segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

BIOGRAFIA - Silke Wagner

Born 1968, Göppingen, Germany.
The artist lives and works in Frankfurt, Germany.

IªBrussels Biennial: Lufthansa Deportation Class

Silke Wagner presents a broad range of forms and themes in her work. Still, her projects are based on a common principle: They explicitly refer to social, political, and ecological problems. Wagner co-operates with minority groups and initiates activities that underline publicly place into question and actively promote alteration of the situation. Her concept triggers a shift in the perception and impact of the objects, performances, and actions. The artist takes a clear political stand in her use of a minibus labelled "Lufthansa Deportation Class," provoking a national public debate about Lufthansa allowing its planes to be used for the deportation of refugees and when she provocatively appealed for couples to enter bogus marriages. But she also discusses the private level of representation, when she sparks rumours or develops a modular system, which can be used to build a piece of furniture that is functional or, if preferred, serves no purpose at all. Art serves both as a magic hat and as a tool.

Her works always trigger communication processes, offer a framework or a platform for social action. They also discuss the conditions of the art industry. "Locals only", and other projects, focus on the public space. Street skating is an example of how to appropriate and re-conquer outdoor venues.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Para encerrar o assunto 28ª Bienal

Um acordo de cavalheiros em vivo contato

Fabio Cypriano (especial para o Fórum Permanente, 17 de dezembro de 2008) Desenhos: Nicolás RobbioMonumentos sob medida

desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

O posicionamento da Fundação Bienal de São Paulo em relação à jovem que continuava presa mesmo após o encerramento da 28ª Bienal de São Paulo é muito significativo tendo em vista todas as discussões que essa edição do evento pretendeu levantar. Isentando-se de culpa, o comunicado à imprensa emitido no dia 11 de dezembro, contudo, não é uma surpresa, tendo em vista o histórico de seu atual presidente, Manoel Francisco Pires da Costa.

De se estranhar, entretanto, é o posicionamento do curador do evento, Ivo Mesquita, para quem “uma coisa é grafiteiro, pichação; outra coisa é uma tática terrorista de arrastão, 40 a 50 pessoas, com um histórico nada bom, que invadem lugares como a Belas Artes e a Choque Cultural e destroem obras de arte”, como afirmou à Folha de S. Paulo, segundo matéria publicada em 14/12/2008.

A questão é que, nesse momento, saiu-se do campo da estética para entrar no campo de ética. Nesse sentido, tanto curadoria quanto presidência estão afinados num mesmo posicionamento, lembrando o “acordo de cavalheiros” revelado por Mesquita na carta enviada ao presidente, quando da ameaça de corte ao evento, abordada em 26/12/2008 na matéria “Pedido de corte ameaça 28ª Bienal”, na Folha de S. Paulo.

Esse “acordo de cavalheiros” merece ser aprofundado. É notório que Mesquita foi o único curador a aceitar realizar esta Bienal após uma fracassada tentativa de seleção por projetos. Ele mesmo desistiu de entregar o seu, na última hora, e apenas Márcio Doctors chegou a apresentar um projeto, também desistindo quando soube ser o único. Frente à iminência de não ter um curador para a mostra, Pires da Costa pediu que Doctors e Mesquita fizessem um projeto conjunto, que acabou sendo, ao final, levado adiante apenas por Mesquita.

A expectativa, então, era que Mesquita, salvando o presidente do desastre, tivesse total liberdade para levar adiante seu projeto crítico, que não só abordaria a crise da Fundação Bienal como uma eventual crise do modelo da Bienal. Mesmo com um prazo curto, de menos de um ano, e a certeza de verbas limitadas, que não se revelaram tão limitadas assim, afinal R$ 8 milhões não é um valor baixo, o curador colocaria a Bienal no divã.

Contudo, desde então, ao mesmo tempo em que Pires da Costa ganhava legitimidade, o projeto de crítica institucional foi paulatinamente se esvaziando. Basicamente, ele se restringiu aos debates pouco freqüentados e, mesmo com uma seleção de convidados realmente diversificada, pareciam ser tão genéricos e impressionistas, com raras exceções, que eram absolutamente superficiais.

Assim, essa situação esquizofrênica foi se expandindo cada vez mais: a bienal da crítica institucional separou a reflexão da produção artística, como se a crítica não pudesse ser realizada pelos artistas, ou pior, deveria ser evitada. Alguém chegou a afirmar que o evento passou por um processo de “deshanshaackeização”, em referência ao alemão Hans Haacke, reconhecido por suas obras que fazem crítica institucional.Sem título
desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

Essa contradição tornou-se mais patente ainda com a abertura da mostra, pois ela também foi totalmente omissa em relação à reflexão. O que a exposição tentou trazer de inovador foi uma experiência formal do modelo expositivo. Enquanto projeto experimental não deixa de ser válido, mas no contexto do projeto de “em vivo contato” foi absolutamente frustrante, além de conveniente para a presidência.

Nesse processo, foi um tanto obscura a saída do co-curador Thomas Mulcaire, no meio do processo de organização da Bienal. A amigos, Mulcaire tem dito que sua saída ocorreu por justamente tentar tornar a crítica institucional mais aparente, por exemplo tornando públicas todas as contas do evento. Teria sido de fato relevante saber, por exemplo, quanto se gastou com cada artista, com o projeto educativo, enfim, numa Bienal, o quanto se gasta com arte e o quanto com publicidade, por exemplo.

A minha impressão é que, mesmo que Mesquita procure sempre se mostrar independente da presidência, afirmando que a curadoria é “terceirizada”, portanto, livre, é muito difícil se desvincular essas duas pontas. Nesse sentido creio ser sintomático que, quando a carta de Mesquita contra o pedido de 40% de corte feito por Pires da Costa tornou-se pública _carta essa dura e reveladora da ação do presidente, o curador tenha voltado atrás em seu discurso, culpando o Conselho e lembrando que há um problema crônico de fluxo de caixa nas vésperas de toda Bienal, outro momento conveniente para a presidência.

No debate com os jovens críticos da revista Número, no Centro Universitário Mariantonia, no último dia 12, Mesquita revelou que chegou a desestimular três artistas com projetos mais críticos sobre a Fundação, dois deles pois o próprio curador estava envolvido. A ausência de projetos de risco na Bienal, tornou-se assim, uma marca desse evento, como afirmou a artista Carla Zaccagnini, no último debate da série “A Bienal de São Paulo e o meio artístico brasileiro: memória e projeção”.

E, aí, talvez, esteja o dilema central dessa Bienal: é possível realizar a crítica institucional dentro da instituição? Pelo que se observou ao longo da realização da mostra, a resposta, no caso da Fundação Bienal, é obviamente não. Artista cujo projeto seria uma inserção em todas as edições do jornal 28b, o argentino Nicolas Róbbio teve alguns desenhos censurados, justamente aqueles mais críticos à própria Fundação e ao projeto da curadoria, desenhos esses cedidos ao Fórum Permanente como se pode ver ao longo desse texto.
Objetos sob medida
desenho de Nicolás Robbio censurado no jornal 28b [para ver maior clique aqui]

O jornal 28b, aliás, comprova outra das incongruências de “em vivo contato”: se por um lado ele cria um novo circuito para a Bienal, ao ser distribuído gratuitamente pela cidade, por outro, seu conteúdo é tão conservador que chega a ser estarrecedor. A começar pela existência de um editorial: Por que é preciso uma página tão hierárquica, com a voz de um dono da verdade como um editor? Mas não é só isso: Por que os artigos são tão convencionais rebaixando o conteúdo, evitando a reflexão? Por que evitar as polêmicas da mostra, como se elas não existissem, dando a impressão de um “house organ” publicitário? Por que buscar agradar o leitor a todo custo, no modelo “o povo fala” usado nos tablóides sensacionalistas?

