sábado, 4 de julho de 2009

FLIP: Sophie Calle x Grégoire Bouillier

Bouillier e a história de amor que virou ódio

Argelino mostra O Convidado Surpresa, sobre caso conturbado com Sophie Calle

Antonio Gonçalves Filho

O escritor argelino Grégoire Bouillier, de 49 anos, já foi andarilho, jornalista e pintor. Hoje é escritor premiado. Seu primeiro livro, Rapport Sur Moi (Relatório sobre Mim), publicado em 2002, rendeu a ele o Prix de Flore daquele ano e definiu o gênero que Bouillier usa ("relato") para se referir a O Convidado Surpresa (Cosac Naify, tradução de Paulo Neves, 120 págs., R$ 35), livro que o trouxe para a sétima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Nesse relato, produzido há cinco anos, Grégoire Bouillier conta como conheceu a artista conceitual Sophie Calle, de quem se separou por e-mail, recebendo como resposta uma série de vídeos ultrajantes mostrados na Bienal de Veneza de 2007, em que ela pedia a famosas atrizes, performers, bailarinas e até a uma palhaça que interpretassem a mensagem de rompimento. Hoje, às 11h45, o casal volta a se encontrar numa mesa de debate, que promete lavar a roupa suja dessa relação artística e epistolar.

Bouillier conta que esteve presente à festa de lançamento desses vídeos e que foi interpelado por uma das mulheres. "Ela me provocou, dizendo que eu era bastante corajoso para estar lá." Bem, para quem pagou uma pequena fortuna por uma garrafa de Margaux Château de Tertri 1964 apenas para conquistar a mimada Sophie no dia em que a artista comemorava seus 37 anos, em 1990, coragem é o que não falta a Bouillier. Não que a tradição epistolar (mesmo que seja por correio eletrônico) exija do missivista uma dose excessiva de ousadia. A bem da verdade, a literatura francesa está cheia de rompimentos por cartas e livros autobiográficos em que a vida privada dos escritores é mais pública e devassada que nos atuais reality shows.

O escritor detesta a comparação. Diz que a relação dos dois não pode ser reduzida a um gênero que manipula a verdade como o reality show. Para ele, o relacionamento com Sophie Calle foi para valer. No livro O Convidado Surpresa, Bouillier conta como ficou emocionado ao receber, no dia da morte de Michel Leiris, um convite para ir à festa dela num sábado, 13 de outubro de 1990. Não podia imaginar que Sophie Calle fosse um dia fazer dessa relação amorosa um espetáculo público de ressentimento feminino, provocado por um ruído de comunicação. Ele jura que não pretendeu ser indelicado ao enviar a mensagem eletrônica dispensando a namorada. Esperava que ela respondesse ao e-mail. Como só existe uma coisa pior que uma mulher rejeitada - um homem humilhado -, Sophie Calle deu liberdade para outras mulheres lerem e interpretarem a mensagem, deixando Bouillier arrasado, especialmente porque a palhaça que lê a carta num dos vídeos da artista critica sua "sintaxe rudimentar".

"Acho que ela foi desonesta", sintetiza, "especialmente porque não revelou os antecedentes desse e-mail." Além disso, segundo Bouillier, ela o atingiu em seu ponto nevrálgico, sua atividade literária, dedicada a "elucidar a realidade por meio dela, exatamente como fez Virginia Woolf". As referências do escritor não abrigam nanicos, só gigantes da literatura, como James Joyce e Paul Valéry. A despeito disso, diz que a história da literatura tem apenas um pequeno papel em seu projeto literário, a autoficção, em que o autor faz uso de experiências pessoais para criar um espaço narrativo. "Meus livros não são romances nem obras memorialistas, apenas relatos", explica, embora seu mais recente lançamento, Cap Canaveral, conte a história de um escritor maduro e uma jovem admiradora. Autobiográfico? Sem dúvida. Por seguir o conselho literário de Michel Leiris, Bouillier jamais escreveria algo se não fosse para iluminar certas coisas

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