Sem obras, mostra em SP atesta importância crescente do curador no circuito; críticos e artistas reclamam dessa tendência
Silas Martí da Folha de S. Paulo
Quase um ano depois do vazio da última Bienal de São Paulo, começa em outubro outra mostra sem obras de arte. O Paço das Artes pretende expor 150 projetos de artistas e curadores -esboços do que seriam obras ou futuras exposições, ainda no estágio do rascunho. "Muita gente diz que não aguenta mais exposição sem obra", diz Roberto Winter, um dos curadores da "Temporada de Projetos na Temporada de Projetos", nome redundante da mostra-provocação. "A gente também acha que vai ser chato, uma coisa monótona", adianta. A monotonia se junta no início de outubro à radicalidade do Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna paulistano, que desta vez vetou artistas brasileiros na mostra. São indícios no cenário artístico da influência crescente dos curadores, que às vezes ofuscam os próprios artistas -o que muitos no meio já apelidaram de "praga do curadorismo". Em viagem a Istambul, o curador do Panorama, Adriano Pedrosa, enviou por e-mail considerações sobre curadores-autores. "Uma exposição é sempre determinada ou limitada por experiências de vida, perspectivas, conhecimentos [do curador]", dizia. Não respondia questões da reportagem, mas elencou declarações em inglês sobre o assunto e pediu para conferir a tradução. "Existe muito ego", opina Agnaldo Farias, um dos curadores da próxima Bienal de São Paulo. "São esses momentos quando o trabalho se volta muito para o próprio meio artístico." Foi essa a principal acusação contra o gesto dos curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen de deixar vazio um andar inteiro do pavilhão da Bienal no ano passado. "As pessoas querem ver arte, ninguém está muito a fim disso", afirma o crítico Tiago Mesquita, que não autorizou a exposição de seu projeto no Paço das Artes. "Fizeram a curadoria da curadoria; era demais", diz Mesquita. "Curador não é artista, ninguém vai lá ver curador." Um dos dois brasileiros a passar pela peneira da curadoria e entrar no Panorama deste ano, Valdirlei Dias Nunes diz que "sem dúvida, o nome do curador aparece muito mais do que qualquer artista até agora". Dias Nunes só entrou para a exposição por indicação de um artista argentino. Nos anos 80, Lisette Lagnado, curadora da Bienal de São Paulo de 2006, já perguntava em artigos se os curadores seriam as novas estrelas da arte. Em texto recente publicado no site "Trópico", afirma que "no Brasil a crescente demanda por curadores independentes alcançou um nível epidêmico desproporcional à realidade das coleções dos museus". À Folha, Lagnado disse depois que nunca recebeu tantos convites para participar de debates sobre curadoria no país. Enquanto isso, universidades e museus vêm turbinando seus cursos para formar curadores. "Há um risco hoje em dia de o curador tomar o lugar da obra que ele cura", diz o artista Nuno Ramos. Carlos Fajardo também vê uma importância crescente do curador, mas diz que é "impossível" fugir a essa lógica. Apontado como um dos nomes centrais dessa nova geração, o titular da próxima Bienal de São Paulo, Moacir dos Anjos, tenta definir melhor os papéis. "Curador é curador, artista é artista", resume Anjos. "Sempre existe um grau de autoria numa exposição, mas isso não faz do curador um artista." Mesmo quando esse curador acaba mais falado do que a própria exposição. Ivo Mesquita não se desvencilhou do pavilhão vazio. Sheila Leirner pôs a Bienal de São Paulo no mapa quando decidiu expor lado a lado as grandes telas da geração 80, num compêndio expressivo da volta à pintura. Teixeira Coelho atiçou a ira de público e artistas quando espalhou telas pelo chão do Itaú Cultural. "Nossa proposta é mais autoral mesmo", admite Luiza Proença, parceira de Roberto Winter na curadoria da mostra de projetos no Paço. "É provocativo, mas artistas dependem dessa provocação", diz ela, que quando não ocupa o papel de curadora, também é artista.