Enfim, essa falta de ousadia esteve não só na publicação 28b, mas por toda a 28ª Bienal, culminando com a sintonizada opinião em relação à pichação. Difícil não relacionar essa harmonia ao cumprimento do acordo de cavalheiros, abandonando-se de forma deliberada a crise circunstancial para abordar algo mais geral. O problema é que, ao se evitar o visível e real desmando do atual presidente criou-se uma situação falsa, “a crise das bienais”, escondendo-se embaixo do tapete o trauma recente. Sem ele, no entanto, tudo o mais ficou sem sentido.

Esse processo de encobrimento ainda segue no prometido relatório final da Bienal, que será secreto! Acabada a Bienal, depois de tantos encontros e debates, Ivo Mesquita comprometeu-se a entregar um texto à Fundação reunindo os principais tópicos abordados no evento com suas conclusões. Entretanto, aquilo que, então, seria o posicionamento do curador sobre todo o debate ficará restrito à diretoria da Fundação, cabendo a ela a decisão de torná-lo ou não público. É compreensível que existam relatórios internos que não precisam ser públicos. Contudo, no caso da 28ª Bienal, esse documento seria como o relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e relatórios de CPI são necessariamente públicos. Para a história da instituição urge que esse texto se torne público, mas parece que o compromisso da curadoria não está com a instituição, mas sim com sua direção.



quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Vazio e a Fúria

Folha de S. Paulo, 15 de dezembro de 2008

por Fernando de Barros e Silva

SÃO PAULO - Caroline Sustos (sobrenome de guerra) está presa há mais de 50 dias. Ela integra o grupo que pichou um dos andares do pavilhão do Ibirapuera na abertura da Bienal de São Paulo. Aquela que ficou conhecida como Bienal do Vazio virou, enfim, um caso de polícia.
A prisão desta jovem me parece um exagero absurdo e cruel. Sim, há a lei. Mas imagine o leitor se os "artistas" da especulação imobiliária fossem em cana a cada predação do bem público que patrocinam, não raro em conluio com o poder público, para construir esta cidade tragicamente horrorosa e desumana.
Isso não redime outros vandalismos, claro que não. As artes da pichação podem fazer sentido como ritual de grupo, catarse, terapia, mas o resultado é regressivo social e esteticamente. Não há nenhum valor artístico associado à transgressão gravada nas paredes sujas. Trata-se, antes, da irrupção em língua cifrada de um mal-estar pouco digerido na cultura brasileira.
"Nas paredes surgem pichações monótonas, cuja única mensagem é o autismo: elas exorcizam o eu que não mais existe. (...) Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo", escreveu Hans Magnus Enzensberger no ensaio "Visões da Guerra Civil", de 1993.
Como se viesse confirmar o diagnóstico do alemão, a garota, com a voz infantilizada, disse o seguinte: "Eu me identifico com o vazio. Sentia falta de alguma coisa na minha vida, fazia coisas e nada cobria aquilo. Sentia um buraco. Comecei a pichar, foi tapando aos poucos..."
Entre o vazio existencial da jovem Sustos e o vazio conceitual da Bienal há menos identificação do que antagonismo: a fúria da primeira é um impulso desesperado de vida que traz à luz o espírito burocrático e mortificante da segunda.
O templo da arte contemporânea (a Bienal) faz aqui o papel (ou papelão) de museu do que há de pior na tradição nacional. Ou esse qüiproquó artístico-policial não é um sinal das nossas iniqüidades de sempre?

Prisão da pichadora Caroline `Sustos` motiva manifesto

O caso de Caroline Pivetta da Mota, a Caroline `Sustos`, presa em flagrante por ter pichado e depredado o Pavilhão da Bienal de São Paulo junto a um grupo de cerca de 40 jovens, em 27/10/08, durante a exposição da Bienal, está dando o que falar.
Em 13/12/08, a partir das 19h30, no Atelier La Tintota, em São Paulo (SP), um grupo de “artivistas” se reúnem para uma manifestação em defesa de Caroline. Para a iniciativa, Artur Matuck (artista plástico, escritor e professor da Universidade de São Paulo), escreveu um manifesto, reproduzido abaixo na íntegra:

"Caros artivistas do Brasil e do mundo,
Vocês estão informados de um dos resultados da Bienal Internacional de São Paulo que se encerrou hoje? Uma mulher autodenominada pichadora está presa, ameaçada de permanecer encarcerada por até três anos. Caroline `Sustos` foi uma das integrantes do grupo de pichadores que invadiu a mostra. As paredes foram pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada.
Independente da discussão estética, se a pichação é ou não arte, se se justifica ou não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma manifestação cultural que poderia, deveria ser discutida, avaliada, rejeitada e mesmo eventualmente contida. Que tenha como resultado a detenção de uma mulher apresenta-se como lamentável e inaceitável para as instituições públicas de São Paulo.
Especialmente, a Bienal de São Paulo não deve participar de um ato repressivo que resulte na detenção de Caroline `Sustos` (como assina seus autos de prisão) em suma, em mais uma pessoa encarcerada por motivos muito discutíveis.
Pode-se sim considerar, ao contrario, que a proposta do curador Ivo Mesquita em manter um andar da exposição vazio, para um exercício de reflexão sobre todas as Bienais do mundo, como afirmou, foi devidamente respondida por este grupo de pichadores. Esta resposta representa uma pulsão de uma cidade !
A história tem demonstrado que inúmeras vezes os críticos, curadores e historiadores equivocam-se diante de manifestações artísticas inusitadas. A Bienal de São Paulo teria muito a ganhar se o andar vazio tivesse sido, após esta invasão, voluntariamente oferecido aos pichadores e grafiteiros de São Paulo que aliás projetaram sua arte internacionalmente. O fato da pichação não ser validada e legitimada pode também representar uma ausência de reflexão de críticos e historiadores diante de um fenômeno contemporâneo que escapa de nossos paradigmas habituais.
A abertura da Bienal teria sido um gesto inédito de reconhecimento por uma instituição artística, de uma forma expressiva que se espalhou por toda a cidade e não pode ser simplesmente ignorada. Uma discussão ampla e bem informada sobre o fenômeno cultural da pichação é relevante desde que na medida em que não é validado enquanto expressão artística pode ser considerado como vandalismo e justificar repressão.
Diante de todo o exposto, proponho que seja organizado um protesto, seja presencial seja virtual, por todos os meios possíveis, convocando `artivistas` sejam brasileiros sejam internacionais no sentido de convocarmos nossas energias para que esta mulher seja liberada o quanto antes.
Aqueles dentre nós que possam acessar jornalistas, advogados, promotores de justiça, políticos, professores, estudantes, todos que puderem de algum modo interferir a favor, reenviarem esta mensagem e solicitar solidariedade.
Aqueles que puderem traduzir este protesto para outras línguas e enviar para grupos de discussão e instituições estrangeiras favor engajarem-se o quanto antes.
Divulguem este protesto, disseminem esta idéia para que Caroline seja libertada o quanto antes e para que as instituições artísticas e culturais brasileiras não se tornem cúmplices neste cerceamento da liberdade e da expressão”.

- Artur Matuck (artista plástico, escritor e professor da Universidade de São Paulo).

