quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Doug Aitken em Inhotin


Norte-americano premiado na Bienal de Veneza faz primeira obra no Brasil

Silas Marti da Folha de S.Paulo

Uma fratura exposta na terra abriu outra fenda em Doug Aitken. Quando o artista viu a mina aberta do outro lado da montanha em Brumadinho, decidiu que nenhuma imagem expressaria a mesma sensação, a não ser a própria paisagem de terra vermelha, mata verde e montanhas azul profundo.

Obra do artista Doug Aitken, na foto, transmite ao vivo, de um buraco de 200 m de profundidade, os ruídos subterrâneos de uma montanha

Em Inhotim, Aitken desistiu de fabricar imagens e buscou só a trilha sonora para o "efeito alucinógeno" de toda a terra. Cavou um buraco de 200 metros no alto de uma montanha e instalou oito microfones ao longo do trajeto. O som, do gotejar de lençóis freáticos ao estrepitar de rochas desconhecidas, reverbera numa construção de vidro em volta do rasgo.

Esse pavilhão, primeira obra do americano no país, será aberto em setembro, com mais oito trabalhos no museu mineiro de arte contemporânea.

Aitken já mostrou o sono de algumas celebridades na fachada do Museu de Arte Moderna de Nova York. Eram curtas projetados no prédio em Manhattan: Cat Power e Seu Jorge percorriam sonâmbulos cenários escancarados à metrópole.

Anônimos também deram vida a paragens elétricas e desertos e minas surgem auscultados, fundidos, refeitos nas investigações visuais de Aitken.

Agora é só o som e a paisagem que já existe. "Aqui é menos ficção e mais a qualidade física, tátil da paisagem", descreve Aitken. "É imaterial, esse volume deslocado de terra se transforma em volume literal de som."

O pavilhão em círculo de Inhotim dá vista panorâmica aos vales e montanhas que se alastram infinitos lá fora. Mas surgem nítidos só quando encarados de frente, já que um filtro nos vidros torna difusa a imagem quando vista a partir de qualquer outro ângulo.

"Queria focar a percepção do espectador, não de um jeito dominante, mas oferecer uma vista de cada vez", diz o artista. "Isso dá forma arquitetônica ao som: o buraco no meio cria perspectiva, um vórtice ótico."

Percepção expandida

É o ponto central que concentra o olhar num vazio cheio de som. "Isso leva a outro lugar", resume Aitken. "É uma janela para um mundo perceptivo, não de ícones, mitologias, mas uma janela para uma forma de percepção expandida."

Não foge do que os renascentistas propunham pintando janelas nos afrescos: abrir fendas para outros mundos, religiosos, imaginários, alegóricos. Mas ao contrário de Michelangelo, Aitken nunca termina sua obra.

Captados ao vivo, os roncos subterrâneos chegam à superfície sem partitura. Não seguem roteiro prévio, nem têm hora para se repetir. Aitken só tem certeza da gama de frequências capaz de atingir o ouvido humano, sabe que notas agudas demais ficam de fora desse canto terrestre.

Na transmissão direta, que amortece sobressaltos com a âncora dos graves, também ficam de fora os contornos. Aitken abre mão do acabamento, deixa em aberto a duração -uma sinfonia rochosa eterna enquanto durar o museu.

"São notas imprevisíveis", diz o artista. "Penso na possibilidade de o som não se limitar à duração da música do disco, de não ser música, ser só o som descontrolado, ao vivo."

Numa ópera coletiva, na Basileia, Aitken encenou uma revolta de lanterninhas e seguranças. Incitaram a plateia com gritos, numa espécie de leilão fictício, e um blecaute programado, mas a euforia tinha hora para acabar. "Era só som, não tinha nada à venda, mas era como se acelerasse o rap mais rápido de todos", lembra. "Era um som de dimensões físicas."

Em Brumadinho, Aitken dissolveu as barreiras do espetáculo e encontrou as medidas de sua obra aberta. Está na silhueta negra das montanhas, no azul escuro do céu e nos ruídos soturnos da terra. "É atraente a ideia do trabalho que não termina nunca, que não entra em loop", diz. "Essa ideia do artista no estúdio, finalizando seu trabalho, é talvez algo do passado."

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