terra que alardeia bonanças e disfarça protestos. Sheela Gowda, artista indiana entre as mais reconhecidas no cenário internacional, montou uma rede de canos de ferro, labirinto em que cada ponta emite versos e frases em línguas desconhecidas, quase inaudíveis de tão baixo.
Do lado de fora do museu, transformou uma rua da cidade desértica em espelho d'água: um grito silencioso, denúncia da ostentação tão cara aos príncipes e sultões. No subsolo do museu, numa sala quase escondida do público, outro tumulto afônico. O britânico David Spriggs desenhou um ciclone gigantesco em 160 camadas de acrílico, como se congelassem a força do furacão.
"Gosto da ideia de uma forma muito bela, que é ao mesmo tempo destrutível", diz Spriggs, 30. "É um símbolo dessa região, tem a ver com esse momento."
Mais feroz, a polonesa Agnes Janich criou um labirinto de cães. Latidos orientam os visitantes por corredores que terminam em projeções de cachorros mostrando os dentes. Seria uma alusão à maneira como animais foram melhor tratados do que as vítimas do Holocausto detidas em Auschwitz, mas aqui remete às mordaças do dia a dia, das burcas ao controle quase total do Estado sobre a imprensa e a cultura.
É o esforço sem trégua de criar para o mundo uma imagem que se esfacela diante de quem abre os olhos. Nada mais contundente nesse sentido do que a instalação da italiana Lara Favaretto: um cubo branco feito de confete, perfeito à distância, mas que, visto de perto, está prestes a desmoronar.

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