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CATÁLOGO DA 28ª BIENAL DE SP ONLINE

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53ª Bienal de Veneza ocorre de junho a novembro de 2009

A 53ª Bienal de Veneza, na Itália, que ao lado da Documenta de Kassel (Alemanha) forma a dupla dos mais importantes eventos de arte do mundo, está marcada para entre 07/06/09 e 22/11/09, no Giardini e no Arsenale, entre outros locais da cidade. O vernissage ocorre nos dias 04, 05 e 06/06/09.
O sueco Daniel Birnbaum é o diretor desta edição da Bienal. Ele trabalha com o auxílio de Jochen Volz (organização artistica), Savita Apte, Tom Eccles, Hu Fang e Maria Finders (correspondentes).
Volz, alemão radicado em Belo Horizonte (MG), é curador do Centro de Arte Contemporânea Inhotim e foi curador convidado da 27ª Bienal de São Paulo (2006). Agora ele vai morar em Frankfurt, na Alemanha, onde vai dar aulas na Städelschule, a escola de arte da cidade, mais próxima de Veneza.
Entre os países representados na Bienal de Veneza estão Brasil, Irã, Marrocos, Nova Zelândia e San Marino. Andorra, Emirados Árabes Unidos, Gabão, Montenegro, Paquistão, Principado de Mônaco e África do Sul participam do evento pela primeira vez. A mostra, intitulada “Fazer Mundos”, destacará o processo de produção de uma obra de arte, no lugar do trabalho concluído, e o diálogo entre artistas jovens e experientes. A exposição não será dividida em seções. Será uma única exibição entrelaçada por alguns temas, como os processos de produção de uma obra de arte; a relação entre alguns artistas-chave e as gerações sucessivas; e a exploração do desenho e da pintura (um contraponto à grande quantidade de vídeos e instalações presentes em edições anteriores do evento).
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Brasil
Os artistas Cildo Meireles (59 anos), Renata Lucas (37) e Sara Ramo (33), espanhola radicada na capital mineira, serão os principais nomes brasileiros na mostra internacional da Bienal de Veneza. Eles foram escolhidos pelo co-curador da mostra, Jochen Volz.
Enquanto se define o quadro de artistas que participam da mostra internacional da Bienal, continua o impasse sobre a representação brasileira na mostra italiana. Boa parte dos países que mantém o próprio pavilhão nos Giardini já definiram suas curadorias e artistas convidados. Atrasado, o Brasil, cujo pavilhão fica sob os cuidados da Fundação Bienal de São Paulo, não escolheu nem o curador que deverá apontar os artistas para a representação nacional.
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Mais informações: www.labiennale.org

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Rehearsal Studio


Musée d'art Contemporain de Montréal
de 14 de outubro de 2008 a 11 de janeiro de 2009


Apresentada na exposição Sympathy for the Devil: Art and Rock and Roll Since 1967, pelo artista tailandês Rirkrit Tiravanija, a obra Untitled 1996 (Rehearsal Studio No. 6 Silent Version) oferece aos visitantes o acesso a um estúdio real de gravação. Músicos de todos os níveis podem reservar uma hora de tempo livre ensaiar lá durante o horário museu. Contruido integralmente com painéis de Plexiglas, o estúdio está equipado com microfones, duas guitarras, um baixo e um drum kit electrônico. Fones permitem que a platéia fora do espaço possa ouvir os músicos. Os instrumentos são amplificados, mas não são alimentados diretamente em uma gravação console. Para os espectadores andando pela exposição, estes ensaios são paradoxalmente "silenciosos".

O estúdio está disponível desde 14 de outubro e fica em exposição 11 de janeiro de 2009. O uso do espaço está sujeito a disponibilidade dos horários que foram organizados em uma tabela de acordo com o funcionamento do museu.

De Terça-feira a sexta-feira, das 14 às 15h e das 15.30h às 16.30.
Quarta-feira à noite das 18 às 19h e das 19.30 h às 20.30h.

Os interessados em participar do projeto podem baixar da internet o termo de condições e o formulário de inscrição para uso do estúdio.
Condições
Formulário de Inscrição

Rirkrit Tiravanija, Untitled 1996 (Rehearsal Studio No. 6 Silent Version), 1996. Paredes de Plexiglass, quadro metálico, violão, guitarra, baixo, kit de percussão eletrônica, microfones, equipamento de gravação, auscultadores e carpete. Dimensões variáveis. Cortesia Gavin Brown's Enterprise, em Nova York.

Cildo, Renata Lucas e Sara Ramo são os principais nomes do Brasil em Veneza

15/12/2008

SILAS MARTÍ
da Folha de S.Paulo

Os artistas Cildo Meireles, Renata Lucas e Sara Ramo serão os principais nomes brasileiros na mostra internacional da próxima Bienal de Veneza, que começa em junho do ano que vem. Escolhidos pelo co-curador da mostra, Jochen Volz, alemão radicado em Belo Horizonte, são três dos artistas mais respeitados da arte contemporânea no país.

"A trajetória deles têm a ver com um questionamento que nos interessa para a exposição", disse Volz, que divide com o sueco Daniel Birnbaum a curadoria da Bienal de Veneza. A próxima edição da mostra italiana, "Fazer Mundos", tem como idéia central destacar o processo de produção de uma obra de arte, no lugar do trabalho concluído, e o diálogo entre artistas jovens e experientes.

Cildo, 59, que já participou de duas edições da Bienal de São Paulo e da Documenta de Kassel, além da Bienal de Veneza de 2003, representa a geração de nomes consagrados da arte brasileira, enquanto Renata, 37, e Sara, 33, espanhola radicada na capital mineira, são jovens elogiadas pela crítica e valorizadas pelo mercado.

Depois de se retirar da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, como protesto à reeleição de Edemar Cid Ferreira para conselho da Fundação Bienal, Cildo abriu em outubro deste ano uma aguardada exposição individual na Tate, em Londres. Artista que despontou nos anos 70, considerado por Volz "um dos nomes mais importantes no cenário mundial hoje", é conhecido por questionar o valor simbólico da arte, além de seu papel como mercadoria.

São dele a série "Inserções em Circuitos Ideológicos", em que fez circular garrafas de Coca-Cola e cédulas de dinheiro com inscrições de protesto contra o regime militar, e a escultura "Babel", em que empilhou rádios numa estrutura em forma de torre, num grande coro de freqüências dissonantes.

Embora acredite que o modelo das grandes mostras "não dá mais conta do recado", Cildo está disposto a encarar mais uma Bienal de Veneza.

"De todas as bienais, acho que Veneza é a que menos teria condições de mudar, porque foi a primeira delas", disse Cildo à Folha. "Em última análise, são os artistas e seus trabalhos que definem uma exposição mais do que o peso institucional do lugar onde é feita."

"Não gosto de Veneza"

Mas, se Cildo não depende do lugar para criar suas instalações e performances, Veneza preocupa Renata Lucas. Conhecida pela destruição e construção de espaços arquitetônicos, intervenções que dão novas funções a lugares já habitados, ela derrubou paredes de galerias, cobriu fachadas com tijolos, duplicou calçadas e postes e revestiu com chapas de compensado grandes cruzamentos de cidades como o Rio.

"Tudo em Veneza é tombado, há mil restrições, e eu vou ter de trabalhar com elas", adianta ela à Folha. "É uma cidade estranha, parece que tudo está de costas para você, as fachadas das casas são voltadas para os canais, que são, na verdade, as ruas. Não gosto de Veneza."

Renata, aliás, diminui até a fama da mostra. "Eu não sei por que tem tanto glamour em torno de Veneza, já que na verdade eles não proporcionam basicamente nada para uma artista além de publicidade."

É a mesma artista que plantou árvores e plantas tropicais nos jardins de paisagismo simétrico da Tate Modern, em Londres, no ano passado, numa mostra que consolidou o braço internacional de sua carreira. No Brasil, Renata participou em 2006 da 27ª Bienal de SP, a exposição que Cildo Meireles se recusou a integrar.

