Responsabilidade, segurança e trégua
por César Oiticica
Agradecemos, emocionados, às dezenas de mensagens de solidariedade enviadas por pessoas de várias partes do mundo pela tragédia do incêndio que destruiu grande parte da obra de Hélio Oiticica.
Não concordamos, de maneira nenhuma, que cabe culpa ao governo, municipal, estadual ou federal, por esse acidente trágico que deixa o mundo da arte órfão de uma das mais destacadas obras da segunda metade do século XX. Uma tragédia absurda, muitas vezes, tem como reação uma série de protestos contra o governo. É mais ou menos como a revolta do filho contra Deus pela morte prematura do pai.
Nós escolhemos, conscientemente, desde o início, o modelo no qual acreditávamos ser o melhor para gerir a obra de Hélio. Fundamos, em 1981, o Projeto Hélio Oiticica, uma associação cultural sem fins lucrativos, com as finalidades de guardar, conservar, estudar e difundir a obra do artista.
O projeto teve um desempenho excelente, nestes 28 anos, como provam o grande aumento do prestígio da obra a nível mundial, as inúmeras teses acadêmicas elaboradas sobre a obra de Oiticica, as restaurações de grande parte do acervo e o acondicionamento correto com controle ambiental perfeito em sua reserva técnica. O item segurança não foi negligenciado, contando com dois sensores de fumaça ligados ao sistema de alarme.
No interior da reserva, no momento do incêndio, só havia um ponto com energia elétrica ativo: o desumidificador, já que o sistema de ar-condicionado não tinha ponto de energia interno e a iluminação estava sempre desligada quando a reserva se encontrava vazia. Inúmeros especialistas em museus, restauradores, curadores, historiadores de arte e artistas visitaram a nossa reserva técnica e sempre a elogiaram.
Nunca houve uma crítica.
Mesmo assim, sempre nos perseguirá o sentimento de que talvez pudéssemos ter evitado o que ocorreu. A responsabilidade é só nossa e não seria justo tentar dividi-la com alguém.
Não duvidamos, porém, que o caminho que escolhemos para gerenciar a obra de Hélio foi o correto.
A administração da obra de um artista nunca deve ser feita pelo poder público principalmente quando não há o conhecimento e a estrutura necessários para isso.
A obra de Hélio Oiticica é extremamente complexa.
Até hoje é motivo de estudos até pelos mais veteranos pesquisadores e estimula, mais do que qualquer outra, os jovens acadêmicos a elaborarem monografias e teses. A sua ousadia a torna fonte de inspiração e estímulo à liberdade de criação em todo o mundo.
Uma estrutura estatal, burocrática, jamais poderia fazer o que foi feito pelo Projeto Hélio Oiticica nestes 28 anos. Depois do desespero, uma tristeza profunda, doída, tomou conta de todos que se acostumaram a amar a obra de Hélio Oiticica. Mas esse sentimento deve ser substituído pela vontade vital de continuar o trabalho de cuidar e difundir a sua obra.
Agradecemos à imensa ajuda do Ministério da Cultura, que rapidamente acionou o Ibram para nos ajudar a resgatar as obras que sobreviveram ao incêndio.
Essa força, neste momento, transformou a perplexidade diante da tragédia em ação para a recuperação do que restou do acervo.
Temos que pedir uma trégua a todos que, por um motivo ou outro, discordam ou desgostam do Projeto HO ou de nossa família. Por favor, um pouco de solidariedade.
Pedimos também um tempo a todos que, mesmo por motivos profissionais, desejam entrar em contato conosco. Estamos tentando salvar o que sobrou do incêndio.
Contamos com a sua colaboração.
CÉSAR OITICICA é irmão de Hélio e diretor do Projeto HO
O Globo, 21 de outubro de 2009
Não concordamos, de maneira nenhuma, que cabe culpa ao governo, municipal, estadual ou federal, por esse acidente trágico que deixa o mundo da arte órfão de uma das mais destacadas obras da segunda metade do século XX. Uma tragédia absurda, muitas vezes, tem como reação uma série de protestos contra o governo. É mais ou menos como a revolta do filho contra Deus pela morte prematura do pai.
Nós escolhemos, conscientemente, desde o início, o modelo no qual acreditávamos ser o melhor para gerir a obra de Hélio. Fundamos, em 1981, o Projeto Hélio Oiticica, uma associação cultural sem fins lucrativos, com as finalidades de guardar, conservar, estudar e difundir a obra do artista.
O projeto teve um desempenho excelente, nestes 28 anos, como provam o grande aumento do prestígio da obra a nível mundial, as inúmeras teses acadêmicas elaboradas sobre a obra de Oiticica, as restaurações de grande parte do acervo e o acondicionamento correto com controle ambiental perfeito em sua reserva técnica. O item segurança não foi negligenciado, contando com dois sensores de fumaça ligados ao sistema de alarme.
No interior da reserva, no momento do incêndio, só havia um ponto com energia elétrica ativo: o desumidificador, já que o sistema de ar-condicionado não tinha ponto de energia interno e a iluminação estava sempre desligada quando a reserva se encontrava vazia. Inúmeros especialistas em museus, restauradores, curadores, historiadores de arte e artistas visitaram a nossa reserva técnica e sempre a elogiaram.
Nunca houve uma crítica.
Mesmo assim, sempre nos perseguirá o sentimento de que talvez pudéssemos ter evitado o que ocorreu. A responsabilidade é só nossa e não seria justo tentar dividi-la com alguém.
Não duvidamos, porém, que o caminho que escolhemos para gerenciar a obra de Hélio foi o correto.
A administração da obra de um artista nunca deve ser feita pelo poder público principalmente quando não há o conhecimento e a estrutura necessários para isso.
A obra de Hélio Oiticica é extremamente complexa.
Até hoje é motivo de estudos até pelos mais veteranos pesquisadores e estimula, mais do que qualquer outra, os jovens acadêmicos a elaborarem monografias e teses. A sua ousadia a torna fonte de inspiração e estímulo à liberdade de criação em todo o mundo.
Uma estrutura estatal, burocrática, jamais poderia fazer o que foi feito pelo Projeto Hélio Oiticica nestes 28 anos. Depois do desespero, uma tristeza profunda, doída, tomou conta de todos que se acostumaram a amar a obra de Hélio Oiticica. Mas esse sentimento deve ser substituído pela vontade vital de continuar o trabalho de cuidar e difundir a sua obra.
Agradecemos à imensa ajuda do Ministério da Cultura, que rapidamente acionou o Ibram para nos ajudar a resgatar as obras que sobreviveram ao incêndio.
Essa força, neste momento, transformou a perplexidade diante da tragédia em ação para a recuperação do que restou do acervo.
Temos que pedir uma trégua a todos que, por um motivo ou outro, discordam ou desgostam do Projeto HO ou de nossa família. Por favor, um pouco de solidariedade.
Pedimos também um tempo a todos que, mesmo por motivos profissionais, desejam entrar em contato conosco. Estamos tentando salvar o que sobrou do incêndio.
Contamos com a sua colaboração.
CÉSAR OITICICA é irmão de Hélio e diretor do Projeto HO
O Globo, 21 de outubro de 2009
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