terça-feira, 30 de junho de 2009

Valores cobrados por herdeiros de artistas dificultam realização de mostras

Silas Marti da Folha de S.Paulo

Obras de Alfredo Volpi e Lygia Clark vão ter destaque na mostra que o Museum of Fine Arts de Houston planeja abrir em Zurique no fim deste ano, mas nenhuma imagem delas estará no catálogo. A não ser que as famílias dos artistas aceitem receber menos pelas fotos, como vai pedir nesta semana a curadora do museu.

Mari Carmen Ramírez já não pôde publicar imagens de Volpi num catálogo que o museu de Houston publicou em 2007 e agora briga para evitar o mesmo desfecho. "Estamos falando em milhares de dólares, quando o normal é nunca pagar mais de US$ 300 por cada imagem", afirmou Ramírez, à Folha.

Herdeiros podem cobrar pelas imagens e pela exposição das obras mesmo que as peças tenham sido vendidas a museus ou a colecionadores.

Volpi também ficou de fora do catálogo de uma grande individual dedicada à sua obra em cartaz até o fim desta semana no Instituto Moreira Salles do Rio, porque não foi pago o valor pedido pelo advogado da família, que era de R$ 150 mil.

Organizadores da mostra ofereceram R$ 35 mil à família para fazer a exposição e publicar um catálogo, mas não houve acordo. Agora, a filha de Volpi e seu advogado ameaçam processar o IMS por terem feito a mostra sem autorização.

"As famílias estão cada vez mais ávidas, eu não sei aonde vai parar isso", disse o crítico Ronaldo Brito, que já teve cópias apreendidas de seu livro "Neoconcretismo", com uma obra de Lygia Clark na capa --segundo parentes da artista, a editora Cosac Naify não pagou para reproduzir imagens.

No fim do ano passado, a galerista Raquel Arnaud sofreu para organizar uma exposição de Volpi no Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo, mas acabou cedendo e pagou R$ 50 mil --valor que conseguiu baixar dos R$ 100 mil originais-- pelas imagens. "A gente brigou muito por causa disso", lembra Arnaud.

É um problema que se arrasta. A curadora independente Denise Mattar diz que passou cinco anos de sua vida indo a fóruns porque foi processada pela família de Di Cavalcanti quando fez duas mostras no Rio, nos anos 90.
"A coisa é uma bola de neve", diz Mattar. "A família acaba contratando um advogado, que também quer dinheiro. Vai virando um círculo complexo."

Zelo pela imagem

De um lado, curadores, instituições e críticos de arte reclamam que a cobrança das famílias prejudica a realização de exposições, arriscando jogar no ostracismo a obra de um artista. Do outro, parentes e advogados dizem que é preciso zelar pela imagem dos que já morreram, e que isso tem um preço.

"Tem que ter um limite para isso, porque limita o acesso à obra", diz Vanda Klabin, curadora da mostra de Volpi agora em cartaz no IMS do Rio. "É preciso deixar uma margem em que você possa trabalhar."

Ronaldo Brito fala em tornar "invisível" a história da arte brasileira. "A difusão da obra de arte brasileira vai encontrando obstáculos, e isso influi no preço das próprias obras", diz o crítico Paulo Sergio Duarte. "Até do ponto de vista da lógica do capital, a coisa é torta."

Incômodo

"Se eu estivesse advogando para um artista menor, talvez nossa política fosse diferente", diz Salvador Ceglia Neto, advogado da família de Volpi, à Folha. "Volpi é Volpi, a força da obra dele é maior do que isso."

Ele descarta que os valores cobrados possam jogar o artista no anonimato. Diz que as críticas partem de colecionadores, que querem suas obras divulgadas, e de críticos, que querem mais exposições sobre as quais escrever. Também diz que esse é o custo para barrar a circulação de obras falsas de Volpi.

"Com essa cobrança acabamos forçando a formalização das transações", diz Ceglia Neto. "Os proprietários das obras querem ficar no anonimato e essa política incomoda."

"A gente está num mercado capitalista", diz Patrícia Volpi, neta do artista. "O argumento é sempre que estão fazendo uma homenagem, mas ninguém diz estar atrelando a marca a outra marca." No caso, a primeira marca é Volpi, e a segunda, o IMS, ligado ao Unibanco.

"Não houve exposição que deixou de ser feita por causa disso", diz Álvaro Clark, filho de Lygia. "Eu não vejo dificuldade. É que antigamente as coisas eram mais liberais."

Ele diz que sua Associação Cultural Mundo de Lygia Clark cobra em média 165 por imagem de obra. Mas é preciso que o trabalho em questão tenha um certificado de autenticidade emitido por eles. "Não cobramos pela certificação. Só pedimos que a pessoa contrate um fotógrafo para fazer a imagem da obra e um museólogo para fornecer um condition report [laudo de condições]", diz.

Clark diz que hoje há cerca de 580 obras certificadas e que gasta recursos dos direitos autorais para barrar falsificações. "É um processo claro e limpo. Quero limpar o mercado."

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