Pequenos mundos

Em contraponto ao aspecto monumental das intervenções de Lucas, Sara Ramo entra na mostra com uma visão mais poética de um mundo particular. Suas obras em vídeo e fotografia põem em xeque a realidade com um lirismo às avessas, cheio de melancolia.

"Ela desenvolve pequenos mundos imaginários com uma linguagem muito mais pessoal, um sentido poético", diz Volz.

Vencedora da bolsa Pampulha e depois do prêmio Marcantonio Vilaça, Sara também esteve na Bienal do Mercosul de 2007 e foi um dos nomes mais fortes da última Paralela, encerrada neste mês em SP.

X Bienal de la Habana


Otros
X Bienal de la Habana

fonte Revista Art Nexus nov/2008

Más de 200 artistas de 43 países se reunirán en la X Edición de la Bienal de la Habana que se realizará del 27 de marzo al 30 de abril de 2009 en la ciudad de la Habana bajo el eje central de Integración y resistencia en la era global. Con esta edición la bienal celebrará 25 años de fundada y rendirá un homenaje a algunos artistas que han contribuido al desarrollo del arte latinoamericano como León Ferrari, Fernell Franco, Antonio Ole, Sue Williamson, Wilfredo Lam y Raúl Martínez.

Entre los países que han enviado proyectos figuran México, Colombia, Argentina, Chile, Venezuela, Haití, Cuba, Sudáfrica, Nigeria y Zimbabwe; se presentarán, también, propuestas de Italia, China, Corea, Japón, España y por vez primera en estos eventos, se exhibirá una propuesta de Alaska.
Además de las exposiciones el evento incluirá un encuentro teórico muestras de videos y documentales y talleres con algunos artistas cubanos como Tania Brugueras, reconocida por sus instalaciones y performances.
Rirkrit Tiravanija - Demonstration Drawings

THE DRAWING CENTER
35 Wooster Street New York,
NY 10013

12 SET - 06 NOV 2008


fonte: artnet.net

O “grito” do mundo
Contrariamente às instalações que o trouxeram à luz do mundo da arte, e que o consagraram em 2004 com o Prémio Hugo Boss, envolvendo “happenings” sociais - onde normalmente aplicou os seus dotes culinários, Rikrit Tiravanija apresenta no Drawing Center, em Nova Iorque, um trabalho diferente.
O artista torna-se comissário (ou manter-se-à artista?) juntando cerca de 200 trabalhos em desenho.
Estes desenhos, semelhantes a muitas imagens que podemos encontrar a ilustrar a imprensa diária ou do mesmo tipo que vamos vendo nos serviços informativos televisivos, foram capturados em papel e desenhados a lápis por tailandeses anónimos - a quem Tiravanija pediu para fazerem parte do seu projecto.
“Demonstration Drawings” apresenta-se assim dispersa pelas paredes da galeria principal do Drawing Center, ainda que de uma forma agregada – tal como as cenas, das quais se apropriou. São imagens de pequena dimensão, que se encontram dispostas sem nenhum foco em particular. O que as une é sim o facto de se tratarem de imagens de manifestações: uma das faces mediáticas das consequências da globalização – sinal dos conflitos, carregando uma visão/consciencialização colectiva sobre o mundo actual.
São as vozes que protestam, que discordam ou alertam para as políticas do mundo supostamente democráticas e que deveriam respeitar o desejo de uma maioria. A reflexão que resulta destes desenhos põe em causa a própria noção de democracia, e que se manifesta por esta agregação do crescendo de vozes que protestam: como se as vozes discordantes do mundo, que são constantemente “recicladas” nos média (recorrendo aos bancos de imagem ou de vídeo – como num acto de apropriação), estivessem todas contidas no espaço da galeria.
Entre os vários desenhos destacam-se as manifestações que se deram recentemente na Tailândia e em Burma (actualmente União de Myanmar) e que relembram episódios dramáticos, tais como a morte em directo de um fotojornalista japonês – amplamente divulgada pelas cadeias televisivas ou cenas onde forças policiais ou militares descarregam granadas de gás lacrimogéneo, água em alta pressão, ou mesmo bastonadas e detenções.
O trabalho é assim bastante político pela forma como foram escolhidas as imagens. Retratando acontecimentos da actualidade recente, podem considerar-se ainda bastante actuais, pois a sua fresca memória, que é constantemente reciclada pelos média, não os coloca num plano que se possam considerar históricos.
Para além do mencionado acontecimento, os desenhadores comissionados por Tiravanija retratam também as manifestações que ocorreram um pouco pelo mundo inteiro, contra a guerra no Iraque desencadeada pelos EUA, como forma de manutenção da paz mundial – relembrando as alterações sofridas pelo mundo após 11 de Setembro de 2001. Ao mesmo tempo, são mostrados desenhos do “outro lado”: homens armados, claramente muçulmanos, manifestam-se contra os EUA – alguns segurando cartazes de apoio ao presidente Ahmadinejad, denunciando as novas tensões geopolíticas.
Vêem-se tambem desenhos de manifestantes israelitas que se revoltam contra a sua retirada dos colonatos onde habitavam, ainda dentro de um registo próximo do anteriormente referido.E existem também os “clássicos” desenhos das manifestações sindicais – que reanimam a memória em volta das supostas extintas lutas de classes.
Ainda que não propositadamente, e apesar da familiaridade das imagens retratadas, a crise económica que recentemente tanto tem levantado preocupações volta encontrar significado nestas vozes discordantes. Os desenhos não estão assim tão longe da realidade actual, não sendo contudo na maioria dos casos completamente hiper-realistas.
Tiravanija volta assim a aplicar a sua “arte social”. Nesta ocasião, dando voz a anónimos que por sua vez usam a sua oportunidade para dar voz aos “gritos” do mundo.


Pedro dos Reis



quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Viva o contato, viva a vaia


Viva o contato, viva a vaia
Por Ricardo Basbaum

A forte reação negativa à 28ª Bienal indica a vitalidade da mostra para provocar mudanças

Certamente que as duas últimas Bienais (esta e a anterior) iniciam uma curva ascendente para o evento –e temos que colaborar para que continue assim: em 2002 (um pouco menos) e 2004 (um pouco mais) houve um viés burocrático-autoritário que não deixará saudades –eventos marcados por uma publicidade maciça e inadequada, querendo quebrar recordes de visitantes e serviços, mas construindo um espaço repetitivo e anódino.

Sim, claro, em 2002 eu estava lá, como artista, no terceiro andar do Pavilhão, e fiquei grato em participar1 e experimentar as estruturas e limites do evento2. Do mesmo modo, é preciso reconhecer a presença, em ambas as edições, de artistas brilhantes, interessantes, provocadores, memoráveis (Artur Barrio, Milton Marques, Jorge Pardo, Líva Flores, Paulo Bruscky, Carlos Fajardo etc.).

Ou seja, em um evento deste porte (uma bienal internacional), para onde convergem forças provenientes de matrizes tão diversas e interesses de grande e médio porte, é preciso reconhecer que se torna mais extremo o conflito entre duas dinâmicas que possuem independência e autonomia (ou seja, procedimentos e métodos próprios): a presença, impacto e inteligência das obras propostas pelos artistas convidados; a dinâmica dos projetos e gestos curatoriais, que pensam o evento como um todo e lidam diretamente com os trâmites institucionais.

De fato, em exposições com a escala de uma bienal (não somente física, mas sobretudo em sua importância simbólica), somente o núcleo curatorial pode zelar pelo evento em sua totalidade, cabendo aos artistas realizar intervenções e lutar pelo seu funcionamento pleno e potente, freqüentemente conquistado em difíceis e seguidas rodadas de negociações.

Proponho discutir aqui alguns aspectos da especificidade das práticas artísticas e curatoriais e suas convergências e divergências na construção do evento de arte contemporânea –este parece ser um tópico crucial para se perceber a 28ª Bienal de São Paulo, assim como todas as exposições que pretendem ser mais do que um simples conjunto de obras reunidas.

A questão não é simples: ao entrar em uma Bienal ou documenta, por exemplo, esperamos estabelecer um contato direto com as obras ali apresentadas; somos entretanto conduzidos até elas através de espaços cuidadosamente construídos, a funcionar como mediadores para este acesso –para chegar a este ou aquele trabalho, deste ou daquele artista, temos que nos relacionar aqui e ali com outras obras, conjuntos de sinalizações e ambientações luminosas e cromáticas: quando acreditamos estar diante da obra, fomos de fato conduzidos por aqueles que se esforçaram em conceber a totalidade do evento e pensaram em como nos conduzir até ali: como perceber o trabalho, do qual queremos nos aproximar, em alguma autonomia e em seus traços próprios?

A superposição de questões artísticas e curatoriais é mais um índice da complexidade da condição atual da arte contemporânea; aqueles que decifram o trânsito destas linhas percebem os traços deste intricado jogo crítico-institucional e podem se arriscar em um deslocamento mais livre através dos museus e pavilhões. Seria inclusive possível afirmar que as exposições que exibem com transparência as linhas de construção do evento –divergência, conflito e negociação entre as intervenções artísticas e métodos curatoriais– estariam mais próximas de desempenhar um papel crítico e transformador; enquanto que as situações em que este "conflito de interesses" é dissimulado, se aproximariam apenas de um jogo obscuro de retórica e manipulação de poder.

Mas e o público? Este, em geral não tem acesso aos bastidores da construção do evento: ao entrar em contato com as obras, não lhe são oferecidas pistas dos jogos de linhas e forças, cuidadosamente costurados nos bastidores. Daí que o que toma como "obra" é também a construção de sua possibilidade de acesso àquele lugar, ou seja, um agregado composto do trabalho do artista e mediação curatorial.

A experiência de fruição ali possível seria aquela já previamente direcionada, própria da construção de uma experiência, com todos os recursos de uma engenharia do sensível: claro que pode haver aí um ganho, a riqueza de um contato intenso. Mas sobretudo se for oferecido ao visitante o acesso às marcas desta construção, as linhas do que é curadoria e do que são as obras –o vivo contato com a transparência da construção do evento.

Este é o ponto que me parece mais forte e significativo nesta 28ª edição da Bienal de São Paulo (e que esteve deliberadamente ausente em 2002 e 2004) –talvez a mais francamente curatorial, de modo esclarecido: o oferecimento público da transparência dos gestos de construção do evento.

Desde os primeiros anúncios do projeto desta Bienal, seu curador, Ivo Mesquita, procurou mobilizar a importância de se desnudar o evento, revelando sua condição de crise; e, ao mesmo tempo, apresentar os gestos de uma proposta de intervenção direta no processo habitual de sua construção, já que “não (seria) mais viável montar uma grande exposição nos moldes habituais” (comunicado feito à imprensa em novembro de 2007, há menos de um ano da inauguração do evento).

Tal estratégia não teria sido simplesmente motivada, como se sabe, por qualquer deliberada posição conceitual em relação à concepção do gesto curatorial, mas pela decisão estratégica de produzir uma significativa mudança de rumos do evento Bienal, através da exposição de suas entranhas e impasses –e, se possível, produzir um desvio em seu modelo de gestão, diagnosticado publicamente como anacrônico e falido.

A corajosa proposição de Mesquita imediatamente obrigou que todos os demais atores do circuito de arte brasileiro (e internacional, enfim) –ou seja, curadores, críticos, galeristas, colecionadores, artistas etc.– se posicionassem e incorporassem as perspectivas propostas pelo curador, seja em reforço a ela ou em franco desconforto frente à instabilidade da proposta: como e para que, afinal, construir um momento de "reflexão" e "pausa", se as coisas seguem em uma normalidade ascendente e a arte brasileira avança pelo mundo?

Sem dúvida que a Bienal de São Paulo é nossa grande vitrine; além do mais, “São Paulo não pode parar”. Sempre me pareceu claro, entretanto, que a inteligência estratégica da proposta apresentada indicava talvez a única possibilidade de que o evento pudesse pensar a si mesmo: a história recente indica que a Bienal de São Paulo não tem sido capaz elaborar um plano de reflexão, um projeto de trabalho, um novo modelo de gestão.

Seu orgão gerenciador –a Fundação Bienal e seu Conselho– parece não se interessar de modo responsável; manter reservas em relação à arte contemporânea; habitar um outro registro de conversas e debates; perder-se em anacrônicas disputas de poder; ou seja, só seria possível pensar o evento através do evento mesmo, planejar uma edição da Bienal que aponte para sua reavaliação, indagando acerca de seus limites e de seu papel e, mais, expondo de modo direto sua inconsistência gerencial e revelando a necessidade de se produzir outro modelo de gestão.

Curiosamente, algumas linhas escritas e publicadas aproximam os atuais curadores da 28ª Bienal daqueles da última documenta. A expressão “a grande exposição não tem forma” abre o texto assinado por Ruth Noack e Roger M. Buergel. Segundo eles, o desafio particular daquela exposição residiria em sua inerente condição informe (“formless”), sendo importante a ênfase em como o público em geral não estaria “bem equipado para lidar com esta radical ausência de forma”. Assim, ali, naquele evento, a “experiência estética em sentido verdadeiro” estaria ligada ao fato de que “a exposição se torna, de direito, um meio e pode assim aspirar a envolver a audiência em seus movimentos composicionais”3.

Por aqui, um ano depois, Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen iniciam deste modo sua introdução ao Guia: “A 28ª Bienal de São Paulo propõe um formato diferente das bienais anteriores”; para, mais à frente, indicar “a construção de um espaço de exposição mais orgânico, diverso do cubo branco tradicional, (que) demanda uma posição ativa do espectador, possibilitando leituras e ressignificações a cada olhar, em um ambiente introspectivo”4.

Tanto em um como em outro caso, os curadores expressam preocupação com o evento enquanto "forma sensível", indicando que tal procedimento já está incorporado em nosso jogo perceptivo: por um lado, o evento é assumido como uma grande máquina de processamento sensível, aparelho de produção de enunciados e visibilidades; por outro, esta grande máquina dissolve os limites entre o evento e as obras, e a exposição transforma-se em uma grande instalação –ali o público é mobilizado e provocado, não importando, a priori, se o contato se dá com uma obra específica ou com o evento em si, uma vez que desde sua primeira aproximação o visitante já é conduzido através de uma sofisticada engenharia de produção e "design" de experiências5.

Parece-me que aí reside uma questão-chave, indicadora de interessante mudança perceptiva, provocada sobretudo pela arte conceitual e as experiências ambientais dos anos 1960/70: não percebemos mais apenas o objeto, mas este (dissolvido, em maior ou menor grau) em sua condição contextual. Para passar de um ao outro –nas idas e vindas do encontro–, precisamos de ferramentas, conceitos, determinados "perceptos": se quisermos reivindicar alguma autonomia possível para a obra de arte, precisaremos trabalhar, construir, nos esforçar –ou seja, trazer à superfície as linhas entre as coisas e eventos, membranas, superfícies de contato.

O problema principal, aí, seria: onde e como ficam os trabalhos dos artistas, quando a construção do evento assume condição de protagonista? Há o risco de uma perigosa inversão, já em curso: têm-se a impressão, muitas vezes, de uma nítida instrumentalização das obras em relação ao evento. Será preciso agora, todo o tempo, exercitar a construção das linhas entre obra e evento, curador e artista, para se perceber onde se localizam cada uma das ações: onde uma e outra escapam entre si, onde se juntam; em que momento as proposições se reforçam, e quando se afastam em dinâmicas separadas, cada qual em ritmo próprio. Não é tarefa simples ou fácil.

De modo geral, o visitante desavisado não tem acesso a este aspecto da exposição de arte contemporânea e acredita estar se relacionando apenas com as proposições dos artistas; de fato, a “exposição como um meio” quer se fazer presente enquanto ambiência a partir da qual são acessados os trabalhos (mesmo que talvez seja mais adequado se pensar em termos de um “pós-meio”6, que pensa a si próprio através do recurso à externalidade).

Considero um dos méritos da 28ª Bienal de São Paulo ter se assumido, plenamente, a partir desse conjunto de parâmetros: desde seu primeiro anúncio público já se podia esperar um evento de construção curatorial forte, arrojada; ou seja, há transparência na construção curatorial; esta não procura disfarçar-se sob qualquer norma de conduta ou fazer-se invisível enquanto princípio organizador oculto.

Entretanto, parece que –dentro da condição de trabalho apontada acima– apresentam-se novas dificuldades: é preciso encontrar o balanço correto entre as obras apresentadas e o gesto curatorial protagonista; uma exposição não se constitui apenas a partir de uma iniciativa organizadora; deve, isto sim, garantir a presença forte das obras, sem as quais o projeto proposto afinal não se define e concretiza. Penso que é nesse encontro que a atual Bienal apresenta algumas fragilidades: sobretudo no terceiro andar do Pavilhão do Ibirapuera, o difícil equilíbrio entre a responsabilidade curatorial pela construção do evento e a ação dos artistas na constituição de suas poéticas, se desloca em direção dos primeiros.

A imponente intervenção de Dora Longo Bahia (“Escalpo 5063”, 2008), em conjunto com a atuação de Gabriel Sierra no desenvolvimento de estruturas de madeira junto ao trabalho de cada artista, acabam por unificar em demasia o que seria um conjunto de trabalhos que apontariam em direções diversas –por exemplo, João Modé e Erick Beltrán, Iran do Espírito Santo e Ângela Ferreira: poéticas que tocam em frentes de sentido bastante distantes umas das outras, mas cujas diferenças são neutralizadas pela excessiva presença de um dispositivo curatorial homogeneizante.

Em tal contexto, “Escalpo 5063” fica no limiar de desempenhar um papel autoritário no espaço expositivo, ao impor-se sob cada peça, montagem e instalação dos diferentes artistas. Frente ao visitante, a obra se oferece a uma ação interessante, incorporando sua movimentação incessante e submetendo-se a um desgaste contínuo que acaba por revelar novas camadas de pintura; mas, em relação ao conjunto expositivo, “Escalpo 5063” é invasivo.

Se o desejo curatorial (ou da artista?) era ter uma peça onipresente, com função de integrar os demais trabalhos de modo “orgânico”, não seria o caso de se pensar em desenho capaz de estabelecer um contato mais produtivo, investindo em vazios e encontros? Ou mesmo que Gabriel Sierra desempenhasse diálogo efetivo –isto é, dialogismo, trocas, em que ambos se deixam contaminar– com cada artista? Pois é inevitável a impressão de que a conversa se estabeleceu mais entre Sierra e a curadoria do que entre Sierra e os artistas por ele servidos. O que a princípio apontaria para uma fina afinação entre as demandas curatoriais e as poéticas propostas pelos artistas, converte-se literalmente em uma gigantesca instalação a estender-se por todo o terceiro andar.

Como argumentei acima, vejo como extremamente instigante e positiva a transparência do gesto curatorial –traço de uma conquista importante, a se desenvolver desde a 27ª Bienal; mas, ao literalizar-se de modo excessivamente veemente, provoca a retração das poéticas em jogo, produzidas a partir da singularidade das obras: há homogeneização de um conjunto de diferenças que deveria ser potencializada para que a exposição tenha a força de um impacto sensorial necessário.

Nesse conjunto, os trabalhos que se lançam para fora do espaço acabam por funcionar de maneira importante, ao levar o visitante para além daquela arquitetura unificadora –como o “Extensor”, de João Modé, que estabelece ligação direta entre uma coluna do pavilhão e árvores do parque do Ibirapuera. Do mesmo modo, todas as obras que se localizam em outros espaços do prédio conseguem construir uma presença mais interessante e mais clara (Rubens Mano, Carla Zaccagnini, Alex Pillis etc.), funcionando com certa indepedência do projeto curatorial –e, nesse sentido, reforçando-o de maneira mais efetiva e menos literal.

E torna-se especialmente significativa a programação de eventos e o “jornal 28b”: também aí parece que o projeto curatorial se efetiva de fato, ao viabilizar ações que apontam para diferentes direções e multiplicam vozes, em interessante polifonia –torna-se de fato um instante de alegria verificar que das últimas páginas do “jornal 28b” saltam notícias de âmbito cotidiano (eleições brasileira, norte-americanas, crimes, esportes); subitamente o mundo real aparece lado a lado com as questões e provocações trazidas pelo evento.

Ainda uma última pergunta: por que a presença tão pregnante de obras já bastante conhecidas de certos artistas emblemáticos, como Sophie Calle e Allan McCollum (assim como Carsten Höller)? Há aí certo didatismo que poderia ser evitado, uma vez que é na produção de obras novas, concebidas especialmente para o evento, que este se faz mais agudo e provocador.

Quanto à temática do "vazio", tão necessária à construção desta "parada reflexiva" –pois se vislumbram frestas, áreas de escape, linhas de fuga, configurando afinal outro fluxo de energias para o atual evento, apontando para necessárias mudanças de organização e gestão–, vejo aí também um gesto que poderia se efetivar de modo menos literal, não-ilustrativo: expor o segundo andar na crueza de sua arquitetura é um gesto que produz forte impressão e impacto; mas, à medida que esta imagem se dissipa, percebe-se que foi oferecido ao público sobretudo o emblema de uma arquitetura modernista cheia de promessas idealizadas e utópicas, pouco a pouco desconstruídas por intervenções críticas que repolitizaram, sobretudo a partir da metade final do século XX, tais premissas enquanto resistência não-asséptica, híbrida e múltipla.

O vazio real pós-utópico deixa de se posicionar como emblema ou bandeira de luta, para revelar-se nas membranas de contato, no espaço entre locais diferentes, em conflito e choque. Nesse sentido, a fotografia de Rubens Mano, exibindo o pavilhão desocupado, é mais produtiva e interessante –porque imagetica e inteligentemente mediada– do que a exibição de modo direto de sua arquitetura, gesto que parece trazer à superfície uma aura intimidatória quase hospitalar –pureza, assepsia, descontaminação, são temas que a 28ª Bienal procura deliberadamente enterrar, mas que ao mesmo tempo parece perigosamente oferecer através do esvaziamento sumário do segundo andar.

Entretanto, não tenho dúvidas de que a 28ª Bienal de São Paulo concretiza um excepcional e ousado projeto que, em continuidade com a edição anterior, vai aos poucos recuperando a credibilidade do evento enquanto plataforma de investigação e experimentação: a fórmula “em vivo contato” deveria, a partir de agora, tornar-se emblema permanente das próximas edições, no sentido de forçar que o evento se abra ao mundo real e procure, aí, produzir intervenções e provocações, buscar outros modelos e formatos.

Esta edição se propõe a produzir mudanças e avanços e é nesta direção que deve ser percebida, mesmo que, como qualquer evento de grande porte, tenha se efetivado de maneira desigual na materialização de suas propostas. Se há uma forte reação negativa, isto também deve ser celebrado, uma vez que, quando o contato é vivo, a vaia é viva: quando não se produz qualquer reação, algo está em repouso ou sob forte anestesia –é preciso festejar que as coisas estejam em movimento.

Publicado em 24/11/2008

1 - A convite de Agnaldo Farias, que assim manifestou interesse em dar continuidade a uma conversa iniciada mais diretamente em 2000, quando apresentei no MAM-RJ a instalação “NBP x eu-você”, dentro do projeto Novas Direções – idealizado por Farias quando era curador deste museu.

2 - Somente em 2008 tive oportunidade de comentar publicamente os curiosos episódios que envolveram minha participação na 25ª Bienal, com o projeto “transatravessamento”. Ver http://www.28bienalsaopaulo.org.br/palestra/8-encontro-ricardo-basbaum-antonio-dias.

3 - Roger M. Burgel e Ruth Noack, “Preface”, documenta 12, catálogo, Kassel, Taschen, 2007 (livre tradução).

4 - Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, “Introdução”, 28ª Bienal de São Paulo, Guia, 2008.

5 - “Design de experiências”, expressão do crítico de arte Afonso Luz, ao comentar meu projeto “Você gostaria de participar de uma experiência artística?”, apresentado na documenta 12.

6 - Rosalind Krauss, "A Voyage on the North Sea – Art in the Age of the Post-medium Condition", Nova York, Thames & Hudson, 1999.

Ricardo Basbaum
É artista, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Expõe regularmente desde 1981. Participou da 25ª Bienal de São Paulo (2002), documenta 12 (2007) e 7ª Bienal de Xangai (2008). É autor de "Além da Pureza Visual" (Zouk, 2007) e professor-adjunto do Instituto de Artes UERJ.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

28ª BIENAL/EM OBRAS

Eu vou ser o seu espelho
Por Fabio Cypriano


O artista Mauricio Ianês com os objetos que recebeu como doação durante a sua performance na 28ª Bienal
Amilcar Packer/Divulgação

O artista Mauricio Ianês revela o que passou e o que sentiu durante os 12 dias de sua performance no evento

Performances que contenham nudez tendem a ser midiáticas. Foi assim, em 2002, quando o norte-americano Spencer Tunick, na 25ª Bienal, reuniu centenas de paulistanos para realizar suas fotografias, que foram vistas não só em todos os veículos de comunicação do Brasil, mas em outros, de todo o mundo.

Menos espetacular, mas começando nu, Maurício Ianês provocou, até agora, a performance mais mobilizadora da 28ª Bienal de São Paulo: “Sem Título – A Bondade de Estranhos”, que começou no dia 4/11. Naquele dia, ele entrou sem roupas no pavilhão e, para se manter ali, ficou na total dependência do público, de acordo com 13 regras estipuladas pelo artista _listadas na entrevista abaixo. Até o dia 16/11, dezenas de pessoas se dirigiram ao parque do Ibirapuera para ver esse “artista da fome”.

“Nos dois primeiros dias da minha performance na Bienal, me senti num açougue, principalmente por conta da mídia. Pensei até mesmo em encerrar o trabalho”, conta Ianês a Trópico. A imagem inicial do “peladão” foi paulatinamente sendo substituída por outra, quase mística, de uma figura que recebia oferendas de todo tipo: roupas, travesseiros, comida, livros, textos, dobraduras...

Em seus últimos dias na performance, ao ocupar o andar vazio da Bienal, Ianês conseguiu imantar aquele espaço, dando novo sentido ao local. “Pessoas foram lá me doar uma música tocada ao vivo, dois grupos me doaram performances, e isso foi muito lindo, ver que o vazio se tornou um espaço de expressão aberta por conta do trabalho, coisa que antes tinha sido muitas vezes proibida”, diz o artista.

Depois de 13 dias sem falar (essa era uma das 13 regras), Ianês cantou “I’ll Be Your Mirror” (Eu Vou Ser Seu Espelho), canção do Velvet Underground e de Nico, que ficou em sua cabeça durante toda a ação. Leia a seguir o primeiro grande relato do artista sobre essa experiência.

*


Como você está após treze dias sem sair da Bienal e sem falar?

Maurício Ianês: Doente, mas na verdade isso importa pouco. Para mim foi uma grande experiência, esse contato intenso com um público enorme, durante tanto tempo, dependendo do que me era doado para viver e, sobretudo, em silêncio. Foi, sim, uma experiência transformadora e, durante o processo do trabalho, fiquei impressionado com a responsabilidade e a confiança que o público colocava sobre mim. Só isso já teria sido algo intenso o suficiente para gerar uma mudança. Uma coisa engraçada (pós-performance) é que, apesar de ainda não sair muito de casa, me peguei fazendo mímica para me comunicar no supermercado.


O que era mais fácil: estar na Bienal quando havia público ou quando não havia?

Ianês: Durante o dia, quando o público estava constantemente em torno de mim, tive momentos difíceis, pois às vezes estava extremamente cansado, passando mal, com dor de cabeça, fome ou frio, mas tinha que estar ali, disponível. E, se tentava me isolar do público, havia uma cobrança para voltar. As pessoas me chamavam e me cutucavam: eu tinha que voltar.

No entanto, as noites eram longas e frias e eu dormia pouquíssimo. Sem contar que o pavilhão é bastante barulhento, com montagens das outras performances durante a noite, seguranças conversando e ouvindo música para ficar acordados etc. Cada período tinha as suas vantagens e desvantagens, não sei falar o que era pior ou melhor.


Houve momentos incômodos na relação com o público? Quais?

Ianês: Tive alguns momentos um pouco desagradáveis, mas em geral o público foi bastante respeitoso.

O que acontece é que, por eu estar ali totalmente disponível ao que viesse, sem julgamento, em alguns momentos houve abuso, mas nada que eu não esperasse. Na verdade, para mim, a pior situação aconteceu um dia em que eu comi algo que não me fez bem e passei muito mal, vomitei, fiquei com dor de cabeça e dor no estômago. Você sabe, eu antes tinha uma alimentação supercuidada, fora da Bienal.

Fiquei deitado tentando dormir, já era noite, mas várias pessoas que passavam ao meu lado tentavam me acordar, gritavam para ver se eu respondia, esse tipo de coisa. Foi sem dúvida a pior situação. Às vezes o público via o artista e esquecia que ele era um homem que estava dormindo pouco, no chão frio, disponível 12 horas por dia, comendo praticamente só bolacha, doces e salgados.


Houve momentos emocionantes na relação com o público? Quais?

Ianês: Sim, vários. Justamente por ver a responsabilidade que o público depositava em mim. Fiquei bastante emocionado -e quem estava em volta também- com um menino que veio com um grupo de escola. Ele devia ter uns 13 anos, talvez. Ele parou para me dar algo, e como sempre eu olhei nos seus olhos.

Quando eu começava a olhar nos olhos de alguém, a "regra" é que eu só desviasse o olhar quando a pessoa parasse de olhar para os meus olhos. Ficamos nos olhando por um bom tempo -o que é raro com jovens e crianças. Seu grupo da escola foi embora. As pessoas o chamaram, e eu ouvi que o ônibus ia sair às 18h30. Ele ficou olhando nos meus olhos, sem responder aos chamados do grupo. Ficamos ali, mas eu comecei a ficar preocupado que ele pudesse perder o ônibus.

Depois de um bom tempo, eu resolvi interromper e, com gestos, mas sem desviar o olhar, falei que era hora de ele ir embora. Ele arregalou os olhos, soltou um longo suspiro e falou "que pena". O público que estava em volta aplaudiu. Ele foi embora.

Outro momento emocionante aconteceu com um adolescente que foi lá com a família, ficou observando o trabalho por um tempo. Eu o ouvi comentar: “Mãe, ele só está comendo porcaria!”. Eles voltaram meia hora depois com uma marmita com arroz e muitos legumes assados. Quando eu abri a marmita e vi aquilo, quase chorei. Parece bobo, mas na situação em que eu estava foi emocionante. Na verdade foram muitos momentos interessantes e emocionantes.


Você pretende repetir essa experiência?

Ianês: Definitivamente não no Brasil, pelo menos por um bom tempo. Aqui, a experiência está feita. Não tenho planos ainda, mas adoraria mostrar esse trabalho em outros países, onde a cultura é diferente, para ver as diferentes reações do público.


Sua performance irá marcar esta Bienal. Você se tornou um ícone midiático, fazendo com que sua ação ganhasse um retorno popular inédito em sua carreira. O que isso significou para você, já que suas performances lidavam com um público acostumado com esse tipo de ação e, na Bienal, seu público se ampliou muito?

Ianês: Para mim foi assustador. Como você disse, estou acostumado a mostrar o trabalho para um público especializado e ver o trabalho comentado apenas na mídia especializada, quando muito. Já na semana anterior eu fiquei assustado e até chateado de ver como a mídia estava explorando a questão da nudez.

Nos dois primeiros dias da performance na Bienal, me senti num açougue, principalmente por conta da mídia. Pensei até mesmo em encerrar o trabalho. Com o tempo, no entanto, passei a me preocupar mais com o público mesmo, e isso foi muito gratificante. Ter esse contato tão próximo com o público de Bienal, mais diversificado e muito maior que o público de galerias, por exemplo. Ver como o trabalho marcou pessoas tão diferentes. Foi muito importante para mim e com certeza essa experiência irá transformar os caminhos do meu trabalho.


Pelo que se pode ver em imagens, e há muitas que circulam pela internet, pessoas o procuraram como se procura um milagreiro. Você sentiu uma carga "religiosa"?

Ianês: Sim, enorme! Isso também me assustou! Muitas pessoas iam lá desabafar comigo, muitas falavam mesmo de religião ou espiritualidade. Foi interessante perceber como as pessoas precisam de exemplos e guias, de heróis. Só não achei confortável assumir esse papel. Em um determinado momento da performance, tive o pensamento irônico: minha próxima ação vai ser fundar uma religião.


Por outro lado, sua performance "A Bondade de Estranhos", tem de fato um viés religioso-cristão, que é acreditar na caridade, já que você dependia totalmente dos outros. Nisso não há uma espécie de omissão, tirando do artista toda a potência criativa?

Ianês: A escolha do subtítulo deste trabalho -"Sem Título - A Bondade de Estranhos" foi na verdade irônica. Não imaginei nunca que conseguiria mobilizar as pessoas para que fizessem doações. Não achei que o trabalho fosse chegar ao fim. Não acreditei que o público fosse participar tanto do trabalho. Eu não acreditei na caridade. No entanto, sim, a idéia inicial foi exatamente a de omissão. Esse trabalho falava, para mim, sobre criar novas formas de relações com o público menos dependentes da linguagem e tornar o trabalho inteiro uma construção do público, um espelho do público.

Queria justamente que, com o tempo, eu fosse desaparecendo atrás das doações. Não acredito que isso tire a força criativa do artista, até porque vejo que, em trabalhos como este, o artista se torna um potencializador dos desejos do público, um meio para que o público possa se expressar. No entanto, acho que isso nunca foi diferente na arte. Pelo menos é assim que eu penso.


Essa dependência e essa "omissão" têm alguma relação direta com a proposta do vazio da Bienal, no segundo andar?

Ianês: Não, nenhuma relação direta ou pensada. No entanto, acho que no andar do trabalho as duas propostas dialogaram bastante.


Você começou no terceiro andar, ficou um tempo no primeiro e terminou ocupando justamente o vazio. O que o levou a realizar esse roteiro e por que ocupar o lugar que não deveria ter nada na Bienal? Ianês: Uma das "regras" da ação era: eu sou nômade dentro da Bienal. No entanto, quanto mais doações eu receber, menos eu me movo. Tive a autorização dos curadores para me instalar onde eu quisesse, sem restrições.

Na primeira semana, a cada dia estava em um lugar: no terceiro andar no primeiro dia, no segundo andar no segundo dia, no térreo no terceiro dia, no primeiro andar no quarto dia, e então fiquei lá por três dias, pois já tinha recebido muitas doações. Então me mudei novamente para o segundo andar e acabei ficando por lá até o final do trabalho, porque as doações foram muitas e, na verdade, não caberiam de modo confortável em outro lugar do prédio.

Nos demais andares, eu acabaria invadindo o trabalho de outros artistas, então resolvi ficar no segundo andar mesmo, até o final. No momento dessa decisão, pensei que eu deveria conversar com os curadores, justamente porque estava me colocando por um período razoavelmente longo em um lugar que eles tinham imaginado vazio. No entanto, eu não podia falar e tinha recebido a autorização prévia. Acabei ficando.

Acho, no entanto, que o trabalho se relacionou bem com o espaço, por vários motivos. Uma, porque fez mais pessoas explorarem o espaço, indo até o final dele, onde eu me coloquei, coisa que não acontecia muito antes. Segundo, porque era um trabalho efêmero, ia desaparecer em breve, e deixar o espaço vazio novamente, mas carregado de memórias para o público, para os educadores, para mim. E terceiro, porque ativou o espaço vazio de uma forma interessante; por causa do trabalho, várias pessoas foram ocupar o vazio com seus trabalhos.

Pessoas foram lá me doar uma música tocada ao vivo, dois grupos me doaram performances, e isso foi muito lindo, ver que o vazio se tornou um espaço de expressão aberta por conta do trabalho, coisa que antes tinha sido muitas vezes proibida, mas pela minha presença, a segurança da Bienal acabava autorizando que o público fizesse coisas que antes não teriam podido fazer.


Em várias respostas você cita regras criadas para a performance. Você poderia dizer na íntegra quais são essas regras? Você precisou desrespeitar algumas ao longo desses dias?

Ianês: Sim, eu tinha criado algumas poucas regras que não divulguei totalmente. Algumas eram totalmente fixas, outras mais maleáveis. Elas eram:

- Não usar nunca a fala para se comunicar, com quem quer que fosse, mesmo fora dos horários de abertura da Bienal; acabei quebrando essa regra quando precisei falar com a produção sobre uma situação que poderia acontecer mas não aconteceu -uma pessoa ameaçou levar tudo o que eu tinha arrecadado no último dia. Isso, e uma outra vez para liberar com a equipe de segurança a saída de três meninos de rua que tinham pego comida, dinheiro e outras coisas que tinham sido doadas;

- Não sair nunca do pavilhão;

- Ao receber algo de alguém, olhar a pessoa nos olhos e manter o olhar até que ela desista;

- Sempre que eu passar os olhos por alguém que esteja olhando para mim, parar e olhar nos olhos dessa pessoa até que ela desista;

- Não responder a olhares "mediados" por câmeras etc.;

- Não escrever as minhas memórias ou pensamentos em relação ao trabalho durante o processo;